Continuação do post anterior
Ajudando no governo da casa
Vivíamos em casa de
minha avó — que era a matriarca da família — ela, meu pai, minha irmã e eu. Era
uma residência muito grande, e morávamos num apartamento reservado
especialmente para nós.
Mamãe se dedicava a
ajudar minha avó a tomar conta da residência. Esta era enorme, e por isso era
preciso sempre dirigir os criados e fiscalizar as contas.
Naquele tempo, quase
tudo se fazia em casa, não só refeições, mas também costura, por exemplo. Havia
em nossa residência uma máquina de costura muito boa, marca Singer, com pedais;
não era elétrica. Mamãe pedalava e costurava. A Fräulein também ajudava na
confecção de certas peças de roupa. Embora não precisasse trabalhar nessas
coisas, mamãe as realizava por afeto, gostando que usássemos roupas feitas por
ela. Para um rapaz, por exemplo, uma coisa é usar uma gravata comprada na loja,
outra é vestir aquela que sua mãe fez para ele.
À procura dos ovos de páscoa
Quando chegava a
Páscoa, realizava-se piquenique, ou seja, uma excursão a uma distância pequena,
no meio do mato ou junto da praia, levando-se algumas cestas com comida. A
criançada brincava e mamãe ficava observando. Essas cestas iam bem preparadas,
tudo bem arranjado. Era agradável vê-la retirar os alimentos e mandar
distribuir aqui, lá e acolá. Tudo feito com perfeição. Ela sabia depois adaptar
a refeição a cada pessoa.
Muitas vezes íamos ao
Parque Antártica, situado em frente às Indústrias Matarazzo1 de hoje. Era um
local enorme, muito bonito, que a Companhia Antártica — fabricante de uma
excelente cerveja — mantinha para o público a fim de fazerem piqueniques e,
penso eu, escoar seus produtos.
O parque possuía
tufos de vegetação, árvores, enfim tudo que pudesse distrair crianças. Em certo
momento, mamãe fazia um sinal para a Fräulein — mas eu nunca percebia; somente
quando adulto entendi tudo — e esta jeitosamente levava os ovos de páscoa,
colocando-os em diversos lugares. As crianças ficavam prestando atenção para
ver onde ela os havia escondido, para depois irem buscar.
Eu era um menino
bastante distraído e muito pensativo. Como resultado, uma série de coisas
concretas me escapava.
Mamãe já sabia que eu
não iria notar; então ela me dizia:
— Filhão, vá agora
pegar seus ovos. Eu pensava: “Agora chegou essa história.”
E perguntava:
— Que direção devo
tomar?
— Vá procurar. Todos
os seus companheirinhos estão procurando, busque você também.
— Ah! sei, vou.
Após dar alguns
passos e nada encontrar, eu de longe olhava para ela, assim como quem diz:
“Ajude-me porque naufraguei , não encontro os ovos.”
Mamãe sorria para
mim. Que sorriso luminoso, afável! Um tanto se divertindo com o meu apuro, mas
alegre por me tirar dele. Chegava até mim e me dizia:
— Dê a mão para mamãe
que vou ajudá-lo a encontrar os ovos. Vamos andar um pouco.
Segurando minha mão,
ela fingia que estava procurando e afinal me falava:
— Olha, está naquele
tufo, mas você tem que procurar dentro dele.
Mexendo um pouco
naquela vegetação, aparecia o presente. Eu era tão ingênuo que acreditava ter
sido achado por mim e ficava alegre:
— Olhe, mamãe, eu
encontrei!
E ela fingia
surpresa:
— Ah! Encontrou? Que
coisa excelente!
E eu ia comer o ovo
de páscoa que achara, pois todos os presentes eram comestíveis. Ela sabia que
eu não preferia ovo de chocolate, e sim o feito de açúcar, pois causava a
impressão de cristal muito bonito. Dessa forma, mamãe sempre me fazia encontrar
o ovo de cristal que comprara para mim.
Nada havia nesse caso que ela não tivesse feito com perfeição
Eu saía de lá com a
seguinte sensação: “Nada havia nesse caso que ela não tivesse feito com
perfeição.”
De vez em quando,
para brincar, eu lhe dava um ou outro apelido, sempre muito respeitoso e
afetuoso. Durante algum tempo, eu a chamava Lady Perfection, quer dizer,
Senhora Perfeição, e ela ficava muito contente. Meu pai, que era um homem muito
tratável, de um gênio muito bom, olhava o jeito dela e dizia, imitando a
pronúncia do português de Portugal:
— Não te derretas!
Ela ficava séria, eu
lhe falava outras coisas para exprimir minha admiração e assim terminavam
nossos contatos.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído
de conferência
de 10/9/94
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