Com
extrema maternalidade, Dona Lucilia procurava orientar seus filhos para uma
vida de perfeição. Dr. Plinio se recorda de fatos do dia-a-dia que deixam
transparecer a bondade de sua mãe.
Se houve uma pessoa
que me deu todas as formas de exemplos de perfeição, foi Dona Lucilia.
Em primeiro lugar
pela sua elevação moral. O espírito dela tinha certa tendência, continuamente
manifestada, para o que há de mais alto, mais belo, mais delicado.
À noite, após fazer
todas suas orações, ela me esperava chegar da rua para trocar mais uma
palavrinha comigo. Eu percebia que o tempo decorrido entre o término de suas
preces e minha chegada era considerável, às vezes três quartos de hora. Mamãe
estava cansada, com sono, mas não queria ir dormir. Não sei no que ela pensava,
mas eu notava que seu espírito se desprendia de regiões mais altas do
pensamento para descer e conversar comigo.
Espírito impregnado pelo “perfume” da elevação
Imaginem uma pessoa
que subisse em uma montanha, no alto da qual houvesse árvores com flores
perfumadíssimas, e lá ficasse certo tempo. Quando descesse, seus trajes
estariam penetrados do cheiro daquelas flores. Assim, eu tinha a impressão de
que seu espírito ficava impregnado do perfume das coisas nas quais ela tinha
pensado.
Eu não ia conversar
com ela para tratar de algum assunto específico, mas apenas por ser seu filho;
era inteiramente espontâneo. E aquilo que me ocorresse e tivesse a vontade de
dizer-lhe naquele momento, eu falava. Ainda que fosse uma coisa insignificante,
por exemplo, um episódio com o cobrador das passagens de bonde porque ele não
tinha troco. Ela entrava naquele assunto, embora fosse minúsculo.
Algumas vezes mamãe
me perguntava: “Filhão, o que você fez hoje à tarde após sair do escritório?”
Eu lhe contava: fui ao dentista ou ao barbeiro ou a uma loja para comprar um
par de sapatos. Ela prestava atenção e iluminava o assunto pelo espírito dela,
fazendo assim que o tema deixasse de ser banal.
Mas não prolongava a
conversa perguntando: “Onde estão os sapatos? São bonitos ou feios?”
Normalmente as senhoras se interessam por essas coisas.
Aliás, eu gostava de
sapatos bem largos, e a única preocupação dela nessa matéria tão banal era que,
sendo folgados demais, de repente me causassem um tombo. Então ela sempre
dizia:
— O sapato não é
largo demais?
Eu sorria e
respondia:
— Para meu gosto não,
para o seu é.
— Olha, filhão, você
toma um tombo...
— Reze por mim — e
encerrava o assunto.
Preparando presentes para os filhos
Às vezes, ela contava
pequenos fatos tais como:
Quando éramos
crianças, mamãe preparava para minha irmã e para mim presentes de Natal e Ano
Bom. Ela mandava a Fräulein nos levar para as duas ou três melhores casas de
presentes de São Paulo e nos dizia: “Escolham os presentes e rezem a São
Nicolau, para que ele os consiga para vocês.” Acreditávamos que era assim;
íamos às lojas e escolhíamos coisas muito desiguais: minha irmã preferia
bonecas e eu soldadinhos de chumbo, objetos que exprimiam luta.
Além desses
brinquedos, mamãe — creio que por dedicação — gostava de ela mesma fazer
presentes para nós, especialmente para minha irmã, porque é mais fácil fabricar
uma coisa para menina do que para menino. Este gosta de coisas meio brutas,
enquanto aquela, de objetos mais delicados.
Lembro-me de vê-la
trabalhar para compor algo semelhante a um abat-jour, colando em sua copa uma
série de figuras de meninas, uma segurando na mão da outra, formando guirlanda,
dando certa impressão de dança, em torno de um chafariz. Ela recortava essas
figuras femininas de jornais brasileiros ou figurinos franceses, e colava-as em
papel especial. Depois pintava os bordos das saias, espalhava uma espécie de
poeira dourada e dava o abat-jour para minha irmã.
Apesar de sua má
saúde, mamãe ficava às vezes até meia-noite, meia-noite e meia, preparando esse
presente. Era algo trabalhoso, mas ela o fazia com perfeição.
Porém, o mais
perfeito estava nisso:
Passado certo número
de dias, a cola ia secando, as figuras se desprendendo e aquilo ficava feio.
Então, ela mandava rasgá-lo e jogá-lo no lixo, sem o menor pesar. Agora a
perfeição consiste em pensar noutra coisa, não lastimar o passado mas, isto
sim, em ir para frente.
Desde o mais delicado
e carinhoso, até ao mais firme e decidido, tudo mamãe fazia com perfeição.
Continua no próximo post
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