Dona Lucilia sabia, como poucos, entreter uma criança.
Formada segundo padrões dos antigos tempos, ela conhecia o meio
de preservar a candura na alma dos pequenos, não porém mantendo-os
na infantilidade, mas educando-os numa inocência
amadurecedora.
A vida dos adultos apresentada
com elevação de vistas
Como ela procedia?
Falava às crianças sobre a maneira de os adultos
conduzirem sua existência, suas inclinações, as lutas, os
dramas que enfrentavam, etc., apresentando tudo com uma tão
alta elevação de horizontes, com tanto ideal e tanta seriedade,
que incutia no espírito da criança os necessários elementos para
que ela maturasse.
Eu mesmo, filho dela, sentia bem como esse modo de
proceder era o que deveria ser adotado, e desfrutava um
entretenimento único nos fatos e histórias descritos por mamãe,
porque tudo — até os contos de fada que nos narrava — era
orientado na direção do nosso amadurecimento. Acontecia-me de vez
ou outra escapar dos brinquedos com minha irmã e meus primos e ir
procurá-la pela casa, a fim de pedir que me desfiasse um de seus
contos. Ela ficava muito comprazida com minha solicitação, e eu,
super-comprazido com seu acolhimento.
Cumpre dizer que essa forma de nos educar me preparou
para o choque inevitável que um menino, saído de seu ambiente
familiar — sobretudo se católico e semeado de valores morais como
era o meu —, teria com o mundo. Eu caminhava para esse confronto
com os olhos postos naqueles ideais que mamãe soubera nutrir em
minha alma, e para os quais eu deveria tender.
Uma inocência unida à
seriedade
É preciso dizer, também, que a seriedade fazia parte
dessa inocência, ao mesmo tempo manifestada e amparada por mamãe.
Essa atitude decorria de uma escola de alma que ensinava como
prolongar a inocência dentro da maturidade, fazendo-nos compreender
como a inocência não é apenas um estado de espírito de uma
criança, mas um programa de vida que, em última análise, leva o
homem a cumprir o primeiro mandamento da Lei de Deus.
Fantasias de Carnaval que
estimulavam a inocência
É interessante notar que os dias de Carnaval
ofereciam a mamãe uma oportunidade especial de estimular em nós
a inocência. Todas as crianças da família se fantasiavam,
vestidas pelos pais. E eu me deixava trajar como Dª Lucilia
quisesse, pois a vontade dela era indiscutível para mim. Agora, um
detalhe: as fantasias que ela arranjava sempre tendiam ao sério, ao
contrário de outras que exploravam o burlesco, impelindo a criança
a tomar atitudes descompostas e apalhaçadas.
Lembro-me de certo ano em que ela, nas suas delicadas
concepções, planejou para mim uma fantasia de marajá. Ignorando
as características do personagem que eu iria adotar, logo quis
saber do que se tratava, e mamãe então me descreveu as belezas da
Índia, com seus lindos palácios, suas riquezas e mistérios.
— Você, portanto, vai se fantasiar de marajá! —
disse-me ela, num tom que era um convite longínquo para a criança
encarnar e viver o papel de soberano hindu por alguns dias.
Recordo que minha fantasia comportava um turbante feito
de várias sedas, ornado de uma bonita aigrette que acompanhava os
meneios da cabeça e me dava a impressão de uma espécie
de sismógrafo muito nobre da alma humana. Além disso, era presa
ao turbante por uma grande pedra “preciosa”, e esse pormenor de
uma “jóia” incrustada na testa, da qual se desprendia uma
elegante pluma, parecia mais ou menos a profundidade do pensamento
da qual se destacava uma construção alígera...
O resto da roupa era igualmente de seda, guarnecida
de joias falsas, anéis, colares, etc. Os sapatos, com as
pontas voltadas para cima e revestidos de cetim lilás, pareceramme
particularmente graciosos, pois achei muito feliz a ideia de
calçados que se erguiam da vulgaridade do chão, como se o seu
usuário dissesse: “Eu toco no solo, mas o melhor de mim mesmo se
faz alheio à poeira. Por isso viro a ponta para cima.” Assim como
com as fantasias de outros Carnavais, essa do marajá era preparada
no clima criado por Dª Lucilia, falando-me com seriedade
acerca do personagem que eu iria representar, e imaginando uma
vestimenta que, conforme os padrões e as posses dela, deveria ficar
seriamente bonita. Quer dizer, com inocência e seriedade, ela tinha
empenho em que eu me apresentasse bem.
(Plinio Correa de Oliveira - Adaptado e Extraído de
conferência em 12/6/1982)
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