Dona Lucilia cuidava dos assuntos de
casa, conferindo-lhes aquela sua nota característica de bondade e
delicadeza de alma.
Por
exemplo, quando preparava os presentes de Natal para os dois filhos,
em geral brinquedos comprados nas melhores lojas do gênero então
existentes em São Paulo. Até atingirmos certa idade, mamãe
costumava pedir à nossa governanta, Fräulein Mathilde, que nos
levasse a essas lojas e nos fizesse escolher os nossos brinquedos
favoritos, dizendo-nos em seguida: “Agora rezem a São Nicolau, e
peçam a ele que lhes traga esses presentes”.
Claro,
crianças que éramos, acreditávamos naquela afetuosa combinação,
e nos dirigíamos à loja de brinquedos contentes e ansiosos,
esperando que São Nicolau nos fosse favorável. No dia de Natal,
nossa alegria era completa ao vermos que tínhamos sido atendidos . .
.
Mas,
além desses presentes, mamãe se comprazia em confeccionar, ela
mesma, outros brinquedos para nós, especialmente para minha irmã,
pelo fato de ser mais fácil elaborar algo que agrade a uma menina.
Lembro-me, por exemplo, de vê-la trabalhar num enfeite para abajur
que era uma espécie de guirlanda formada por figuras femininas de
mãos dadas, como se fossem várias meninas dançando ao som de uma
música em torno, digamos, de um chafariz.
Essas
silhuetas eram inspiradas em gravuras que mamãe colecionara de
revistas brasileiras ou de figurinos franceses. Depois de as recortar
e colar, ela ainda as pintava com purpurina, dando relevos dourados e
outros adornos. Por fim, decorava o abajur e dava de presente à
filha. Aquilo lhe tomara tempo e empenho, às vezes até altas horas
da noite, mas era de admirar a perfeição e o cuidado com que mamãe
se entregava à tarefa . E, a meu ver, o melhor dessa perfeição
estava no fato de que, com o passar do tempo, as figuras perdiam
aderência no abajur, se descolavam, caíam, e o objeto tornava-se
feio. Dona Lucilia então se desfazia de tudo: “Acabou-se, não tem
mais beleza, e a perfeição agora consiste em pensar noutra coisa.
Isso fica para o passado. Pensemos no futuro”.
Sempre
o melhor possível
Quer
dizer, desde o mais delicado e mais carinhoso, até o mais firme e
mais decidido, mamãe procurava fazer tudo do melhor modo que lhe
fosse possível . Outro exemplo é a maneira como ela se dispunha a
animar a vida de família. Vivíamos em casa de minha avó, mãe
dela e matriarca dos Ribeiro dos Santos, numa dependência
especialmente reservada para nós. Contudo, em se tratando de uma
casa muito grande, era natural que mamãe se dedicasse a ajudar vovó
nos cuidados domésticos, supervisionando os criados, a manutenção
da despensa, verificando as contas e coisas do gênero.
Além
disso, com o auxílio da Fräulein, ela costurava e fazia certas
peças de roupa para nós, não por se sentir obrigada, mas porque
gostava e desejava, por afeto, que usássemos algo confeccionado por
ela. E com razão: uma coisa é o filho usar uma gravata comprada na
loja, outra é envergar aquela cortada com carinho por sua mãe. E
tudo levado a cabo com tal capricho que pensávamos: “Não era
possível fazer, nesse caso, nada melhor do que ela fez”.
Sejamos
perfeitos como Deus é perfeito
Esse
anelo de perfeição era tão característico de mamãe que eu,
acostumado a pôr-lhe apelidos — sempre respeitosos e
afetuosíssimos —, durante algum tempo a chamei de Lady Perfection,
isto é, Senhora, Madame ou Dona Perfeição . E quando eu me referia
a ela por essas alcunhas carinhosas, ela demonstrava grande
contentamento . Diante do quê, meu pai, homem de muito bom gênio,
olhava para ela e dizia, arremedando o sotaque português:
—
Não te derretas . .
.
Queria
observar, com esse gracejo, que ela por pouco não se desmanchava de
satisfação com os meus agrados. Mamãe lhe respondia com uma
fisionomia séria, eu dizia outras afabilidades para ela, e nesse
trato ameno terminavam nossos encontros.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência em 10/9/1994
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