Continuação do post anterior
Zelando pela honra dos filhos
Por experiência
própria, ela sabia quanto a má saúde física faz sofrer a alma. E para evitar
tais sofrimentos ela queria que fôssemos saudáveis. Mamãe contava, com todos os
pormenores possíveis e como um drama, o perigo de vida pelo qual passei quando
criança; ela ainda vivia aquele drama. Explicava como rezou e, depois de
afastado o risco, como agradeceu.
Dona Lucilia tinha
grande cuidado para que minha irmã e eu — por uma questão de honra em face de
nós mesmos e também de Deus, não dos outros — fôssemos pessoas comme il faut,
quer dizer, como se deve ser. Então, dentes, o asseio em geral, alguma
preocupação de saúde, mas, sobretudo a noção de honra, que é uma idéia
católica, e no tempo dos pais dela, era uma tradição. Por exemplo, na pintura
representando a mãe dela, a idéia de honra da pessoa perante si mesma está
presente, e também, de modo menos saliente, nas pessoas retratadas em outros
quadros de nossa residência.
Há determinadas
regras para que as pessoas se tornem dignas. Naturalmente ela cuidava de alguns
aspectos disso com relação a minha irmã, segundo certo matiz; é a ordem das
coisas. Comigo era de outro modo.
Mamãe acompanhava
muito toda a minha vida, sabia onde e como eu estava, quais eram os meus
horários de refeição, de saída, de chegada, entretanto sem ar de fiscalização,
nem mesmo de vigilância, mas simplesmente com atenção. E atenção extrema,
acompanhando certos pormenores, como, por exemplo, a roupa que eu trajava.
Síntese das tradições da família
Por alguns lados Dona
Lucilia era uma síntese das tradições de sua família; por outros, um renouveau
de uma série de coisas que, ao longo das gerações, foram sofrendo um processo
de modernização e, portanto, se alterando. Em algumas matérias ela comunicava —
para usar uma expressão atual — uma mensagem inteiramente diversa. Em outras
refletia propriamente a tradição.
O essencial da nota
que diferenciava mamãe das outras pessoas era o seguinte: a idéia da verdade
absoluta, do bem absoluto, do eterno, imperecível, era muito mais tênue nos
outros do que nela. De maneira que eles não se opunham, em princípio, a nenhuma
modificação; iam sempre acompanhando numa linha conservadora. Enquanto ela,
sendo o caso, reagia: “Isso não pode ser. Há aqui um princípio, um modo de ser,
uma tradição imutável da qual não abro mão.”
Ela conservava as
tradições católicas com muito mais fé do que seus antepassados. Não quero dizer
que não possuíssem fé, mas não tinham a fé que ela possuía.
O afeto pelo filho vinha em larga medida por ver os lados bons de
sua alma
O afeto dela para
comigo vinha, evidentemente, pelo fato de ser minha mãe, mas, sobretudo, porque
ela via muito bem os aspectos bons da minha alma.
Não se pode dizer que
mamãe me queria “debandadamente”, pois a palavra “debandada” não tem a dignidade
devida. Nela nada era debandado, embora pudesse ser com uma intensidade
inteira.
Na época de mamãe, os
homens eram avaliados muito mais pelo que eram do que pelo que faziam. Assim,
pelo pouco que ela sabia que eu fazia, achava minha vida justificada. Em minha
vida de lutas, algumas coisas ela não via, pois de modo mais consciente ou
menos, tinha também a preocupação de não engrandecer o que era dela. Portanto,
de não me considerar maior do que estava na proporção do universo que ela
conhecia.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 14/3/81
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