No dia de minha
formatura na Faculdade de Direito, ocasião em que os estudantes usavam fraque e cartola para a
cerimônia, lembro-me de um fato que me
impressionou profundamente pela seriedade
de Dona Lucilia. A formatura
realizou-se no prédio da faculdade. As
famílias dos que se formavam compareciam inteiras ao salão nobre, grande e de boa aparência, da própria faculdade, para a realização de tal cerimônia. Todos os docentes com becas, numa atitude muito solene. Eram chamados, um a um,
os vários alunos, e entregava-se o diploma.
Tive eu também que
mandar fazer meu fraque. Entretanto, por não
considerar nada agradável o fato de
experimentar as novas roupas, para
que o alfaiate com alfinetes e giz pudesse tomar as medidas
correspondentes, adiei um tanto a encomenda
do fraque.
Resultou daí que o
alfaiate prometeu aprontar o fraque para o dia
estrito da formatura, e não para os
dias anteriores, como se costuma fazer.
Na manhã do dia da
formatura, o fraque ainda não estava
pronto. Mamãe não me indagou, e também eu
evitei estar próximo dela, pois certamente ficaria
muito apreensiva caso soubesse que o fraque não estava pronto.
Particularmente, a formatura não era o que mais me preocupava, pois já possuía
o título e podia advogar.
Não vem o seu fraque?
Entretanto, não era
desta forma que ela considerava o fato.
Sendo a formatura uma
grande solenidade, elevada, ela entendia que todos deviam
prestigiar e, portanto, também eu tinha
obrigação de estar presente em tal
evento. Dar à formatura uma importância secundária não era uma atitude séria.
Resultado: ela com
certa angústia perguntou-me:
— Mas não vem o seu
fraque, filhão?
— Mamãe, o fraque já
chega. A senhora pode
entrar no automóvel
com minha irmã e meu pai, e seguem
para a Faculdade de Direito. Eu os
alcanço lá.
Notei que
ela não ficou
muito agradada, entretanto não
podia fazer outra coisa. Achou melhor, então, dirigir-se para a faculdade a
fim de arranjar um lugar para
sentar-se, pois ela padecia um incômodo
nos pés, devido a sua idade, que lhe
impedia de permanecer em pé por muito tempo. Então, seguiu.
Por longo tempo
esperei, porém o fraque não chegava. O
que acontecera durante esse tempo, nem sequer cheguei a imaginar. po da volta e das comemorações, ela permaneceu inteiramente normal.
Aparente normalidade
Afinal de contas o
fraque chegou. Eu vesti
depressa, tomei um
automóvel e rumei para a Faculdade de
Direito. Quando lá cheguei — a sala da formatura era um pouco longa —, achei pelo ambiente que a cerimônia estava
terminando. Fui apressadamente até à entrada da sala para ver se ainda chegava a tempo. Quando entrei,
o secretário da faculdade, que lia os
nomes dos alunos, estava no penúltimo
nome. O último
nome seria o meu, pois eles haviam me
chamado, mas como não respondesse, deixaram-me então para o fim.
Afinal, apresentei-me
e ele chamou:
— Plinio Corrêa de
Oliveira.
— Presente! Dona
Lucilia fitou-me, com olhar alegre, enquanto fui até a frente para receber o
diploma. Dirigi-me então até ela para receber seus cumprimentos, como também da
família toda, e saímos. Durante todo o tem-
Pelo amor de Deus, nunca repita isso
Ao chegar em casa,
Mamãe voltou-se a mim dizendo:
— Plinio, precisaria
dizer uma palavra a você em particular. Venha comigo ao meu quarto.
O quarto dela, porém,
era na parte mais interna
da casa, depois
de um corredor.
Era um apartamento
que ela possuía ali.
Eu a segui, e ela
nada me disse, mantendo um ar de
normalidade. Tive o receio de que fosse algum drama de família, ou algo
semelhante. Entrei, ela fechou a porta a
chave, e permaneci intrigado
por desconhecer a razão daquele
ato.
Então, Mamãe
ajoelhou-se diante de mim, atitude que nunca tomara na vida. O contrário é
normal, o filho por uma razão especial
ajoelhar-se diante de sua mãe para receber a bênção dela, por exemplo. Mas uma mãe ajoelhar-se diante do filho, dir-se-ia que não tem propósito.
Então, compreendi
profundamente como ela
tomava a sério
as menores coisas da vida.
Ajoelhada diante de
mim, Dona Lucilia disse o seguinte:
— Pelo amor de Deus,
mas pelo amor de Deus, você tem de prometer que nunca virá a repetir um atraso como este. Seja pontual nas coisas,
e faça tudo
com compenetração.
— Mas mamãe... A
senhora me vê chegar sempre um tanto
impontual e nunca fica apreensiva, até
um ou outro brinca comigo diante da senhora,
a senhora sorri e não se incomoda —
os parentes brincavam muito comigo porque eu vivia atrasado — e nesse
caso a senhora vai tomar a sério? Meu
bem, levante-se — e quis ajudá-la a levantar.
— Não me levanto
enquanto você não me prometer.
— Mas não posso
prometer uma coisa dessas,
pois é uma
mudança completa nos meus
hábitos. Faz parte de meu temperamento deixar que as coisas fluam, sem me
preocupar.
Depois disse
para ela, pois
era uma forma de fazer um amável
gracejo:
— É meu sangue
Ribeiro dos Santos que faz isso.
Ribeiro dos Santos
era a família dela. Então,
dava a entender
que era herdado
da família dela.
Eu disse com respeito e até com
carinho, mas disse. Entretanto, ela me
respondeu:
— Ou você me promete,
ou nunca mais eu quererei obrigar você a
fazê-lo...
— Então,
faremos uma coisa.
Prometo à senhora que em todas as
ocasiões graves e gravíssimas nunca
me atrasarei. Porém depois a senhora me explica a razão pela qual
não devo me atrasar.
— Durante
todo o tempo,
sua irmã e
eu ficamos na
aflição de que
um automóvel houvesse
se chocado com você pelo caminho, deixando-o morto ou esticado numa esquina.
Isso por você ter atrasado a encomenda de um fraque. Está errado, você não deveria agir dessa forma.
Sempre as consequências mais profundas
Eu a acariciei e
prometi que nas ocasiões de grande gravidade jamais me atrasaria.
As circunstâncias ou
a Providência quiseram algo diferente. Eu sofri um desastre de automóvel —
dirse-ia que talvez ela previa esse perigo —, porém tal fato não se deveu
a atraso
nenhum. Lembro-me de ter chegado à hora,
para embarcar no
automóvel, então ele seguiu seu curso; o desastre ocorreu por outras
razões.
Então, eu compreendi
como Mamãe discernia nas coisas suas consequências mais profundas, o mal
que podiam produzir,
e como se
devia evitá-lo.
Plinio Correa de
Oliveira – Extraído de conferência de 1/ 7/ 1995
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