Como vimos, Dona Lucilia procurara formar seus filhos
no hábito de fazer o bem a seus semelhantes, especialmente aos mais próximos. E
mesmo após atingirem a idade madura, não cessava de lembrar-lhes tais
obrigações, sempre que a ocasião se apresentava.
Igreja Santa Efigênia |
Animada por essa caridade, tinha muita preocupação em
confortar os conhecidos, a quem a morte levara um parente ou amigo. Exemplo disso
é o bilhete que, um dia, deixou a Dr. Plinio:
Plinio
Realiza-se hoje às 9 horas em santa Ephygenia a Missa de
sétimo dia do Dr. X. É preciso que vás, pois estimo muito ao seu cunhado Y, e
sendo também co-parente de Dr. Z não pódes deixar de ir, porisso peço-te que
vás.
Outro exemplo do empenho dela no cumprimento dos
deveres familiares transparece num carteio de junho de 1937, durante nova
temporada em Aguas da Prata, para onde ela fora acompanhada de seu esposo. Dr.
Plinio, em missiva a seu pai, justifica-se longamente por não ter podido
encontrar-se com um Corrêa de Oliveira, apesar da insistência de Dr. João Paulo
e de Dona Lucilia de que o fizesse:
São Paulo, 28
- VI - 1937
Papai,
Recebi sua
carta. Infelizmente, o Corrêa de Oliveira partiu para Santos e de lá para o
Rio, muito inopinadamente, no dia de sua partida ou no dia
imediato, se não me engano. Não houve, pois, tempo para ir visitá-lo. Os
argumentos aduzidos pelo Sr. e por Mamãe, a este respeito, são todos
perfeitamente razoáveis, a tal ponto que me considerava na obrigação de ir ao
Esplanada, para cumprimentar o Corrêa de Oliveira, e até tinha pensado em
voltar, caso não o encontrasse. Mas o Sr. vê que não foi possível.
Dr. Plinio segue a missiva tratando de algumas causas de
advocacia que Dr. João Paulo deixara pendentes em São Paulo. Esse motivo acabou
por exigir o regresso deste último mais cedo do que esperava. Para Dª Lucilia
não ficar sozinha, seu filho sugere que Maria Alice, neta dela, então com 9
anos, lhe vá fazer companhia.
Ao terminar a carta, ele faz referência, com uma
pontinha de jocosidade, a uma característica de suas famílias, tanto do lado
materno, quanto do paterno: a arte da boa conversa. Por serem paulistas uns e
pernambucanos outros, desenvolviam essa qualidade de modo bem diverso:
Como vai o
tempo aí? E o Sr.? Está aproveitando o repouso? Está alguém aí, que lhe possa
interessar para conversar, etc.? Aliás, para o Sr., conversa, principalmente
com estranhos, está longe de ser gênero de primeira necessidade, como para
Mamãe, para mim, e para todos os que temos um pouco de sangue de Ribeiro dos
Santos.
Com um saudoso
abraço, pede-lhe a bênção o filho amigo,
Plinio
À medida que os anos passavam e Dª Lucilia ia ficando
mais idosa, seu filho multiplicava a solicitude para com ela. Isto fazia a fim
de tornar menos penosa a solidão daquela que não teve a fraqueza de se adaptar
às inovações da “modernidade” para alcançar cidadania no mundo. Com o objetivo
de distraí-la, não raras vezes convidava à sua mesa alguns dos amigos mais
chegados do “Grupo do Legionário”¹.
Ao escrever a sua mãe, naquele mesmo dia vinte e oito de
junho, da sede do Legionário em cuja redação ficava trabalhando até horas
tardias, Dr. Plinio conta-lhe que recebera duas cartas de um companheiro de
luta o qual tivera a dita de amiúde jantar com Dª Lucilia, ficando
indelevelmente marcado pelo convívio com ela. Além disso, procura uma vez mais tranquilizá-la
com relação ao cumprimento dos compromissos familiares, destacando alguns com
letras maiúsculas. Dª Lucilia muito recomendava a seu filho que prestasse
especial assistência a Dª Rosée, embora ela já fosse casada, pedido ao qual ele
atendeu até o último dia de vida de sua irmã.
São Paulo,
28-VI-1937 Mãezinha querida do meu coração,
Recebi com
muito agrado seu telegrama e sua carta. Confesso que me esqueci de dar à Ana os
recados referentes às janelas, etc.,etc. Se me lembrar, darei. Não posso
prometer de dar ainda que não me lembre! Entrincheiro-me atrás desse sofisma, e
passo a outro assunto.
Recebi duas
cartas do José Gustavo², em dois dias consecutivos. Uma, a primeira que recebi,
era datada de Perugia, se não me engano. A segunda veio de bordo do Neptunia,
navio em que ele seguiu. Veja que desordem. Ambas as cartas eram muito
afetuosas. Uma delas continha particulares referências à Sra. e aos “sossegados
jantares de domingo”, dos quais ele me pede para lhe dizer que não se esquece,
nem a caminho da Europa.
Almocei ontem
com tia Yayá, depois FUI Á CASA DO ZITO³, PARA CUMPRIMENTÁ-LO PELO SEU
ANIVERSÁRIO, percorrendo por isto, a pé, todo o espaço que vai entre a Rua
Augusta e a Brigadeiro Luís Antônio, na Avenida Brasil, porque não conhecia bem
o caminho. Tenho jantado FREQÜENTEMENTE com Rosée, e ela vai hoje em casa.
(...)
Ontem, fomos
jantar na Caverna. Depois, fomos dar umas voltas de automóvel, numa excelente
Packard. Ás onze e meia estacionamos no Trianon, onde tomamos alguma coisa.
Depois, fomos para casa. (...)
É possível que
eu vá passar alguns dias em Santo Amaro, ou em Santos. Mas ainda depende.
Mande-me dizer
detalhadamente como vai sua saúde, o que a Sra. anda fazendo, o que não anda
fazendo, etc.
Maria Alice
deve estar aí no dia dois, caso Papai siga no dia 1º, de sorte que a Senhora só
ficará uma noite só. Antes disto, ela não poderia seguir porque as roupas não
estão prontas, ou qualquer coisa assim.
Tenho a
impressão de que Maria Alice está muito só. E não é só ela... Com muitos e
afetuosíssimos beijos, pede-lhe a bênção o seu filho querido,
Plinio
“Tenha muito cuidado com sua saúde”
Ao saber alguns dias depois que Dª Lucilia fora
acometida por um achaque, Dr. Plinio, embora tomado de ocupações, escreve nova
missiva a sua mãe:
Mãezinha de
meu coração Rapidamente, à meia noite e quarenta, escrevo-lhe uma palavrinha,
para lhe dizer quanto sinto que a Sra. tenha adoecido aí, e quanto desejo seu
pronto restabelecimento. Neste sentido, agora mesmo, acabo de rezar a Na. Sa.,
pedindo que tudo por aí lhe corra do modo mais suave possível.
Por aqui, nada
de novo. No dia de anos de Tia Zili, ela me convidou, e a Rosée para almoçarmos
em sua companhia na Caverna. (...)
Jantei em casa
de Rosée, e, depois de um dia passado inteirinho na Rua, recolho-me exausto,
fazendo esforço para lhe poder escrever.
Espero que o
róseo portador desta carta lhe vá aliviar um pouco as saudades. “Um pouco”,
porque tenho a ilusão pretensiosa de ser insubstituível. E, apesar de
pretensiosa, creio que essa ilusão não está muito distante da realidade. (...)
Ontem, a Vasp
convidou-me, como Diretor do Legionário, a fazer uma viagem de avião ao Rio
hoje, ida e volta, gratuita. Era uma viagem dedicada a todos os jornalistas.
Recusei, e indiquei um representante. E, por isto, mereço uma especialíssima
aprovação de minha Mãezinha. Agora à noite, estive com o tal rapaz. Imagine que
ele partiu às 8, chegou às 9 e meia, voltou parece-me que às 2 e meia, e chegou
às 4. Portanto, foi almoçar no Rio e voltou. No tempo em que Vovô Gabriel fazia
essa viagem em costa de burro, imagine o pasmo dele se imaginasse que seu
bisneto poderia ir e vir do Rio em um mesmo dia!
Bem, minha
Mãezinha querida, melhore muito, aproveite muito, reze muito por mim, e tenha
muito cuidado com sua saúde.
Pede-lhe a
bênção com muito afeto o filho respeitoso, que lhe envia mil beijos.
Plinio
(Nota, a
assinatura vai à maquina, porque é mais fácil. Dado ser a portadora quem é,
penso que a Sra. não duvidará da autenticidade...)
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”,
de Mons. João S. Clá Dias)
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