O
“jeitinho”, característico do povo brasileiro, era também uma qualidade de Dona
Lucilia. Lembrando um episódio da vida familiar, Plinio Correa de Oliveira comenta a arte de
solucionar situações delicadas com serenidade e grandeza.
O
que vem a ser o “jeitinho”? O que faz aí o diminutivo, necessário e
indispensável, para que a palavra “jeito” tenha o seu verdadeiro valor?
Pode-se
falar que uma pessoa, uma resposta, uma saída são jeitosas; e o mesmo a
respeito da defesa de alguma pessoa a quem se quer bem, ou da acusação a quem
se julga dever denunciar. Que significa “jeito”, nesses casos? É uma qualidade
de uma pessoa que, devendo praticar algo e se deparando com dificuldades,
encontra surpreendentemente uma solução para resolvê-las.
O
que é o “jeitinho”?
O
“jeitinho” é uma solução inesperada de uma situação que, aparentemente, não tem
saída. Ele exige muita finura de visão para perceber que existe solução e,
depois de descobri-la, executá-la de tal maneira que a dificuldade fique
inteiramente resolvida sem encrenca.
Deve
ter êxito e chamar pouca atenção, do contrário não é “jeitinho”. Às vezes, não
é necessário falar; com um movimento de dedos, um golpe de olhar, um sorriso,
ou um cumprimento, atinge-se o objetivo. Por isso ele é “jeitinho”: rápido,
pequenino e triunfante.
Toda
a riqueza desta arte consiste em perceber, com grande gênio, pequeníssimos
problemas, na realidade importantes, e soluções menores ainda do que os
problemas. Soluções que exigiriam quase um microscópio para serem descobertas,
mas que a pessoa percebe, arranja e vai para frente.
Os
“jeitinhos” de Dona Lucilia
Analisando
mamãe, eu via que ela era muito jeitosa, sobretudo num ponto: consolar as
pessoas que estavam sofrendo física ou moralmente; a esse respeito não havia
ninguém igual à Dona Lucilia.
Recentemente,
um sobrinho dela — portanto, meu primo-irmão — contou um fato que estava nas
brumas da minha memória, do qual me lembrava confusamente.
Minha
avó, dona da casa onde morávamos, era uma senhora já velha, mas muito bonita e
imponente. Com o olhar ela dominava as pessoas. Durante as refeições — como é
natural, sendo ela a matriarca —, ficava sentada junto à cabeceira da mesa.
Um
filho dela, que viajara com a esposa para o Rio de Janeiro, deixou hospedados
na casa de vovó dois filhos e uma filha, ainda meninos, o que ela aceitou como
a coisa mais natural do mundo, e o era de fato. Mandou instalar as crianças,
colocando os meninos num quarto e a menina em outro.
O
mais velho tinha ganhado, recentemente, uma bicicleta, que ele levou para a
casa de sua avó, onde iria passar alguns dias, pois queria dar alguns giros com
o veículo.
Situação
difícil
Certa
manhã, esse meu primo havia saído de bicicleta e, na hora do almoço, não estava
presente, ou porque gostara do passeio e não quis voltar, ou se esquecera da
refeição.
O
almoço começou e, em certo momento, minha avó disse:
—
Por que Fulano não está presente?
Somente
neste instante, dei-me conta de que ele não estava; fiquei quieto.
Ela,
então, perguntou a mamãe:
—
Lucilia, Fulano não está?
—
A senhora está vendo, ele não se encontra.
—
Quando ele chegar, verá o que lhe custará isso.
Algum
tempo depois, o menino apareceu e minha avó disse-lhe antes de ele sentar-se:
—
Onde é que você andou?
— Eu fui dar um passeio de bicicleta.
—
Mas você foi onde com essa bicicleta?
—
Estive em tais e tais ruas — ele em pé esperando licença para sentar-se.
—
Mas você se dá conta de que está em casa de sua avó, lugar de sumo respeito, e
não tem o direito de chegar atrasado?
Ele
ficou esmagado porque não supunha essa censura. E disse:
—
A senhora me desculpe.
—
Não, senhor, não se trata de desculpa. Esse assunto não terminou; depois do
almoço verá o que é punição. Agora se sente e coma depressa sem conversar, para
não atrasar o serviço da mesa.
O
resultado foi que o menino — que tinha então uns doze anos — retirou-se da
sala, chorando. Isso produziu nas pessoas certo movimento, muito brasileiro, de
compaixão. Mas a dona da casa estava vigiando os olhos e os olhares; todos
ficaram quietos.
A
saída encontrada por Dona Lucilia
Olhei
para mamãe: ela permanecia inteiramente tranquila, conforme seu modo de ser. O
normal seria que estivesse com muita pena do menino, o qual era seu sobrinho,
mas ela ficou em silêncio.
Tomou
um ar o mais neutro possível e, quando a conversa tinha mudado de tema, ela
disse:
—
Com licença, preciso sair um pouco para ver uma coisa.
Levantou-se
e percebi que mamãe fora para o corredor, situado ao lado da sala de jantar, a
fim de consolar o rapazinho que chorava debandadamente, explicando-lhe entre
outras coisas:
—
Sua avó é assim mesmo, você não se incomode. Ela é uma senhora muito boa.
Realmente,
vovó era, por exemplo, muito esmoler e tinha grande pena dos pobres. Porém,
seus netos não estavam na lista dos pobres...
Diga-se
entre parênteses que às vezes minha irmã e eu enfrentávamos discussões
tempestuosas com ela. Conosco as coisas não se passavam assim, mas à maneira de
duelo.
O
menino, então, parou de chorar, entrou com mamãe na sala de jantar, sentou-se e
começou a comer ativamente, em silêncio; possuía um apetite de leão. Minha avó
tinha-se acalmado e o ambiente da sala se recompôs; o “jeitinho” de Dona
Lucilia havia resolvido o caso.
Esse
menino, hoje homem feito, há pouco tempo atrás, conversando com alguém que se interessava
pela vida de mamãe, narrou esse fato e acrescentou o seguinte: “Tia Lucilia era
uma santa! O calor de um afeto assim eu nunca mais senti na minha vida, e até
hoje me lembro disso.”
Nesse
caso, no que consistiu o “jeitinho”?
Em
compreender que não adiantava dizer qualquer coisa à vovó, nem consolar o
menino naquela ocasião, porque minha avó não permitiria. Ele estava sendo
castigado e não podia ter consolo.
O
que fez mamãe? Conservou-se numa neutralidade tranquila que irradiava
tranquilidade em torno de si.
Então,
primeira característica do “jeitinho” foi ter essa tranquilidade e saber
espargi-la no momento certo. Segunda, o haver percebido qual era o instante em
que ela podia sair para atender o sobrinho. Logo que chegou esse momento, ela
levantou-se muito calma e tranquila, dizendo “Eu preciso ver uma coisa lá
dentro”; isso não era mentira, pois ela tinha que ver esse menino, e todos os
presentes tomaram suas palavras com naturalidade. Julgo não terem eles nem se
lembrado de que mamãe ia atender seu sobrinho.
Outra
característica: de um modo rápido tranquilizou o menino, para não ficar muito
tempo fora da sala e não causar à minha avó a desconfiança de que ela estava
consolandoo. Depois, regressou com o sobrinho e o pôs junto à mesa, tendo
prestado atenção no assunto da conversa para evitar que a prosa voltasse a se
referir ao menino. Assim, o almoço continuou normalmente.
Assim
era mamãe: com “jeitinho”, resolvia uma série de situações difíceis.
Plinio Correa de Oliveira -
Extraído de conferência de 19/10/1994
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