Desde a mais tenra infância, Dr. Plinio
foi dotado de um lúcido e invulgar discernimento dos espíritos — um dom do
Espírito Santo — que, logo aos primeiros lampejos da razão, aplicou sobre sua
própria mãe. Por esse meio pôde bem conhecer as elevadas qualidades com que a
Providência havia adornado a alma dela. Os fatos concretos vieram, depois,
comprovar a autenticidade do que ele discernira.
Ao sair de casa certo dia para seu
escritório de advocacia, foi ele, como de costume, acompanhado por sua mãe até
a porta do elevador. Depois de se despedirem, ela se dirigiu ao living,
pensando já em lhe preparar um bom jantar. Para a elaboração do menu, não
encontrou melhor interlocutor do que seu esposo.
Não suspeitava, porém, que seu filho
teria ocasião de presenciar, com verdadeiro encanto, a curiosa cena que então
se passou. Sem tê-la visto, jamais ele a conseguiria imaginar. Precisando
retornar para apanhar um papel que havia esquecido, entrou ele silenciosamente
no apartamento a fim de não incomodar seus pais. Ao passar perto do living,
ouviu através da porta entreaberta a voz de Dª Lucilia:
— João Paulo, estive pensando em
preparar tal prato assim para o Plinio. Você acha que estaria bem?
— Sim, está muito bom...
— Mas, você acha que Plinio teria
vontade de comer mesmo tal prato e não tal outro?
Sentado comodamente numa poltrona, Dr.
João Paulo respondeu:
— Certamente! Está com vontade de comer
isso, sim!
Dona Lucilia, não inteiramente
convencida, com sua natural afabilidade insistiu:
— Mas, João Paulo, não sei se isso será
o melhor. Não preferirá ele outro prato?
Já um pouco perplexo, pois não via
razão para tantos cuidados, ele respondeu:
— Bem se vê que mãe não é pai. Se
dependesse de mim, eu diria a ele: “Rapaz, o que há para jantar é isto, aquilo
e aquilo outro. Se não é o que você quer, vá a um restaurante”.
Ora, se havia algo que Dª Lucilia não
desejava era renunciar ao convívio com seu filho durante a refeição. Assim,
limitou-se a manifestar serenamente sua inconformidade com aquela resposta:
— Não, não!...
Enlevado com mais essa prova de
solicitude materna, Dr. Plinio saiu de casa sem ser notado e, pela rua, ia
pensando consigo mesmo: “Um pai, ainda que muito bom, não é capaz desta forma
de carinho. É só do coração de uma extremosa mãe — com as delicadezas, as
intuições finas e o desejo de agradar — que surgiriam essas perguntas. E por
isso é tão saboroso o menu de casa...”
Apreciada por suas artes culinárias
O constante “querer-se bem” norteava
até os menores atos dessa inigualável mãe, inclusive sua culinária.
Procurava ela — ao elaborar os menus —
que os manjares fossem “temperados” muito mais com afeto e bondade do que,
propriamente, com simples condimentos naturais. Supérfluo é dizer o quanto esta
“receita” agradava a Dr. Plinio, sempre bom gastrônomo e ainda melhor filho.
Os que se aproximavam de Dª Lucilia
podiam, assim, não apenas experimentar sua benevolência, mas também apreciar as
iguarias executadas segundo suas instruções. Foi o caso, por exemplo, do esposo
de Dª Zili, o Sr. Nestor. Este, anos após o falecimento de sua cunhada, ainda
se comprazia em recordar os jantares por ela oferecidos aos domingos.
Dizia não conhecer quem fosse capaz de
orientar a preparação de tão bons pratos como Dª Lucilia, especialmente os
apetitosos doces caseiros, entre os quais ocupava lugar de destaque o bolo de
aniversário de Dr. Plinio, o único que ela fazia pessoalmente, pondo nisso
particular esmero.
Com efeito, Dª Lucilia, mesmo quando em
avançada idade já não podia locomover-se a não ser em cadeira de rodas, ainda
se empenhava em preparar esse bolo — um excelente pavê de chocolate,
artisticamente enfeitado — no aniversário de seu filho. O cuidado dela era tal,
que o desenhava antes em todos os seus detalhes, imaginando as dimensões, o
colorido, os enfeites, e depois seguia minuciosamente o plano...
(Transcrito, com adaptações, da obra
“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
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