O oceano de benquerença de Dª Lucilia por seu
catolicíssimo filho tinha suas mais profundas raízes firmadas na Fé. Era por
ver em sua mãe um amor tão desinteressado e sublime à Igreja Católica que,
instantes após a morte dela, Dr. Plinio, na câmara mortuária, fez esta
impressionante afirmação:
“Eu a admirava muito mais por ela ser
como era e pela virtude que nela discernia, do que por ser minha mãe. De tal
modo que, se ela fosse mãe de outrem, e não minha, eu faria de tudo para ir morar junto a
ela.”
Tais disposições de alma de Dr. Plinio,
para as quais tanto contribuiu a formação dada por sua mãe, levaram-no, na
longínqua década de 40, a fazer no Legionário a magnífica descrição de uma mãe
católica. A cada passo desse artigo julgamos ver a figura nobre e serena de Dª
Lucilia. Curiosamente, nessas comoventes linhas, nas quais transparece a
admiração por insignes virtudes, refere-se Dr. Plinio à mãe de um outro...
A dama de cabeleira branca
Eu tinha diante de mim uma figura
genuína de grande dama cristã. Em todo o seu ser, o tempo deixara a marca
indefinível de fundas dores, sofridas com grande nobreza, com imensa suavidade
de alma. Olhos calmos, belos e tristonhos, penetrantes mas doces, inteligentes
mas serenos. O porte, o jeito, o traje tinha a elegância singela, nobre e
despreocupada que a verdadeira educação comunica ao vestuário humano. O timbre
de voz afável, reservado, cheio de matizes, revelava um coração a um tempo
forte e delicado.
Pela janela entrava a jorros a
claridade, que iluminava em certos momentos a cabeleira branca.
Um reflexo prateado, confundindo-se com
a suavidade do olhar, se difundia então por sua fisionomia. Toda a luz faz
pensar em felicidade. A luz destes cabelos brancos fazia pensar na felicidade
extra-terrena. Era a grandeza da ancianidade cristã, santificada pelo mérito da
maternidade, glorificada pela auréola discreta que os sofrimentos padecidos em
união com Cristo deixam em toda alma e em todo semblante justo. Muita
dignidade, certa majestade diríamos mesmo. Não a majestade árdua, esforçada e
duvidosa do dinheiro, mas a majestade única e suprema que decorre da dignidade
de mãe, sentida e vivida até as últimas fibras de um coração nascido de nobre
estirpe.
Preciso dizer que a contemplação do que
essa dama sofria, de quanto ela sofria, de como ela sofria, edificou-me,
enlevou-me, encheu-me de veneração? Nunca vi mãe que oferecesse seu filho [a
Deus] com espírito mais sobrenatural, embora com tão sentida dor. Fora, a
grande metrópole vivia, suava e muitos pecavam. De mim para mim, pensei no
valor expiatório deste sereno sacrifício. Os instantes que passei naquele
apartamento foram inesquecíveis para mim.
Quantas vezes pensei depois disto,
nesta genuína e grande dama cristã. E que especial inflexão de alegria teve o meu
“Magnificat”, quando me lembrei do júbilo que naquele momento lhe deveria
inundar o coração.
Perdoe-me ela se levantei
indiscretamente o véu de seu recolhimento2.
De uma mesma ogiva, dois arcos que se completam
Tal como a dama cristã descrita por Dr.
Plinio, Dª Lucilia, antes mesmo de seus filhos nascerem, generosamente os
consagrara a Deus. Talvez tenha renovado seu oferecimento ao apresentá-los à
fonte batismal, a fim de introduzi-los no seio da Igreja. Depois os levara a
dar os primeiros passos nos caminhos da Fé e lhes ensinara a pronunciar, antes
de qualquer outra palavra, os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria. Com seu
exemplo, incentivara-os a praticar as virtudes que ela mesma lhes fizera
conhecer através de narrações da História Sagrada.
Tendo Dr. Plinio, ao entrar para o
Colégio São Luís, de enfrentar pela primeira vez o rijo embate da vida, Dª
Lucilia o sustentara na fidelidade. A firmeza dela lhe servira de estandarte no
decurso de incontáveis pugnas na Faculdade de Direito.
Já no Movimento Católico, Dr. Plinio
fora penetrando ainda mais a fundo no conhecimento da doutrina e da História da
Igreja. Chegara então para ele a vez de tomar respeitosamente pela mão a sua
mãe e comunicar-lhe muito do que ele ia aprendendo de maravilhoso na Santa
Igreja. Assim, um e outro, cada qual a seu turno, foram-se impregnando a fundo
do espírito católico.
Essa catolicidade se refletia
naturalmente na vida de oração de ambos, marcando de forma notável aquele
recolhido e elevado ambiente do apartamento da Rua Alagoas. As preces do
indômito batalhador, principal arma de todas as pugnas que travava, apoiadas
pelas serenas mas intensas súplicas de sua mãe, subiam ao trono do Altíssimo a
implorar graças especiais pela causa da Santa Igreja.
Nesses atos de piedade, enquanto Dª
Lucilia se inclinava mais aos acordes da misericórdia, Dr. Plinio fixava suas
intenções nas lides apostólicas. Esse convívio, ungido pelo silencioso fervor
da mãe e do filho, constituía assim uma harmoniosa ogiva, em que um braço
completava e apoiava o outro.
Transcrito, com adaptações, da obra
“Dona Lucilia”, de Mons.João S. Clá Dias
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