Pequenas discrepâncias sobre decoração
Até o avant- guerre, o progresso da cultura, o gosto do ornato, o
requinte alcançado nos mais variados aspectos da existência, davam à vida uma
elevação e um atrativo que os avanços técnicos e materiais da humanidade, nos
períodos seguintes, não puderam substituir nem superar.
Tendo Dª Lucilia assimilado o que havia
de bom nos usos e costumes daqueles remotos tempos, conservou-os durante toda a
vida. Ao considerar, por exemplo, qual deveria ser a decoração ideal de sua
própria casa, seguia os critérios de bom gosto dos idos anos de sua mocidade.
Por isso, embora seu apartamento estivesse tão apropriado a seu modo de ser, em
alguns detalhes ela certamente o teria ordenado de modo um pouco diverso.
Dr. Plinio, sempre desejoso de conhecer
as preferências de sua mãe para melhor discernir e amar sua bela alma, estando
certo dia a conversar com ela no “Salão Azul”, amenamente perguntou:
— Mamãe, tomando em consideração o
gosto de seu tempo, a senhora não estranha nada nesta sala?
— Sim, estranho!
— Mas, o que estranha a senhora?
— Filhão, este arco (que abre o “Salão
Azul” para a “Saleta Cor-deRosa”), ficaria mais bonito se tivesse, pendentes de
cada lado, uns lindos tecidos antigos, franzidos, à maneira de cortinas.
Para o modo de ver de Dª Lucilia, não
era compreensível que aquele arco estivesse desprovido de algum elemento
decorativo. As cortinas, além de criar uma divisão psicológica entre as duas
salas, dariam mais aconchego ao ambiente e quebrariam a frieza do arco.
Seu filho então afetuosamente lhe
disse:
— Meu bem, a senhora não nota que isto
tornaria muito fechadinha esta sala?
De fato, Dª Rosée e Dr. Plinio, cujo
modo de ser era mais inclinado a ressaltar as grandes perspectivas visuais,
haviam preferido sacrificar o imaginado adorno a fim de dar maior amplitude ao
salão. Porém, não era assim que Dª Lucilia via o assunto. Suavemente, mas com
determinação, ela concluiu:
— De qualquer maneira é uma coisa que
não se poderia dispensar!...
Se de um lado Dª Lucilia mostrava essa
preferência pelo ornato, por outro sabia encontrar o equilíbrio no gosto pela
simplicidade. Viajando pela Europa, Dr. Plinio decidiu comprar uma bela gravura
que representa a Duquesa de Nemours. Ao retornar, mandou colocá-la no “Salão
Azul”. Para Dª Lucilia, porém, esse quadro, apesar de muito bonito, não fazia
falta, pois ali mesmo já havia um fino busto de mármore. Quando apareceu uma
oportunidade, durante uma de suas tão apreciadas prosinhas, externou
serenamente a Dr. Plinio o seu modo de pensar. Ele respondeu:
— Meu bem, indispensável o quadro não
é, mas melhora o arranjo da sala.
— Mas, para quê? Nós vivemos tão bem
sem ele...
Manifestando assim, de modo suave, sua
opinião, insinuava discretamente sua perplexidade. No entanto, deixava Dr.
Plinio à vontade para tudo dispor como achasse mais conveniente. Em todo o
caso, por sua grande consonância de alma com seu filho, ainda que não
compreendesse as razões de algumas atitudes dele, considerava-as sempre boas.
Como de costume, ela estava pronta a renunciar às suas próprias preferências em
favor das alheias.
Equilíbrio entre a placidez e a presteza
A facilidade com que Dª Lucilia se
adaptava à vontade dos outros tinha como causa sua grandeza de alma. Nada havia
que lhe pudesse abalar o ordenado equilíbrio interior.
Aqueles que mais proximamente
conviveram com Dª Lucilia nunca a viram ter um só movimento de impaciência, por
menor que fosse. Se a vida lhe trazia algum grave revés, como foi o caso do
incêndio de um de seus imóveis, ou da doença que a atingira com dores agudas, a
confiança na Providência lhe dava o consolo para manter a paz interior sem se
afligir com o futuro. E, até no governo da casa, jamais permitia que os
diminutos — mas não raro absorventes — problemas domésticos lhe turbassem o
espírito, mantendo-se sempre calma como a superfície cristalina de um lago de
montanha.
Seu filho, que a acompanhou de perto
até o fim de seus dias, pôde afirmar sem receio: “Em 60 anos de convívio com mamãe,
nunca a vi ter um capricho”.
Quanta renúncia de si mesma, quanto
domínio da vontade não lhe foi necessário, durante sua longa existência, para
que alguém pudesse fazer dela esse comentário tão simples, mas testemunho de
tão grande equilíbrio de alma!
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