Do trato ameno e acolhedor para com os
outros, ao zeloso cuidado com sua própria saúde, Dona Lucilia procurou sempre
manter o mesmo estado de espírito, nascido da prática da virtude, da convicção
de seus princípios católicos e de um firme equilíbrio emocional, conforme no-la
descreve Dr. Plinio.
Em mamãe, a par da sua invariável
afabilidade e acolhimento para com os que dela quisessem se aproximar, seria
preciso considerar também o aspecto de senhora de categoria que, sem se situar
num patamar inacessível, sabia entretanto impor respeito.
Equílibrio em todas as coisas
Por exemplo, diante dela, não vinha a
vontade de lhe dirigir uma brincadeira ou dito irreverente, menos ainda de
desacatá-la. Se alguém se aventurasse a isso, ela, com suavidade, colocaria a
pessoa no seu devido lugar, fazendo-a compreender como tivera uma atitude
despropositada. A pessoa reconheceria e pediria desculpas, sem nenhum
ressentimento da parte de mamãe. Ela nunca revidaria de modo rude: “Mas,
afinal, eu proibi que agisse assim comigo!”. Não. Com mansidão e bondade,
deixaria o outro constrangido pelo que fez de errado, mas sem afligi-lo nem
magoá-lo com uma repreensão excessiva.
Era o modo de ser dela, equilibrado em
tudo, fosse no relacionamento com as pessoas, fosse no cuidado consigo mesma.
Aliás, de saúde frágil, mamãe sempre se cuidou judiciosamente, até o fim da
vida. Sem nada de desgrenhado, dilacerante nem de tristeza do estado de
enfermidade, mas com o equilíbrio do doente que se trata e se resigna.
A vida inteira num estado de espírito
Esses diversos aspectos se mostravam
nela, cada um a seu modo, ocupando na sua alma o relevo que deviam ocupar e
formando, portanto, uma harmonia emocional que importava numa harmonia
relacional. Ou seja, mamãe convivia harmonicamente com as pessoas, porque seu
estado emocional estava ordenado.
A questão é: como pode esse estado
emocional perdurar tanto num espírito, se não for em virtude de princípios que
são a justificação lógica desse estado emocional? Pois a emoção, de si, é algo
volátil.
Convite a ter seus mesmos princípios
Então, como pode uma senhora, como
mamãe, adquirir a estabilidade?
É só por meio de princípios, talvez
vividos subconscientemente e entrevistos conscientemente, de maneira tal que se
diria ter o princípio nascido com o estado emocional. Este nutriu-se com
aquele, e se desenvolveu mais do que o princípio puramente teórico.
Creio que mamãe, se nos ouvisse agora,
ficaria pasma de saber que de uma simples dona de casa se pode fazer uma
extensa digressão como essa. E se soubesse que me refiro a ela mesma,
certamente tocaria na minha mão com seus dedos suaves, como costumava fazer,
dizendo-me: “Meu filho, meu filho, não tanto...”
Seja como for, ela tinha esses
princípios, e tinha como missão própria de mãe convidar os filhos a tê-los
também. A mim, na condição de filho, cabia receber esse legado, hauri-lo,
amá-lo o quanto possível, e partir para duas coisas: a explicitação desses
princípios em doutrina, e a sua aplicação prática na minha vida.
Quer dizer, como mãe e dona de casa, ela
não fez outra coisa senão educar. Explicitar e agir era meu dever e meu papel,
não o de Dona Lucilia. Para ela, apenas a existência dentro da vida de família.
Como, aliás, ela entendia ser o resto da existência urbana de São Paulo ou de
qualquer cidade: é um conglomerado de famílias onde todos vivem, sobretudo, no
âmbito doméstico, e somente por acaso passam algum tempo nas ruas. Esta era a
concepção — vejo bem que idealizada, catolicamente idealizada, e não muito
objetiva — das coisas.
“Ela criou um ambiente”
Eu até ousaria dizer que mamãe, à
maneira da Igreja Católica que explicita suas doutrinas e estabelece seus
dogmas em face das heresias, chegava a explicitar seus princípios quando
contestados de alguma forma. Do contrário, ela não agia senão como uma senhora
do lar, educando e criando um ambiente na família dela. Porque isto é fato: o
ambiente ela criou, e a influência, a presença e o perfume de sua pessoa ainda
perduram na casa que hoje é minha. Quem a visita, poderá perceber que mamãe ali
está presente, a todo momento.
A mim, pois, coube receber a predileção
e a solicitude maternas com as quais me formou, e essa herança da explicitação
e da ação. Por isso, em grande parte das doutrinas e pensamentos que
desenvolvo, em muito das ações que empreendo, poder-se-á notar algo dessa
inestimável influência que recebi de mamãe.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído
de conferência em 21/4/1977
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