O
feitio do amor materno de Dª Lucilia dava a impressão de que sua alma esperava
ter mil filhos, e isto constituía a grande incógnita de sua vida.
A
Providência lhe infundira no coração uma enorme capacidade de afeto, bondade e
proteção, que parecia fadada a morrer sem ter podido exercer-se inteiramente. O
plano de Deus em relação a ela lhe parecia inexplicável, e foi uma das
tristezas de sua vida: aquele amor maternal, que pudera dedicar, é verdade, a
dois filhos, mas que em grande parte ficara guardado no escrínio de sua alma,
sem condições de ser aplicado.
Várias vezes analisei mamãe — comentaria mais tarde Dr. Plinio — e, não podendo imaginar o que depois
sucedeu, olhava para ela e pensava: “Há algo de axiológico na vida dela que
parece não estar bem acertado. Ela possui uma enorme ternura; foi afetuosíssima
como filha, afetuosíssima como irmã, afetuosíssima como esposa, afetuosíssima
como mãe, como avó, e mesmo como bisavó. Ela levou seu afeto até onde lhe foi
possível.
“Mas, eu tenho a impressão de que
alguma coisa nela dá a nota tônica de todos esses afetos: é o fato de ela ser,
sobretudo, mãe! Ela possui um amor transbordante não só para com os dois filhos
que teve, como também para com filhos que ela não teve. Dir-se-ia feita para
ter milhares de filhos, e seu coração palpita do desejo de conhecê-los.
Entretanto, esses filhos não vieram, nem poderiam vir nesse número exorbitante.
O que quis a Providência com isso?”
Via-se que mamãe esperava uma certa
coisa da vida. Não na ordem do prazer, nem do realce, nem de algo semelhante.
Ela esperava uma certa reciprocidade de mentalidade, uma certa afinidade de
pensamento, de temperamento, de modo de ser. Ela era ávida de abarcar um largo
afeto, uma imensa consonância com um número enorme de pessoas. E chegou ao
último extremo de sua longa ancianidade nessa serena expectativa, calma, um
tanto tristonha, mas de uma tristeza luminosa, nobre, sem agitações ou
angústias, e com um fundo de certeza de que isso um dia viria...
Transcrito, com adaptações da obra
“Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias
Nenhum comentário:
Postar um comentário