Até
onde lhe chegaram as forças, Dª Lucilia exerceu na perfeição as funções sociais
de dona-de-casa. Pudemos observar isso de modo especial quando ela fazia suas
orações vespertinas. Aquela sua preocupação, quando notava ter sido o telefone
atendido por vozes não familiares, em saber de sua empregada quem estaria
esperando seu filho, repetia-se incansavelmente.
—
Mirene! Quem está aí? — perguntava, já inteiramente disposta a receber o
inesperado visitante.
Um
belo fato relacionado com esse seu exímio modo de ser, foi presenciado por
certo jovem, que até hoje dá testemunho a esse respeito, e é prova da elevada
virtude dessa insigne dama paulista:
“Dona
Lucilia me fez entrar na sala de jantar, assim que terminou a piedosa recitação
do Rosário, e depois de dar-me as explicações costumeiras do porquê da demora
de Dr. Plinio em me atender, fez-me sentar para tomar o chá da tarde em sua
companhia.”
Quase
três horas de conversa se passaram como se fossem minutos. Vinte e sete anos
depois, esse jovem ainda se lembrava com emoção da extrema gentileza e do afeto
envolvente de Dª Lucilia para com ele na ocasião: “O tempo inteiro ela procurou
me entreter, discorrendo sobre os temas que mais me agradavam, sempre num clima
de serenidade e benquerença. Recordo-me ter saído tão alegre e feliz daquela
conversa que me parecia ter estado mais com um anjo do que propriamente com uma
criatura humana. Recebi uma tal comunicação de bem-estar, que cheguei a pensar
ser Dª Lucilia uma senhora que nunca sofrera o menor incômodo na vida, pois em
nenhum momento deixou transparecer uma só fímbria de enfado ou de cansaço,
disposta a fazer bem à minha alma, até os limites permitidos pelo relógio”.
E
continuava sua narração, descrevendo os jogos de fisionomia de Dª Lucilia, os
pequenos e elegantes gestos, a voz, o olhar, as mãos.
Naquele
mesmo dia, após essa conversa, Dr. Plinio o chamou a seu escritório a fim de
providenciar uma ligação telefônica para o médico de Dª Lucilia. Eram 21h 30min
de um sábado.
O
jovem ficou abismado ao ouvir Dr. Plinio dizer ao médico que Dª Lucilia passara
o dia todo muito indisposta, e com tal mal-estar que isto certamente a impediria
de conciliar o sono. Após relatar ao clínico todos os sintomas, em pormenor,
Dr. Plinio pediu a seu auxiliar que anotasse o nome da injeção receitada. Tendo
o referido jovem um certo conhecimento do remédio em questão, deu-se conta de
qual deveria ser o real estado físico de Dª Lucilia, que com tanta normalidade
o entretivera por tão longo tempo.
“Em
Dª Lucilia — recorda ele — a bondade era uma segunda natureza. Tornava-se ainda
mais patente para mim, por este fato, que ela passara a vida fazendo bem aos
outros.”
Não
havendo quem fosse comprar a injeção, o mesmo jovem se ofereceu para fazê-lo.
Depois, devido à ausência do enfermeiro de plantão, foi ele próprio convidado
por Dr. Plinio a aplicá-la em Dª Lucilia, uma vez que tinha prática nisso.
Ocorreu então outro episódio que marcou a história desse feliz jovem. Ao ser
introduzido no quarto de Dª Lucilia, tomou-se de encanto e de emoção ao vê-la
tão dignamente recostada no leito.
—
Dona Lucilia, estou aqui para lhe aplicar uma injeção receitada por seu médico
— disse ao cumprimentá-la.
Segundo
narra essa testemunha, “era extraordinária a instintiva preocupação de Dª
Lucilia com os outros, ainda que estivesse se sentindo indisposta, como naquela
circunstância. Além do momentâneo distúrbio pelo qual passava, ela estava a bem
poucos meses da morte e, não obstante, sua atenção se voltava para os demais.
“Naquele
ambiente de compostura e recato, à luz de um abat-jour, sua primeira atitude
foi olhar-me atentamente e dizer:
“—
Ora, mas justamente nesta noite de sábado, eu estou dando esta amolação ao
senhor! Perdão por estar atrapalhando seu programa.
“Sem
demonstrar o menor desagrado ao lhe ser aplicada a injeção, que provocou certa
dor, Dª Lucilia disse logo a seguir:
“—
Entristeceu-me muito ter causado esse transtorno ao programa do senhor.
“—
Em nada, Dª Lucilia. Pelo contrário, eu é que me entristeço por vê-la sofrer
com essa injeção.
“—
Ora essa. Então eu lhe agradeço muito — concluiu Dª Lucilia, com sua insuperável
doçura de trato...”
Transcrito,
com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias
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