Continuação do post anterior
Quem
teve a felicidade de frequentar aquele apartamento, convivendo com Dª Lucilia
nos últimos meses de sua existência terrena, bem pôde avaliar o alto grau de
consideração, gentileza e estima inerentes a seu nobre trato, mesmo em suas
mais simples expressões. De índole respeitosa e afetiva, era ela mestra na
difícil arte de se dirigir aos outros com afável dignidade, de modo a deixá-los
sempre à vontade.
Por
um muito apreciável dom de causerie, que ela herdara e requintara, ao qual se
acrescia um suave savoir-faire1, se tornava muito agradável àqueles que a
ouviam. Entretanto, por trás destas excelentes qualidades estava uma virtude
mais alta: a disposição de ouvir, com incansável paciência, tudo o que os
outros lhe quisessem expor, procurando sempre os lados bons dos fatos narrados
e, mais especialmente, os de seus interlocutores.
Por
um sobrenatural senso de compaixão, causava-lhe profundo sofrimento ver alguém
entristecido ou magoado, ainda que se tratasse de um desconhecido. E era
admirável o esmero com que logo procurava aplicar o lenitivo da palavra justa, da
fórmula adequada, do bom conselho para a difícil situação, do afago para a dor,
da esmola para a necessidade. Para Dª Lucilia, a felicidade do próximo era a
dela... Sua alma se movia pelo desejo de causar contentamento a cada um, e daí
seu grande pesar quando não podia fazê-lo. Era o afeto de um coração total e
essencialmente católico. Sua alegria de alma consistia em querer bem aos outros
por amor de Deus, e ser por eles querida. Porém, quando sua benquerença não era
correspondida, jamais cedia ao menor sentimento de rancor, pois não visava
qualquer benefício pessoal ou vantagem própria nesse relacionamento.
Destas
belas características de trato, são testemunhas várias pessoas que estiveram
com Dª Lucilia naquelas tardes de seus últimos cinco meses de vida. Foram elas
objeto de uma afabilidade que vinha invariavelmente acompanhada de simpatia
benévola e obsequiosa. A todos encantava sua propensão contínua de agradar a
seu interlocutor e fazer-lhe bem de todos os modos.
Novos hábitos rompem a antiga
rotina da casa de Dª Lucilia
Habituada
de há muito a um isolamento diário e prolongado, em que nada vinha romper sua
rotina, Dª Lucilia passou, de repente, a ouvir em sua casa sons, vozes, passos
que não lhe eram familiares. Seu telefone, antes mais bem silencioso, começou a
soar repetidas vezes ao longo do dia. Igualmente a campainha da porta de
entrada daí em diante se fez ouvir com maior freqüência...
As
circunstâncias da longa convalescença de Dr. Plinio tornaram indispensável
estabelecer um plantão que, com certa diplomacia, cuidasse dos eventuais
problemas que fossem surgindo. Era um verdadeiro sistema de relações públicas,
o que Dª Lucilia em sua avançada idade jamais poderia imaginar. Por isso,
sentiu-se na obrigação de se interessar diretamente pelo que se passava.
—
Quem tocou a campainha? — perguntava à empregada.
—
É um amigo de Dr. Plinio.
—
Faça-o entrar. Aquele invariável “faça-o entrar” se evolava de seus lábios tão
impregnado de serenidade e gravidade, doçura e dignidade, que o visitante se
sentia irresistivelmente atraído.
Em
outras ocasiões, ao ser avisada por Mirene, que então a servia, de que mais um
senhor acabava de chegar a fim de visitar seu filho, Dª Lucilia dizia:
—
Você lhe explicou que Dr. Plinio está repousando?
—
Não, porque outra pessoa o atendeu à porta, e ele entrou diretamente no
escritório. Parece que Dr. Plinio já o estava esperando.
—
Mas você não sabe o nome dele?
—
Não, mas já o vi outras vezes.
—
Seria bom você ir preparando um lanche para lhe servir.
—
Acho que a visita é rápida — dizia a empregada, visivelmente desejosa de
escapar das obrigações impostas pelas antigas maneiras vividas por Dª Lucilia.
As
épocas haviam mudado, e com elas as normas da boa acolhida. Porém, não seria a
suposição de uma simples servente que, de maneira fácil, convenceria Dª
Lucilia, demovendo-a de seus tradicionais e entranhados hábitos.
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