Dr. Plinio evoca alguns aspectos da bondade de sua mãe,
manifestada ao longo de uma edificante existência, até o derradeiro sinal da
Cruz com que se despediu deste mundo. Talis vita, finis ita: tal como foi sua
vida, repassada de fé e compaixão, tal se apresentou a Deus.
Um dos predicados
morais de Dona Lucilia que mais me tocava e estreitava minha união com ela era
sua compaixão. Em diversos episódios e circunstâncias me era dado notar a
ternura de mamãe para comigo e o modo como considerava as necessidades de uma
criança, máxime sendo filho dela. A fragilidade daquele ser pequenino
despertava em seu coração materno um desejo de proteção, ao lado de uma
compreensão íntima, pormenorizada e delicada das carências próprias às
condições de um menino.
Compassiva nas doenças do filho
Ela percebia bem como
eu mesmo sentia as minhas debilidades, e me acompanhava com um olhar solícito,
como quem diz: “Essa é a trajetória de todo homem. Mas, é natural que um homem
tenha uma mãe, e que esta seja toda ternura para ele. É conforme à lei da vida
que as coisas se passem assim; você deve se sentir compreendido em tudo e não
ter nenhuma espécie de amor próprio falso que lhe faça esconder de mim a sua
debilidade. Pelo contrário, coloque-a em minhas mãos, que eu tratarei dela”.
Essa disposição me era manifestada com um sorriso cumulado de afeto, e da
promessa de que ela atravessaria comigo aquele caminho semeado de dificuldades.
De maneira especial,
a compaixão de Dona Lucilia se mostrava inteira quando eu adoecia. Nessas
circunstâncias, seu desvelo e seu carinho eram levados ao extremo, com uma
preocupação inteira por causa de minha doença. Eu, sempre observador, não
deixava de considerar sua atitude ao entrar no meu quarto nas pontas dos pés,
sorrindo, com um copo de remédio de homeopatia nas mãos, e dizer-me: “Filhinho,
chegou a hora de tomar o medicamento”. Na verdade, era a consolação de minha
alma tê-la ali perto, e a presença dela compensava a dor que eu sofria.
Como se sabe, as
analogias na cabeça de uma criança são vivazes, e eu fazia correlação entre o
refrigério da água com que eu tomava o remédio e a bondade de mamãe. Pensava:
“Ela é para mim o que esta água é para meu corpo doente — um refrigério. Sinto
o meu espírito refrigerado na companhia dela”.
O mesmo desvelo na maturidade de Dr. Plinio
Essa compaixão
manifestou-se invariável ao longo de toda a vida dela. Por exemplo, quando eu
já era homem feito e formado, morávamos numa casa na Rua Itacolomi, onde tive
uma indisposição física muito forte. Mamãe, num tom afetuoso e inquiridor de
quem havia percebido, me perguntou:
— Filhão, você está
indisposto, não é?
— Meu bem, realmente
estou, mas prefiro não recorrer aos seus médicos. Eu não gostaria de dizer
“não” à proposta da senhora de chamar algum deles, mas sobretudo não quero
dizer “sim”.
Ela, com sua calma
característica, aproximou-se de mim e colocou a mão sobre minha testa, e só
aquele contato o frescor de sua mão me transmitiu alívio e tranqüilidade.
Disse-me: “Você está com febre”. E eu pensei: “Agora ela vai colocar o
termômetro e este indicará 38°, 39°. Mamãe ficará preocupada e eu vou me meter
em uma engrenagem que não me agrada em nada”. Ela pôs o termômetro e, após
alguns minutos, verificou a temperatura.
— Não é nada. O que
você quer fazer meu filho?
— Meu bem, quero
ganhar tempo, deitado e tranquilo.
Então, ela trouxe uma
cadeira do quarto, colocou-a próximo à minha cama, sentou-se e começou a rezar.
Ali permaneceu durante horas, até anoitecer. Em certo momento, eu disse:
— Meu bem, estou com
muita fome e a senhora vai querer que eu coma algo.
— Diga o que você
quer que sua mãe traz. Ela mesma foi preparar o que eu pedi, serviu-me, conversamos
um pouco, e quando nos despedimos ela me disse, no mesmo tom de carinho e
solicitude: “De outras vezes, você não esconda nada de sua mãe, porque ela
percebe e não vai lhe impor coisa alguma”.
Só então eu percebi
como ela não considerava bagatela aquela minha indisposição. Entretanto, a
rogos de Nossa Senhora, a Providência me favorecera com boa saúde e na manhã seguinte
eu já estava recuperado. Assim que me levantei, fui ao quarto de mamãe para
cumprimentá-la, tranquilizá-la e agradecê-la pelos cuidados da véspera. E
retomamos a vida comum de todos os dias.
Porém, ficara-me a
certeza de que, se a doença se agravasse, o desvelo dela se desdobraria até o
fim. E, provavelmente, se eu morresse, ela não sobreviveria por muito tempo.
Continua no próximo post.
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