Acolhida à sombra da árvore que plantara
É interessante
constatar como essa compaixão de mamãe para comigo, embora se manifestasse
sempre que as circunstâncias a despertavam, ia adquirindo feições novas ao
longo de minha vida. Quando eu era menino, ela inteira se debruçava sobre mim
para me amparar. Mais tarde, no período de constituição do meu caráter, a solicitude
dela se fez sentir em relação à luta que eu era obrigado a travar, como
adolescente, para a minha própria formação. Quando homem maduro, eu notava nela
uma espécie de legítima ufania, à semelhança de quem construiu um barco e se
compraz ao vê-lo navegar: “Deixe-o singrar, alegra-me ver como ele enfrenta as
ondas; sinto satisfação por ter feito isso, em ter tido um filho e o haver
formado para que depois enfrentasse a vida de peito aberto!”. Essa era a
alegria dela.
E quando se
aproximavam seus últimos anos de vida, a missão protetora e formadora da
compaixão dela, enquanto mãe, ia cessando. Ela sentia esse compreensível
minguamento e, por sua vez, passou a como que “se encostar” na minha compaixão
para com ela. Portanto, deu-se uma nobre e natural inversão da situação antiga,
ela veio se acolher à sombra da árvore que ela mesma tinha plantado.
Presença sempre enternecedora
Seja como for, já com
seus 91 anos, a presença dela continuava sempre enternecedora, cumulando-me de
agrado. Durante toda a vida, a conversa de mamãe foi agradável, mas sua
presença era ótima, pelo fato de sua pessoa irradiar algo muito mais valioso do
que a palavra humana possa exprimir, e de comunicá-lo com doçura, suavidade,
alegria, ao mesmo tempo com tanto recolhimento, tanta dignidade e seriedade,
que eu jamais me saciava de estar perto dela.
Lembro-me de que, às
vezes, estando eu trabalhando no meu escritório, ela entrava, sentava-se na
cadeira de balanço que ali havia e permanecia quieta ao meu lado, desfiando seu
rosário. Quiçá, movida pela generosidade materna, ela encontrasse algum
entretenimento na minha presença, mas a recíproca era inteiramente verdadeira,
e eu me comprazia de modo prodigioso em estar com Dona Lucilia: dizia-lhe algo
afetuoso, fazia-lhe um carinho, e a deixava contente.
Assim transcorreu
nosso convívio, até alguns meses antes de ela falecer.
Na véspera da morte, calma e serenidade
Em fins de 1967, comecei a notar os primeiros
sintomas da doença que haveria de me prostrar durante semanas, culminando numa
operação1. Quando retornei do hospital, mamãe ainda estava viva, mas havia
envelhecido muito. Acredito que ela não tenha percebido que eu estive fora
tanto tempo, ou ao menos não se manifestou a esse respeito.
A convalescença me obrigava a permanecer com a
perna estendida durante todo o tempo, numa posição bastante incômoda e
desagradável. Após esse período de penosa recuperação, quando eu apenas
começava a poder andar com o auxílio de muletas, afirmaram-me que a saúde de
mamãe se agravara de modo alarmante: ela caminhava para o fim.
Recordo-me que na véspera da morte dela, mamãe se
achava muito pior do coração, e por isso passei o dia inteiro no quarto dela. A
falta de ar a oprimia de tal maneira que a impedia de conversar, e ela sofria
muito com o mal-estar e a agonia que a asfixia traz consigo. Entretanto, mantinha-se
calma, tranquila, serena.
Continua
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