terça-feira, 20 de novembro de 2018

Quem foi objeto desse afeto ...


Dona Lucilia foi tão afável, tão amável, até o fim, tão pacífica.
Quando a criança vê isso, vai aumentando o afeto, aumentando, aumentando.  Alguém dirá:  "Mas você depois, ao longo da vida, verá que afeto assim é só o dela, e vai ter uma porção de decepções".
Não, porque há uma diferença enorme entre quem teve decepções de todo tamanho mas teve a mãe que eu tive e quem não teve a mãe que eu tive.  Porque quem foi objeto desse afeto acredita que na vida é possível o afeto.  Pelo contrário, quem não teve esse afeto, fica como navio sem leme, porque acredita que na vida esse afeto não existe, e fica desgarrado, porque a vida perde um dos seus sentidos.
Plinio Corrêa de Oliveira

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Marcas de um agrado


Eu me lembro, como todo menino, eu fiquei meio abrutalhado, e os meus agrados para ela eram torrenciais, mas abrutalhados.  E eu para agradá-la, batia no braço dela, etc.
Certa feita, no decurso de um almoço em casa de minha avó Dona Gabriela, um participante notou que Dona Lucilia tinha no braço esquerdo uma pequena mancha roxa, fruto evidente de contusão, mal disfarçada por uma pulseira de marfim com incrustação de bronze. Ao lhe perguntarem a causa do inusitado sinal, Dona Lucilia com doçura respondeu: — Foi um agrado do Plinio. Todos deram uma gargalhada, e ela também riu. Alguém lhe indagou então por que permitia da parte do filho tão truculenta prova de carinho. Ela manteve-se séria, séria sem azedume, mas séria. Depois, no fim da refeição, ela respondeu: — Recusar agrado de filho meu, nunca me acontecerá na vida. Desde que não seja o mal, Plinio pode fazer o que quiser.
Compreende-se que uma criança toma isso no coração.
Plinio Corrêa de Oliveira - 21/04/1990
Texto adaptado

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O convívio com Dona Lucilia

O tema da conversa dela (Dona Lucilia) comigo era muito caseiro. Era mais o trato dela comigo. Ela tinha a mentalidade de uma dona de casa do tempo da mãe dela. No trato era enormemente as tais conversas silenciosas. Quando presentes outras pessoas e saía uma conversa mais alta, ela ficava quietinha, e prestando muito atenção. Quando ela perdia alguma coisa por não ouvir bem e não compreender bem, ela pegava só os imponderáveis.
Mas o convívio era totalmente esse. E é deste convívio que o apartamento está cheio. E eu moro lá e não sei viver sem senti-lo. Eu entro lá, penso que ela está a 2 passos de mim. É um modo qualquer de dizer “mãezinha, vamos almoçar?”, e o modo dela dizer que queria, e depois irmos juntos, que eram impregnados de alguma coisa que não sei qualificar.

Por exemplo, quando a comida vinha um pouco quente, ela queria esfriá-la. Comia primorosamente bem na mesa. Ela nunca se sujava, nunca ela cortava por exemplo o macarrão, suspendia um pouco acima e virava um pouquinho o garfo discretamente, enquanto conversava. A delicadeza do gesto de virar, que não era uma delicadeza social só que havia, mas junto a esta existia uma delicadeza de alma no tratar o macarrão, etc. — ela era a dona de casa feita para o lar, para a delicadeza — soprava um pouquinho o macarrão e olhava para ver se deitava fumaça ainda, e, se saía ainda um pouquinho, ela soprava um pouco mais, quando conversava. Nunca ela punha o macarrão na boca antes de estar no ponto. Nunca acontecia em que tinha de colocar água junto porque estava quente, coisas grotescas destas, etc., nunca aconteciam. Pegava tudo com naturalidade, com suavidade, e por cima das harmonias de alma.
Plinio Corrêa de Oliveira - relato de uma conversa 1976

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

“Um agrado de Plinio”

À semelhança das senhoras de seu tempo, mamãe usava uma pulseira de marfim com incrustações, vinda da Europa. E eu, aos doze ou treze anos, brincando com o braço dela — não sem alguma brutalidade inerente aos meninos que vão se tornando mais velhos —, girava a pulseira, e, sendo o marfim um material muito duro, machucava-a um pouco. Não se tratava de nada muito grave, mas, sendo a pulseira muito dura, isso fez uma mancha escura num ponto de seu braço. E ela não se queixou de nada; em vez de se zangar — porque uma mancha dessas é feia, uma senhora não gosta de ter isso —, ela ficou encantada.
Certo dia, quando almoçávamos em casa de minha avó, onde morávamos, uma pessoa da família perguntou para ela:
— Lucilia, o que é esta machucadura em seu braço?
Ela olhou — para ter tempo de pensar — e depois disse com muita naturalidade:
— Isso foi um agrado do Plinio.
Foi uma gargalhada geral na mesa, gargalhada afetuosa, mas que mexia com ela. Era tal o encanto dela por mim, que até quando eu, involuntariamente, a machucava, ela ficava maravilhada.
Mesmo quando eu era importuno, a mansidão de mamãe a fazia ficar ainda mais encantada; e isso me deixava enlevadíssimo por ela.

A harmonia afetuosa e grandiosa que ela exprimia, fazia-me pensar: “Ela é formidável, acima de qualquer pessoa que eu conheço. Eu vejo tantas pessoas em torno dela, pessoas muito boas, mas ninguém tem essa virtude extraordinária, essa harmonia de personalidade, essa lógica e esse afeto contínuo que ela tem.”

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Os nobres deveres da viuvez

A partir de 27 de janeiro de 1961, o trato feito por Dª Lucilia com o esposo, de rezar uma Ave-Maria diante do pôr-do-sol, entraria em vigor. Alguns dias após um derrame cerebral, Dr. João Paulo, então com 87 anos de idade, rendeu sua alma a Deus.
Embora Dª Lucilia estivesse de há muito com seu espírito preparado para a eventualidade da morte do esposo, a rapidez do desfecho a abalou. Mas era tal a sua paz de espírito, e tão grande sua confiança na Providência que, sem deixar de demonstrar natural tristeza e dor, não perdeu a serenidade em nenhum momento, guardando um aplomb admirável.
Aplomb, isto é, o estar de pé com aprumo, seguindo o excelso exemplo de Nossa Senhora aos pés da Cruz, era sua constante atitude diante da dor.
Uma vez falecido seu esposo, Dª Lucilia mudou alguns hábitos de acordo com sua nova situação. Guardou luto até o fim de seus dias, inclusive deixando de usar jóias pelo espaço de um ano, tempo acostumado.
De início, Dr. Plinio achou tudo isso natural, mas, passado certo tempo, perguntou-lhe:
— Mãezinha, a senhora deixou de usar seu colar de pérolas? (Tratava-se de uma jóia que ela usava diariamente.)
— Meu filho, eu não o usarei mais. Uma senhora só se adorna para seu esposo.
De fato nunca mais usou o colar, tão de seu gosto, por onde se vê com que despretensão e desapego, ao longo de toda sua vida, utilizara suas belas jóias.
Poucos meses depois, Dr. Plinio convidou sua mãe a sair com ele para uma visita, certo de que ela ficaria agradada e se distrairia um pouco. A resposta dela não deixou de surpreendê-lo, pela seriedade demonstrada no cumprimento dos deveres para com o falecido esposo.
— Eu vou — respondeu com sua firme mansidão — mas depois de ter visitado, uma vez pelo menos, a sepultura de seu pai. Antes disso, não farei visita alguma.

De fato, ela nunca mais saiu para visitas, pois não lhe foi possível ir ao jazigo de seu esposo. Naquela época não se permitia a entrada de automóveis no Cemitério da Consolação. Já tendo muita dificuldade de locomoção, não era podia Dª Lucilia percorrer considerável distância a pé, o que tornou impraticável a realização de seu desejo.

sábado, 8 de outubro de 2016

Um trato para a eternidade

Certo dia estavam Dª Lucilia e seu esposo na sala de jantar, contemplando as belezas do entardecer, que na cidade de São Paulo se reveste com frequência de esplêndidos coloridos. Mas ela não se limitava a apreciar do ponto de vista natural a vivacidade cambiante das cores ígneas com as quais o sol, em seu declínio lento e majestoso, ia pintando os tufos de nuvens, na aparência espalhados no céu por mãos invisíveis. Seu espírito logo se elevava a considerações de ordem sobrenatural. E essa cena lhe trouxe à mente quão próximos estavam, ela e seu esposo, do ocaso da vida terrena e da aurora da eternidade. Fez-lhe então a seguinte proposta:
— João Paulo, vamos fazer um trato?... Já estamos idosos e não sabemos quem de nós vai ficar só. Aquele que restar reza pelo outro uma Ave-Maria, todas as tardes, diante do pôr-do-sol.

Dr. João Paulo aquiesceu. Seria ele o grande beneficiado desse acordo, pois em breve terminariam seus dias, e ela cumpriria fielmente a promessa até o fim de sua vida.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Harmoniosa vida conjugal

Havendo acompanhado por mais de 50 anos o convívio de pais, Dr. Plinio podia dar o testemunho de nunca haver presenciado uma desavença entre eles. Nunca uma palavra áspera ou um levantar de voz, nem tampouco uma bravata ou um gesto de mal-humor.
 “Dr. João Paulo era o mais pacífico e cordato dos homens”, contava Dr. Plinio, “e Dª Lucilia, uma senhora boníssima. Ele morreu com 84 anos e ela, com 92. Portanto, longa vida conjugal.
“Claro, às vezes eles entravam em desacordo e discutiam. Ambos eram pessoas inteligentes, e apresentavam argumentos apertados de parte a parte. Porém, o máximo que acontecia, quando meu pai ficava com os nervos um pouco mais tomados, era ele dizer para mamãe: ‘Senhora, mas esta opinião?!’ Parece que é comum no Nordeste o marido zangado chamar a esposa de ‘senhora’. Não era uma atitude de desaforo, mas quase uma cortesia.
“Por sua vez, mamãe tinha um modo característico de levantar a cabeça e contestar. Usava um penteado em forma de coque, e um certo jeito de movê-lo era sinal de desacordo. Manifestando-se às vezes dessa maneira, ela dizia: ‘Não, João Paulo, eu não acho isso...’
“Acima dessas minúsculas e inevitáveis desavenças, mamãe devotava a seu marido o respeito e a obediência que se deve esperar de uma esposa verdadeiramente católica, de maneira que ela nunca teria feito nada que fosse do desagrado dele.
“A única circunstância em que ele se impacientava — para o bem de mamãe — era quando ela, à medida que foi avançando em idade, em vez de se deitar, ficava rezando até altas horas da madrugada. Como pernambucano, habituado a se recolher cedo, papai assustava-se com aqueles horários tardios, julgando-os prejudiciais à saúde da esposa. Então, quando o relógio batia uma hora, uma e meia da manhã, ele às vezes se levantava da cama e se dirigia até a sala onde ela se encontrava imersa nas suas orações.
“Cena por mim presenciada em diversas ocasiões: papai se detinha um pouco atrás dela; mamãe percebia a presença dele mas não se voltava, continuando a rezar. Ele dizia:
“— O que é isto, senhora?! Já são quase duas horas!
“Ela não se importava, fazia-lhe um pequeno sinal, amável, como quem diz: “Já estou indo”, mas acabava por rezar tudo o que ela queria...

“Às vezes ele retornava, insistia, e mamãe então encerrava suas orações, acompanhando-o para o quarto.”
Continua