O precário estado de saúde de Dª Lucilia causava constante
apreensão a seus filhos, e os levava a não pouparem esforços nem recursos a fim
de aliviá-la — o quanto estava ao alcance deles — da penosa enfermidade de
fígado que a acometia. Por tal motivo nunca deixaram de lhe proporcionar longas
permanências em Águas da Prata, que resultavam em sensíveis melhoras para ela.
Porém, na sinceridade de seu desprendimento, mais preocupada
com os outros do que consigo mesma, Dª Lucilia não queria pesar no orçamento
deles. Receava fazerem excessivos gastos com ela e, como se pode comprovar por
uma afetuosa resposta de Dr. Plinio, chegou a externar isso numa de suas
cartas, infelizmente perdida:
Santos,
27 de março [de 1942]
Mãezinha,
Recebi
sua ultima carta, da qual lhe devo dizer francamente que, se uma parte me
agradou muito, a outra não me desagradou menos.
Agradou-me
muito, é claro, saber que a Sra. está, graças a Deus, passando melhor.
No
entanto, a forma pela qual a Sra. se refere ao interesse que Rosée e eu tomamos
por sua saúde, me desagradou categoricamente. Em tudo, meu bem querido, é
preciso ser lógico. Em primeiro lugar, o que Rosée e eu estamos fazendo não
passa de trivialidades, certamente feitas com grande afeto, mas que nem por
isto deixam de estar na órbita das trivialidades. O que de mais natural do que
ela levar a Sra. para a casa, e lá lhe dispensar todo o carinho? Pois não é sua
filha? O que é ser filha? De minha parte, o que de mais vulgar do que empregar
algum dinheiro para o bem-estar de minha Mãe? Se o dinheiro que, com o auxílio
de Nossa Senhora, tenho podido ganhar, não se empregasse com suma satisfação
neste assunto, mereceria eu o castigo de que ele me fugisse inteiramente das
mãos, pois que, gastando-o assim, outra coisa não faço senão dar cumprimento a
uma obrigação grave, cuja observância de minha parte é destes “minimuns” que se
exigem de qualquer pessoa de sentimentos vulgarmente bem formados.
Por
outro lado, ainda que o sacrifício fosse de monta, sendo feito para a Sra.
estaria idealmente bem, e não poderia estar melhor. Se eu precisasse da Sra. um
sacrifício pesado, pedi-lo-ia e aceitá-lo-ia com tão absoluta naturalidade, com
tal certeza da inteira dedicação com que a Sra. o prestaria, que nem me
ocorreria fazer lamentações sobre o caso. Não sei por que a Sra. ha de imaginar
que a recíproca não deve ser a mesma......
Assim,
meu bem, nada de lamúrias, de lamentações, de agradecimentos. Agradeça
simplesmente a Deus e a Nossa Senhora que tenhamos com que fazer face às necessidades,
e lhes peça que continue a ser sempre assim. Quanto ao mais, o assunto está
definitivamente encerrado, ouviu meu bem?
A seguir, a carta nos coloca uma vez mais ante a perspectiva
da Segunda Guerra Mundial, na qual o Brasil acabara de se envolver. De fato,
após ter mantido, junto com o bloco maciçamente católico de nações
latino-americanas, uma tal ou qual neutralidade, nosso País entrou na guerra
quando a opinião pública de modo definido se decidiu contra o nazismo.
Solidário com os Estados Unidos, que acabavam de sofrer o ataque de Pearl
Harbour (7 de dezembro de 1941), o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países
do Eixo.
A propósito dos novos panoramas, Dr. Plinio comentava na
mesma carta:
[Imagino
que contaram] à Sra. o excelente passeio que fizemos ao forte Munduba. Estava
muito impressionante a sensação de, em pleno território nacional, nos
encontrarmos em uma autêntica “maginot” escavada dentro da própria rocha, e
conversar-se sobre descida possível de paraquedistas, a eventual chegada de
esquadras estrangeiras, a ação da quinta coluna em Santos, etc., etc. É um novo
capítulo que se abre, uma nova era em que se entra, na História nacional. Em
outros termos, começamos a ser “gente”, a correr riscos, a tratar de coisas
sérias, e a impuberdade política em que nossa situação geográfica e nossa
debilidade nos colocavam, parece ter cessado de vez. Assim se abre o capítulo:
como se encerrará? Qual será o mapa do mundo, quando isto tudo amainar? É o que
só Deus sabe.
Devo
chegar terça-feira, não sei bem a que horas, mas certamente depois do almoço.
Aí mataremos, se Deus quiser, as saudades que estão até rendendo juros, de tão
grandes.
Papai
já deve ter chegado. Mande-lhe um apertado abraço. Para a Sra., meu bem
querido, muitos e muitos beijos e abraços do filho saudosíssimo, que lhe pede
respeitosamente a bênção.
Plinio
Na solidão de seu quarto, Dª Lucilia deve ter lido e relido
inúmeras vezes essas linhas, consolada por lhe haver dado Deus um filho tão
dedicado e generoso...
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João
S. Clá Dias)
Nenhum comentário:
Postar um comentário