quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um desígnio da Providência que Dona Lucilia intuía

Dona Lucilia parecia discernir algum desígnio da Providência a respeito de seu filho, embora não o compreendesse até o fundo. Certas atitudes dela o exprimiam claramente, como, por exemplo, as orações assíduas que fazia por ele diante do altar dedicado ao Menino Jesus em discussão com os Doutores da Lei no Santuário do Sagrado Coração de Jesus.’ Intuía que a vida de Dr. Plinio seria inteiramente consagrada a um alto ideal, e isso talvez exigisse dele alguns sacrifícios, como, por exemplo, o manter-se solteiro.
Ora, ele ainda não se decidira pelo celibato naquela época. Conheceu então uma moça que lhe pareceu simpática e de bom caráter, cuja família pertencia à mais alta sociedade de São Paulo, e tinha muitas posses. Julgando ser um bom partido, começou a se encontrar e conversar com ela em algumas festas. Depois de certo tempo, resolveu levar adiante seu projeto.
Tratando ambos, uma vez, a respeito de música, afirmou ela não conhecer tais e tais discos. Ele disse que lhos mandaria, e efetivamente o fez tão logo pôde. Ao enviar o presente, anexou um cartão de visita. Pelo correio ela mandou um cartão agradecendo.
Sobre a escrivaninha de Dr. Plinio havia, fixo a uma pla ca de mármore, um baixo-rele vo de metal que representava Nosso Senhor dando a Sagra da Eucaristia a uma criança. A fim de obter de Deus bom andamento para aquela questão, ele colocou atrás da placa de mármore o cartão que recebera. Deixá-lo junto da imagem simbolizava um constante pedido nesse sentido. Mas o incipiente compromisso acabou se desfa zendo e ele até se esqueceu de haver ali deixado o cartão.
Algum tempo depois, ao chegar Dr. Plinio de seu escritório,
Dona Lucilia abordou-o maternalmente, com ar de quem descobrira um segredo ciosamente guardado:
— Então, hein?! Sua mãe ignorava...
Dr. Plinio, não fazendo ideia do que se tratava, respondeu:
— Mas ignorava o quê, meu bem?
— Eu estava rezando por você, à sua mesa, e vi aparecer por detrás daquele mármore uma pontinha de papel. Fiquei curiosa de saber o que era, virei a placa e encontrei o cartão muito amável de Fulana, agradecendo tão gentilmente um presente... Eu vejo bem o que isso quer dizer...
Dr. Plinio então respondeu jocosamente:
— Mas o que tem isso? A senhora não vê todo o mundo casado?
Eu vou me casar um dia...
E riu afetuosamente. Depois disse:
— Ó mamãe, isso já está desfeito, não tem mais nada!
Dr. Plinio notou que um eventual noivado seria uma decepção para ela. Mais tarde, quando resolveu adotar o celibato, não lhe disse nada, porque considerava o assunto muito pessoal. Mas Dona Lucilia acabou percebendo sua resolução e ficou deveras satisfeita.

Outros parentes também intuíram que ele havia renunciado ao casamento para se entregar ao apostolado, e comentavam o fato em conversas de família. Um dia, alguém disse que assim era melhor, pois, pelo seu modo de ser enérgico, ele não daria um bom marido. Dona Lucilia imediatamente respondeu que não concordava com essa afirmação, pois sendo ele tão bom filho, não podia deixar de vir a ser bom esposo. Os parentes, conhecendo já as intransigências de Dona Lucilia, preferiram bater em retirada e não abordar mais o assunto.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Irredutibilidade e doçura


Afora pequenos incidentes esclarecidos, Plinio deu só contentamento a Dona Lucilia durante o curso secundário. De sua parte, continuava ela a dispensar-lhe todos os extremos de carinho de que era capaz. Provara-o mil vezes em circunstâncias diversas, e seu filho tinha experiência disso a cada momento. Eis um pequeno exemplo:
Normalmente Plinio ia e voltava do colégio de bonde. Porém, quando chovia, Dona Lucilia mandava-lhe tomar um táxi, pois tinha receio de que, molhando-se, adoecesse. Plinio, que nunca deixava de seguir a recomendação materna, à saída do colégio já ia convidando alguns amigos para retornarem com ele no veículo.
Outro exemplo de firmeza na educação dos filhos: se por preguiça ele quisesse ficar mais tempo na cama na hora de levantar, Dona Lucilia não toleraria, pois no cumprimento do dever não permitia moleza. Mas a irredutibilidade dela tinha sempre como contrapeso a doçura, que se manifestava por sua atitude compassiva em favor de quem havia-se esforçado para se desincumbir de uma obrigação.
Deliciosos sanduíches
Outra manifestação dessa doçura estava no modo de Dona Lucilia, todos os dias, preparar e com todo o cuidado empacotar sanduíches para seu filho. O conteúdo ia variando agradavelmente a cada dia, constituindo afetuoso incentivo para ele enfrentar a aridez dos estudos ou o ardor das polêmicas. Ora vinham recheados de saborosas fatias de língua, ora de lombo de porco ou filé, queijos ou alface, sem nunca faltar a manteiga. Faziam a cobiça dos outros meninos...
Um dia, Plinio pediu a sua mãe que dali em diante preparasse sempre um pacote de sanduíches a mais, pois ficava mal para ele estar tomando lanche e não poder oferecer nada a um colega com quem estivesse conversando.
Dona Lucilia alegrou-se com a atitude de seu filho e, diante de tão bons sentimentos, prontamente o atendeu. Mal sabia ela o destino real do inocente sanduíche. Plinio utilizava-o sagazmente para atrair a amizade de certos companheiros mais corpulentos, que o protegessem contra as investidas de certos alunos de mau caráter, visto que sua compleição, ainda pouco robusta, não lhe permitiria aguentar um embate físico contra seus primeiros opositores ideológicos.
Sem o saber, Dona Lucilia prestou assim um valioso auxilio às pugnas iniciais de seu filho.