domingo, 30 de junho de 2013

Os desvelos de Dona Lucilia pelo ‘‘filhão” doente

Dona Lucilia, conquanto em nada descurasse as prescrições médicas, nunca impunha um tratamento a quem tinha idade para se governar a si próprio. Seu desvelo por seu filho não diminuíra, pelo contrário, requintara-se ao longo dos anos, passando a representar para ele um autêntico repouso e encorajador consolo, em meio à luta que ele conduzia pela ortodoxia católica. Disso é ilustrativo o episódio seguinte:
Certo dia Dr. Plinio foi acometido por fortíssima indisposição. Dona Lucilia percebeu imediatamente e com sua matizada voz lhe perguntou:
— Filhão, você está indisposto, não está?
A pergunta, muito afetuosa mas incisiva, deixava claro que ela notara o estado dele e não adiantava esconder. Dr. Plinio respondeu com aquela franqueza filial, contrário harmônico da suavidade materna dela:
— Meu bem, realmente estou indisposto, mas detesto medicar-me. Eu não queria contar nada, a fim de evitar que a senhora insistisse comigo para tomar remédios e — pior do que tudo — me recomendasse alguma dieta. Por isso não quero dizer não à senhora, mas sobretudo não quero dizer sim...
A situação era bem difícil para Dona Luciia. Queria ajudar o filho, porém, não desejava contrariá-lo. Mas nem por isso perdeu a calma. Aproximou-se da cama dele e colocou a mão sobre sua fronte para verificar se ele estava com febre.
Nesse pequeno gesto caseiro, já estava dado o primeiro passo para a cura, pois o frescor de suas delicadas mãos transmitia uma benfazeja serenidade, reflexo de sua paz de alma que nenhuma provação conseguia conturbar.
Ela então lhe disse:
— Você está com febre.
Dr. Plinio certamente pensou: “Ela agora vai me pôr o termômetro, e este vai indicar 38°C ou 39°C. Ficará preocupada e vou me meter numa engrenagem que detesto...”
Dito e feito. Com seus pequenos mas ágeis passos, saiu ela do quarto, voltando alguns instantes depois com o fatídico instrumento. Dr. Plinio, para não a contrariar, colocou-o e, passado o tempo necessário, controlado minuciosamente no relógio por Dona Lucilia, o devolveu a sua mãe. Na penumbra do quarto, ela olhou, com certa dificuldade, a temperatura. Porém, em vez de proferir uma sentença, como fazia quando ele era menino, apenas lhe disse:
— Não é nada. O que você quer fazer, meu filho?
Afastada, para alívio dele, a tortura, respondeu:
— Meu bem, eu quero passar o tempo, deitado e quieto.
Dona Lucilia, então, trazendo uma cadeira do quarto dela, colocou-se ao lado da cama do filho e pôs-se a rezar tranquilamente. Ficou assim algumas horas, até chegar a noite. Em certo momento,
Dr. Plinio lhe disse:
— Meu bem, estou com muita fome e a senhora certamente vai querer que eu coma algo.
— Diga o que você quer, que sua mãe lhe traz — foi a pronta resposta dela.
Em seguida, ela mesma saiu a preparar o prato que seu filho pedira. Levou a refeição ao quarto, fez questão de servi-lo e no fim disse:
— De outras vezes não esconda nada a sua mãe, porque ela percebe e não vai lhe impor nada.
A saúde que, a rogos de Nossa Senhora, a Providência dera a Dr. Plinio, era excelente, e assim na manhã seguinte ele já estava bom.
Logo após se levantar, foi ao quarto de Dona Lucilia. Ao vê-lo entrar, lhe perguntou:
— Filhão, como vai?
E a vida de todos os dias recomeçou.

Muitos e muitos anos mais tarde, Dr. Plinio, ao se referir a este pequeno episódio, comentou que só quando sua mãe lhe fez o pedido de nada esconder, percebeu como, para ela, aquele pequeno mal não era uma bagatela. Se a doença se agravasse, Dona Lucilia cuidaria dele com extremos de zelo, até o fim. E — concluiu Dr. Plinio — “é provável que, se eu morresse, ela também morreria. Uma coisa é inteiramente certa: ela preferiria morrer a continuar a viver”.

sábado, 22 de junho de 2013

Benquerença no convívio entre mãe e filho

Era impossível passar despercebido o especial afeto recíproco entre Dona Lucilia e seu filho. Apesar de o espírito de Hollywood ter invadido largamente a sociedade, disseminando pouco a pouco uma mentalidade egoísta e pragmática, não faltaria quem se encantasse ao comprovar os oceanos de ternura e benquerença que transbordavam desse convívio entre mãe e filho. Um pequeno episódio, não desprovido de seu lado pitoresco, pode nos dar ideia disso.
“Não me esquecerei dos seus telefonemas para mamãe...”
Durante o período que passou no Rio, Dr. Plinio tinha por hábito hospedar-se no Hotel Regina, de onde amiúde telefonava para sua querida mãe. Terminados os trabalhos da Constituinte, com a sua promulgação em 16 de julho de 1934, quando se aprestava a deixar definitivamente a Capital Federal, uma confidência veio lhe revelar que essas conversas tinham sido acompanhadas por alguém.
Antes de partir, ele se despediu dos empregados do hotel, que o haviam servido durante um ano inteiro. Sendo o estabelecimento gerenciado por uma senhora portuguesa, categórica e autoritária, mas muito amável, Dona Maria da Glória, ele lhe dirigiu algumas palavras mais atenciosas, para lhe dizer que guardaria gratas recordações da estada ali, onde havia sido tão bem servido.
Ela, com uma candura toda lusitana, respondeu:
— Vá com Deus. Eu nunca me esquecerei de seus telefonemas para a mamãe em São Paulo.
— Mas a senhora os acompanhou? — perguntou ele surpreso.
Ao que Dona Maria da Glória, sorrindo, retrucou:
— Vá com Deus, doutor. Eram tão bonitos que os ouvi todos!
O normal seria Dr. Plinio reclamar, pois era inadmissível que uma gerente de hotel ficasse ouvindo as conversas telefônicas dos hóspedes. Mas Dona Maria da Glória confessou a sua falta com tal sinceridade, deixando transparecer tanta bondade de alma e admiração, que ele se sentiu desarmado, e retribuiu com proporcionada gentileza essa inocente prova de amizade.

Chegando a São Paulo, contou o fato a sua mãe, que o achou muito pitoresco. A partir de então, Dona Lucilia numa atitude bem característica dela, sempre que Dr. Plinio ia ao Rio, e se hospedava no Hotel Regina, mandava afetuosas lembranças à indiscreta e amável gerente, que ainda possuía suficiente quilate de alma para encantar-se com a elevação daquele convívio.
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons João S. Clá Dias

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Manifestação de afeto filial

No Rio para a inauguração da Constituinte
Em 13 de novembro de 1933, Dona Lucilia, Dr. João Paulo e Dona Rosée acompanharam Dr. Plinio ao Rio de Janeiro, para assistir à abertura da Constituinte. Embora a viagem fosse marcada pelo caráter festivo do acontecimento, uma leve sombra de tristeza se projetava do fundo da alma daquela mãe extremosa, pois às alegrias do triunfo se seguiria a dor da separação.
Ao chegarem à Capital Federal, hospedaram-se no Hotel Glória, já então um dos melhores da cidade, situado nas imediações da Praia do Flamengo, com vista para o mais belo trecho da Baía de Guanabara, panorama exuberante que sempre extasiara Dona Lucilia.
Considerada a importância da Assembléia Constituinte naquela quadra histórica, sua inauguração, a 15 de novembro, revestiu-se de grande solenidade. Tropas do Exército, perfiladas diante do Palácio Tiradentes, onde se realizaria a cerimônia, prestavam honras militares a cada autoridade que ia chegando.
Após ter acomodado os seus numa tribuna, Dr. Plinio se dirigiu ao próprio lugar no plenário. Porém, antes de tomar assento, voltou os olhos para onde havia deixado Dona Lucilia, a fim de ter a certeza de estar ela bem instalada.
Não conseguindo localizá-la num primeiro relance, adiantou-se um pouco mais, corredor central adentro, procurando-a detidamente. Do alto da tribuna, percebendo a intenção e a dificuldade de seu filho, Dona Lucilia lhe acenou discretamente com um lencinho. Vendo-a, então, Dr. Plinio lhe retribuiu com ênfase o cumprimento e, tranquilizado, retornou a seu lugar.
Entoado o Hino Nacional, cada uma das personalidades ocupou o lugar indicado pelo cerimonial e deu-se início à sessão.
Do ponto dc vista político, o aspecto imponente da Assembléia não ocultava uma profunda divisão que nela havia. A decidida maioria dos constituintes era formada por getulistas declarados. Não estavam nessa posição os deputados da Chapa Unica por São Paulo Unido, à qual pertencia Dr. Plinio, porque seus eleitores eram os paulistas que tinham apoiado a Revolução de 32. Recusavam o sistema getulista e estavam resolvidos a votar contra ele na Constituinte.
Terminada a sessão, de volta ao hotel, Dona Lucilia, ressentindo-se da extensa duração da solenidade, preferiu recolher-se e não tomar parte no jantar com a família. Assim que este terminou, Dr. Plinio subiu aos aposentos dela, a fim de saber como estava passando e, é claro, entabular uma “prosinha”.
Ao entrar no quarto, encontrou Dona Lucilia sozinha, sentada numa poltrona, contemplando o lindo panorama que se avistava do Hotel Glória. Naquela noite se apresentava particularmente soberbo: céu límpido, no qual se erguia esplêndida lua, quase dourada, cujos reflexos rebrilhavam sobre as ondas que com placidez se desmanchavam em branca espuma nas pedras, junto à amurada da Avenida Beira-Mar. Ao longo desta, balouçando ao sopro de branda viração, altas e elegantes palmeiras reverenciavam a imponente silhueta do Pão de Açúcar que se ergue na entrada da Baía de Guanabara.
Não encontrando outro assento ao alcance da mão, Dr. Plinio se ajoelhou junto à mãe e lhe perguntou como estava.
Dona Lucilia, que ficara profundamente comovida com a atitude de seu filho naquela tarde, dirigiu-lhe estas palavras, das quais ele jamais se esqueceria:
— Meu filho, quero lhe dizer que estou olhando o panorama, mas de fato estou pensando no prazer que você deu hoje a sua mãe!
— Mas, como assim, meu bem?
— É dos maiores prazeres que você me tenha dado na vida — repetiu ela com ênfase.
— De que maneira isso?
— Eu ainda conservo na retina sua expressão fisionômica, lá no Palácio Tiradentes, procurando-me em meio àquela multidão e me dizendo adeus, alegre e tranquilizado por me ver bem acomodada.
Dr. Plinio, que julgara haver tomado uma atitude comum ao desejar o bem-estar de sua mãe, surpreendeu-se com esta declaração, e disse:
— Mas, meu bem, que tem isto de mais?
— O fato de você se preocupar assim com sua mãe, no momento em que tantas responsabilidades novas começavam a pesar sobre você, quer dizer muito. E até agora estou comovida por esta sua manifestação de afeto filial.
Entre surpreso e contente com a reação de Dona Lucilia, Dr. Plinio osculou-a várias vezes, disse-lhe alguns amáveis gracejos e se retirou. Na verdade, nunca se esqueceria da enternecida figura de sua mãe, fitando-o do alto da tribuna enquanto lhe acenava.

Passados alguns dias, Dona Lucilia retornou a São Paulo, deixando no Rio metade de sua alma... Seu filho ali ficava a batalhar em favor da inserção das emendas católicas na nova Constituição.