quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Atendendo às solicitações maternas

Muito se preocupava Dª Lucilia com a saúde de seu filho, em vista da intensa atividade por ele exercida: apostolado, direção do Legionário, escritório de advocacia, magistério, conferências, discursos, palestras. Embora Dr. Plinio fosse muito robusto, graças aos cuidados que sua mãe lhe dispensara na infância, estaria sempre exposto a algum mal súbito, pelo cansaço resultante de tal operosidade. Por isso ela lhe recomendava sair de São Paulo a fim de descansar durante algum tempo, apesar de serem para ela tão penosas as ausências dele.
Mas, para ter certeza de que esses períodos seriam bem aproveitados para um repouso regenerador, pedia-lhe com afeto que não deixasse de escrever, contando seu dia-a-dia. Assim, ao menos para contentá-la, ele se sentiria obrigado a fazer algum passeio e a se distrair. Para tranquilizá-la, Dr. Plinio filialmente seguia as orientações maternas, sempre que alguma necessidade urgente da Causa Católica não exigisse o contrário. Estando no Grande Hotel de Guarujá, no verão de 1939, assim se exprimia em carta a Dª Lucilia, de 22 de fevereiro:
Mãezinha do coração!
Escrevo-lhe às dez e meia da noite, depois de ter passado um dia singular, mas delicioso: levantei-me às quatro e meia(!), fui esperar às seis da manhã em Santos um grande navio italiano de cujo nome não me lembro, mas que é o mais suntuoso que vi; lá assisti à Missa celebrada pelo famoso Jesuíta Pe. Laburu, basco, meu amigo, vindo de Roma de passagem para a Argentina, uma das maiores celebridades mundiais em telepatia, hipnotismo, etc.
Lá comunguei com o José, tomamos um delicioso café, e ficamos de prosa até nove e meia. Depois voltei de auto a Guarujá, li os jornais, tomei um banho de mais ou menos uma hora ou uma hora e quinze, almocei, e caí na cama a uma e meia e dormi com sono cerrado até seis e meia exatamente. Levantei-me, fiquei no terraço até oito e quinze, jantei muito bem, andei na praia, e agora estou matando as saudades, que são muitas. Encontrei aqui a Ilka com o Zito, que vieram um instante ao hotel, ver-me. Eles foram a S. Paulo e deverão estar de volta sexta-feira (...)
O hotel está quase vazio, e está delicioso! E a Sra como vai? e Papai? E a Katuchinha¹ queridinha? Vou escrever a esta.
Se vierem cartas para mim no escritório, no Legionário ou aí, mande.
Com um afetuoso abraço a papai, 1000000.....0 de beijos à Sra, do seu filho respeitoso, que lhe pede a bênção e lhe quer mais do que é possível dizer
Plinio
A leitura destas linhas fazia Dª Lucilia sentir-se consolada, por saber que seu filho estava repousando bem, e recompensada pelas grandes saudades que a ausência dele lhe trazia.
Por vezes Dr. Plinio ia a uma estância hidromineral no interior paulista, Águas de São Pedro, a fim de espairecer. Dali escreveu em certa ocasião a sua mãe:
Luzinha de meu Coração
Aí vai a carta que a Sra esperava. Vai atrasada, curta e cheia de saudades.
Estou descansando muito, passeando e comendo bem: vegetando, enfim, que é o de que eu precisava. (...)
Como vai a Sra? E Papai? Adolphinho já está bom? Diga-lhe que é pena que não esteja aqui.
Mil beijos para a Sra, abraços para Papai. Do filho que a quer a mais não poder, e lhe pede a bênção.
Plinio
Outras vezes essas viagens eram destinadas por Dr. Plinio a uma atividade intensa, que a tranquilidade de um confortável hotel à beira-mar tornava mais propícia.
Pelo caráter “telegráfico” das missivas de seu filho, percebia Dª Lucilia que dessa vez o descanso havia ficado bem distante. Tal é o caso de um belo postal com uma vista marítima, enviado em maio de 1939 de Guarujá:
Mãezinha querida
Com mil saudades, beijo-a respeitosamente e peço sua bênção.
Estou gostando muitissimo.
Do filho que a quer imensissimamente.
Plinio

Eram poucas palavras, mas transbordantes de amor filial. Dª Lucilia, ao receber o cartão, tê-lo-á quiçá depositado, até a volta do filho, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, junto à qual passava horas mais longas, durante as ausências dele.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Suaves repreensões

Foi o Sagrado Coração de Jesus, sempre pronto a perdoar e acolher o pecador arrependido, o modelo perfeito com o qual Dª Lucilia sempre procurou se identificar. Assim, em suas atitudes, palavras e gestos iam transparecendo de modo crescente, com o correr dos anos, a extrema suavidade e doçura de trato que tanto refulgiram na figura do Divino Mestre.
Já seu filho, exposto a rudes pelejas apostólicas, além da infinita Bondade, adorava de maneira particular a Nosso Senhor enquanto intransigente com o mal que se mostrava empedernido. Essa dualidade de aspectos do Divino Modelo fazia desprender do convívio mãe-filho uma melodia de notas opostas, mas sempre harmônicas. Dr. Plinio era tendente a manifestar categoricamente as próprias opiniões, até nas menores coisas, e Dª Lucilia procurava refrear um pouco este expansivo modo de ser, às vezes por demais contundente segundo os padrões dela.
Certo dia a empregada não acertou na compra da manteiga. Após ter untado abundantemente uma fatia de pão, Dr. Plinio, ao prová-la, logo sentiu um gosto desagradável, indicativo de que o alimento não estava fresco.
Dª Lucilia, que punha todo empenho em lhe proporcionar um cardápio de acordo com sua preferência, estava sempre atenta às reacções dele, e percebeu de imediato sua repulsa.
— Meu bem — disse ele — essa manteiga que a empregada comprou não serve nem para engraxar os trilhos dos bondes!
Dª Lucilia ficou com a fisionomia um tanto penalizada. Mesmo em se tratando de um alimento de qualidade inferior, não era bondoso um comentário tão forte, segundo seus critérios.
Mas, como admoestar um filho já homem feito, professor universitário? Era uma situação para a qual só ela podia encontrar uma boa saída. Estando sentada à mesa, ao lado dele, tocou-lhe suave e repetidamente com a ponta dos dedos no dorso da mão, como que a lhe dizer: “Meu filho... Meu filho!...” O macio dos toques, o sedoso da pele, reflexos de seu modo de ser, transmitiam uma censura que inundava a alma dele de doçura.
E sempre que Dr. Plinio dizia o que pensava a respeito deste ou daquele, Dª Lucilia, quando não tinha mais como defender o atingido — por ser indefensável — apelava para este último e mudo recurso: discretos toques no dorso da mão dele.

Era bem provável que Dr. Plinio tivesse vontade de acrescentar outro comentário, para que ela lhe proporcionasse mais uma suave repreensão...
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias