quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Palácio de seriedade materna

Segundo a mentalidade revolucionária, a seriedade faz o papel de algemas para o espírito; por isso, é preciso passar a vida brincando. Bem o contrário disso era Dona Lucilia. Convivendo com ela, percebia-se a superioridade, o senhorio e as suavidades da seriedade. 
Vejamos os comentários de seu filho Plinio Correa de Oliveira.
O papel de mamãe em incentivar minha apetência pelo maravilhoso, pelos absolutos, verificou-se mais por seu modo de ser do que pelas palavras. Certamente teve muita importância o que ela dizia, mas isso servia mais para explicitar e corroborar o que ela era, do que pelo valor conclusivo de suas palavras.
Bem-estar na seriedade
É preciso tomar em consideração que Dona Lucilia era uma dona de casa. E acabou tendo um filho superanalítico e superamigo de esgravatar as coisas: “Como é? Como não é? Por quê? Que relação tem tal coisa com tal outra?” Tudo muito explicitamente. É normal; o feitio espiritual masculino é diferente do feminino. E eu gosto de ir ao fundo dos problemas, explicitando como eles se vinculam, se articulam, analisando-os e procurando elaborar um quadro geral. É o pendor de minha alma.
E as palavras cheias de sabedoria e de afeto que ela dizia, analiticamente não possuíam um valor nem a matéria-prima para isso. De maneira que um conselho dela tinha toda a suavidade, toda a importância do conselho de mãe, mas não o alcance da flecha atirada que se crava na meta e fica ainda tremendo. É natural!
Nesse sentido, a ação de Dona Lucilia não pode ser comparada, por exemplo, à que tiveram sobre mim os jesuítas. Eu analisava o que eles diziam, assimilava, me apaixonava e pensava: “Agora, está bem. Vamos para frente!”
Então, com mamãe de que modo isso se dava?
Por ser o espírito dela inteiramente voltado para esse absoluto, havia nela certa forma de estabilidade, de continuidade, de seriedade e de bem-estar na seriedade.
Para as gerações posteriores à minha, a palavra “seriedade” soa um pouco como o termo “masmorra”. A seriedade parece uma prisão.
Impostação da alma de Dona Lucilia face ao Absoluto
Mamãe fazia entender que a seriedade era um Céu. Os mil bem-estares do Paraíso eram os aposentos, os palácios da seriedade. Não que Dona Lucilia dissesse isso, mas convivendo com ela percebia-se a superioridade, o senhorio e as suavidades da seriedade. A alma dela era um palácio de seriedade materna, com todo o valor da palavra materna, nem preciso encarecer.
No modo de falar, de andar, no timbre de voz, nas menores coisas isso transparecia com coerência, com harmonia e sem a menor intenção de se fazer notar. Aliás, no “Quadrinho”1 vê-se bem: no modo dela estar ali transparece toda a seriedade, mas também a paciência, a bondade, a dignidade. Mas tudo resultava dessa impostação da alma face ao Absoluto.

É inútil dizer que tudo isso eu notava, e concorreu muito para evitar que argumentos brumosos, lançados pela Revolução contra a seriedade, tomassem corpo no meu espírito: “A seriedade é igual à carranca, à malevolência, à ausência de psicologia, é como algemas para o espírito, não se pode suportar, etc.” Para essa mentalidade, viver ou é brincar ou fica-se sufocado. Portanto, é preciso estar sempre brincando. Mil coisas horríveis como essas, a presença de Dona Lucilia já descartava como pressupostamente erradas.
Continua no próximo post.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Incomparável intérprete da Santa Igreja (cont)

Continuação do post anterior
Intransigente quanto aos princípios
Dela também aprendi a intransigência, pois ela a tinha muito. Sua irmã mais nova, chamada Zili, costumava dizer que ela era uma “teimosa mansa”. Nunca ela era teimosa com coisas pessoais, pois quando era algo de interesse próprio ela cedia com toda facilidade. Porém, quando se tratava de defender um princípio, ela era implacável!
Mestra da admiração ao próximo
Também ela me ensinou o modo de admirar as pessoas. Era muito raro ela fazer um comentário malévolo em relação a alguém. Criticar alguém por ter adotado uma posição revolucionária era muito incomum; via-se que ela tomava atitude de descontentamento, mas só a vi criticar alguém quando era para abrir meus olhos ao mal que essa pessoa poderia me fazer.
Nobilitada pelos sofrimentos
Dentre todos esses exemplos que via nela, o que mais estava acentuado era sua atitude diante da dor.
Sua vida foi muito cheia de sofrimentos. Já moça, tardou muito em se casar; o normal era que toda moça se casasse, e cedo.
Ela temia que, morrendo o pai dela, a vida da família toda mudasse e ela ficasse como uma solteirona, o que naquele tempo era uma coisa inconcebível. Ela chegou a pensar em ficar freira, mas ela não tinha verdadeira vocação religiosa. Meu avô disse isso a ela, mas deixou-a livre para escolher. Mas a confiança que ela possuía no pai fazia com que sua opinião fosse decisiva.
Após ter se casado, durante muito tempo viveu entre a vida e morte, a tal ponto que teve que ir à Alemanha para submeter-se a uma dolorosa e arriscadíssima operação. Diante de todos os sofrimentos, ela aceitava a dor como sendo um fator que enobrece a vida. Para ela, quem não sofreu não viveu, pois o normal da vida é sofrer, e fazê-lo com paz, suavidade e ânimo. Ser derrotado nos acontecimentos da vida não é nada se, dentro desses acontecimentos, se toma as atitudes que devia, enfrentando-os sem se incomodar. A aceitação desses sofrimentos, de fato, trouxe para ela uma extraordinária nobilitação, dando-lhe, no fim da vida, o aspecto de uma matriarca sumamente venerável, respeitável e doce, que encantava todos que a conheciam.
Perfeita contrarrevolucionária tendencial
Outro aspecto da formação que recebi de Dona Lucilia é o seguinte: por causa dessa elevação de alma dela, eu me dei conta de que se eu aceitasse qualquer dos postulados da Revolução, que iam surgindo, eu tomaria, pela lógica que há nas coisas, uma posição de alma contraria à elevação de espírito dela. Ainda quando se tratasse de matérias, princípios e problemas que ela nem sequer conhecia. Mas a alma dela era tal que, como que, vivia por cima de toda esta temática, e embora não a conhecesse inteiramente, por eminência continha a Contra-Revolução.
Desta forma era incompatível com aquela elevação que havia na alma dela quem aderisse à Revolução; e mesmo quando se aceitasse somente algumas de suas teses, isso pressupunha uma fratura com o estado de espírito de Dona Lucilia. Vista por esse ângulo, a Contra-Revolução estava presente nela.
Esta elevação de espírito que havia em Mamãe teve grande papel no fato de eu rejeitar as tendências revolucionárias que surgiam.
No campo das ideias nunca vi Mamãe aceitar uma posição revolucionária, mas ela não as compreendia com toda a profundidade, mas tendencialmente Dona Lucilia foi profundamente contrarrevolucionária.  

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 29/11/1981

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Incomparável intérprete da Santa Igreja

Dona Lucilia agia nas tendências de seu filho de maneira que, mais tarde, este pudesse explicitar a verdade. Vejamos uma descrição dada por seu filho Plinio Correa de Oliveira.
Quando meus olhos começaram a se abrir para a Igreja Católica, pelo favor de Nossa Senhora, vi desde logo que ela era divina e infalível, e aceitei-a como tal.
Nessa compreensão Dona Lucilia teve um importante papel, pois percebendo inúmeras afinidades entre a alma dela e o espírito da Igreja eu compreendi muita coisa da Igreja por aquilo que eu conhecia de Mamãe.
Também logo se tornou claro em meu espírito que o padrão da verdade não era Mamãe, mas sim a Igreja. Porém, muitas das explicações sobre a Doutrina da Igreja eu entendia porque interpretava à luz do que eu via em Dona Lucilia e aprendia dela. Quer dizer, ela foi uma intérprete incomparável da Igreja para mim. das mães, o qual ela cumpriu eximiamente.
Cumprido o maior dever de mãe
Minha seriedade de alma se deve em larga medida a ela. Caso eu não tivesse conhecido a Igreja, eu teria jogado isso tudo pelo caminho. Pois foi a Fé que me robusteceu nisso, espero em Nossa Senhora que definitivamente.
Mas, se a Fé teve tanta eficácia foi porque — como uma mãe ideal — Dona Lucilia preparou-me de modo incomparável para recebê-la. Este é, segundo a Doutrina Católica, um dos mais importantes deveres das mães, o qual ela cumpriu eximiamente.
Modelo de verdadeira amizade
Dentre as inúmeras coisas que aprendi dela, estão as seguintes: A prestatividade é um dos sinais da amizade, mas não é sua substância. A substância da amizade é a atração cheia de benevolência, produzida pela semelhança. Semelhança que deve ser segundo Deus, do contrário é inútil. Esta semelhança produz uma afinidade e uma benevolência que se explicam pelo princípio: “omnes ens apetit sum esse” — cada ser ama seu próprio ser — e, portanto, ama aquilo que é semelhança dele. Esta benevolência comporta uma ternura e um afago que levados a fundo, como era levado entre ela e eu, podem chegar a um grau supereminente que desabrocha em compaixão e paciência.
A compaixão, por sua vez, leva à contemporização e ao perdão. Foi por ela que Santa Mônica, apesar dos maiores desatinos do filho, não deixou de querê-lo bem e esperar seu retorno como o do filho pródigo. Essa benevolência, não basta descrever teoricamente para compreendê-la; é preciso tê-la sentido.
Não pude deixar de lembrar-me de Mamãe quando li a afirmação de que Santa Teresinha considerava a amizade uma coisa tão séria que uma vez que ela a tinha dado a uma pessoa ela não rompia nunca. Ainda quando o outro lado rompesse, ela conservava suas disposições benévolas intactas, para o caso de o outro lado abrir-se de novo.
Essa longanimidade e paciência existiam em Dona Lucilia num grau inimaginável. Nela eu nunca vi cólera, ressentimento, desejo de vingança, alegria pelo mal ocorrido a alguém que a tivesse feito algum mal individualmente. Pelo contrário, o que sempre notei nela era uma completa equanimidade, não só para com as pessoas que tivessem feito mal a ela, mas também — o que para ela era mais grave — para os que tivessem feito mal a mim.
Se alguém tivesse relações muito respeitosas e cordiais com ela, mas cometesse contra mim as maiores injustiças, e depois a procurasse, ela o trataria como tratava na véspera: com tristeza, manifestando-se triste com ele, mas com o mesmo espírito afável, bondoso e acolhedor.

Este seu estado de espírito era tal que creio que se hoje, por absurdo, essa pessoa passando diante da sepultura dela encontrasse alguém rezando lá e lançasse contra ele toda espécie de injúria, eu não tenho a menor dúvida de que ela pediria a Nossa Senhora que desse uma graça e tocasse a alma dele. Chegando até este extremo de, com muita tristeza, mas com meiguice, ainda querer advogar a causa dele.
Continua no próximo post

domingo, 22 de março de 2015

Séria para com o filho

No dia de minha formatura na Faculdade de Direito, ocasião em que  os estudantes usavam fraque e cartola para a cerimônia, lembro-me de  um fato que me impressionou profundamente  pela  seriedade  de  Dona Lucilia. A formatura realizou-se  no prédio da faculdade. As famílias  dos que se formavam compareciam  inteiras ao salão nobre, grande e de  boa aparência, da própria faculdade,  para a realização de tal cerimônia.  Todos os docentes com becas, numa  atitude muito solene. Eram chamados, um a um, os vários alunos, e entregava-se o diploma. 
Tive eu também que mandar fazer meu fraque. Entretanto, por não  considerar nada agradável o fato de  experimentar as novas roupas, para  que o alfaiate com alfinetes e giz pudesse tomar as medidas correspondentes, adiei um tanto a encomenda  do fraque.
Resultou daí que o alfaiate prometeu aprontar o fraque para o dia  estrito da formatura, e não para os  dias anteriores, como se costuma fazer.
Na manhã do dia da formatura, o  fraque ainda não estava pronto. Mamãe não me indagou, e também eu  evitei estar próximo dela, pois certamente  ficaria  muito  apreensiva  caso soubesse que o fraque não estava pronto. Particularmente, a formatura não era o que mais me preocupava, pois já possuía o título e podia  advogar.
Não vem o seu fraque?
Entretanto, não era desta forma  que ela considerava o fato. Sendo a  formatura  uma  grande  solenidade,  elevada, ela entendia que todos deviam prestigiar e, portanto, também  eu tinha obrigação de estar presente  em tal evento. Dar à formatura uma importância secundária não era uma  atitude séria. 
Resultado: ela com certa angústia  perguntou-me:
— Mas não vem o seu fraque, filhão?
— Mamãe, o fraque já chega. A  senhora  pode  entrar  no  automóvel  com minha irmã e meu pai, e seguem  para a Faculdade de Direito. Eu os  alcanço lá.
Notei  que  ela  não  ficou  muito  agradada, entretanto não podia fazer outra coisa. Achou melhor, então, dirigir-se para a faculdade a fim  de arranjar um lugar para sentar-se,  pois ela padecia um incômodo nos  pés, devido a sua idade, que lhe impedia de permanecer em pé por muito tempo. Então, seguiu.
Por longo tempo esperei, porém  o fraque não chegava. O que acontecera durante esse tempo, nem sequer cheguei a imaginar.  po da volta e das comemorações, ela  permaneceu inteiramente normal.
Aparente normalidade
Afinal de contas o fraque chegou.  Eu  vesti  depressa,  tomei  um  automóvel e rumei para a Faculdade de  Direito. Quando lá cheguei — a sala da formatura era um pouco longa  —, achei pelo ambiente que a cerimônia estava terminando. Fui apressadamente até à entrada da sala para  ver se ainda chegava a tempo. Quando entrei, o secretário da faculdade,  que lia os nomes dos alunos, estava  no  penúltimo  nome.  O  último  nome seria o meu, pois eles haviam me  chamado, mas como não respondesse, deixaram-me então para o fim.
Afinal,  apresentei-me  e  ele  chamou:
— Plinio Corrêa de Oliveira.
— Presente! Dona Lucilia fitou-me, com olhar alegre, enquanto fui até a frente para receber o diploma. Dirigi-me então até ela para receber seus cumprimentos, como também da família toda, e saímos. Durante todo o tem-

Pelo amor de Deus, nunca repita isso
Ao chegar em casa, Mamãe voltou-se a mim dizendo:
— Plinio, precisaria dizer uma palavra a você em particular. Venha comigo ao meu quarto.
O quarto dela, porém, era na parte  mais  interna  da  casa,  depois  de  um  corredor.  Era  um  apartamento  que ela possuía ali.
Eu a segui, e ela nada me disse,  mantendo um ar de normalidade. Tive o receio de que fosse algum drama de família, ou algo semelhante.  Entrei, ela fechou a porta a chave, e  permaneci  intrigado  por  desconhecer a razão daquele ato. 
Então, Mamãe ajoelhou-se diante de mim, atitude que nunca tomara na vida. O contrário é normal, o  filho por uma razão especial ajoelhar-se diante de sua mãe para receber a bênção dela, por exemplo.  Mas uma mãe ajoelhar-se diante do  filho, dir-se-ia que não tem propósito.
Então,  compreendi  profundamente  como  ela  tomava  a  sério  as  menores coisas da vida.
Ajoelhada diante de mim, Dona  Lucilia disse o seguinte:
— Pelo amor de Deus, mas pelo amor de Deus, você tem de prometer que nunca virá a repetir um  atraso como este. Seja pontual nas  coisas,  e  faça  tudo  com  compenetração.
— Mas mamãe... A senhora me vê  chegar sempre um tanto impontual e  nunca fica apreensiva, até um ou outro brinca comigo diante da senhora,  a senhora sorri e não se incomoda —  os parentes brincavam muito comigo porque eu vivia atrasado — e nesse caso a senhora vai tomar a sério?  Meu bem, levante-se — e quis ajudá-la a levantar.
— Não me levanto enquanto você  não me prometer.
— Mas não posso prometer uma  coisa  dessas,  pois  é  uma  mudança  completa nos meus hábitos. Faz parte de meu temperamento deixar que as coisas fluam, sem me preocupar.
Depois  disse  para  ela,  pois  era  uma forma de fazer um amável gracejo:
— É meu sangue Ribeiro dos Santos que faz isso.
Ribeiro dos Santos era a família  dela.  Então,  dava  a  entender  que  era  herdado  da  família  dela.  Eu  disse com respeito e até com carinho, mas disse. Entretanto, ela me  respondeu:
— Ou você me promete, ou nunca  mais eu quererei obrigar você a fazê-lo...
—  Então,  faremos  uma  coisa.  Prometo à senhora que em todas as  ocasiões graves e gravíssimas nunca  me atrasarei. Porém depois a senhora me explica a razão pela qual não  devo me atrasar.
—  Durante  todo  o  tempo,  sua  irmã  e  eu  ficamos  na  aflição  de  que  um  automóvel  houvesse  se  chocado com você pelo caminho,  deixando-o morto ou esticado numa esquina. Isso por você ter atrasado a encomenda de um fraque.  Está errado, você não deveria agir  dessa forma.
Sempre as consequências mais profundas
Eu a acariciei e prometi que nas ocasiões de grande gravidade jamais  me atrasaria.
As circunstâncias ou a Providência quiseram algo diferente. Eu sofri um desastre de automóvel — dirse-ia que talvez ela previa esse perigo —, porém tal fato não se deveu a  atraso  nenhum.  Lembro-me de ter chegado à  hora,  para  embarcar  no  automóvel, então ele seguiu seu curso; o desastre ocorreu por outras razões.
Então, eu compreendi como Mamãe discernia nas coisas suas consequências mais profundas, o mal que  podiam  produzir,  e  como  se  devia  evitá-lo.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 1/ 7/ 1995

quinta-feira, 12 de março de 2015

Exemplo de amor materno ( Cont )

Continuação do post anterior
Zelando pela honra dos filhos
Por experiência própria, ela sabia quanto a má saúde física faz sofrer a alma. E para evitar tais sofrimentos ela queria que fôssemos saudáveis. Mamãe contava, com todos os pormenores possíveis e como um drama, o perigo de vida pelo qual passei quando criança; ela ainda vivia aquele drama. Explicava como rezou e, depois de afastado o risco, como agradeceu.
Dona Lucilia tinha grande cuidado para que minha irmã e eu — por uma questão de honra em face de nós mesmos e também de Deus, não dos outros — fôssemos pessoas comme il faut, quer dizer, como se deve ser. Então, dentes, o asseio em geral, alguma preocupação de saúde, mas, sobretudo a noção de honra, que é uma idéia católica, e no tempo dos pais dela, era uma tradição. Por exemplo, na pintura representando a mãe dela, a idéia de honra da pessoa perante si mesma está presente, e também, de modo menos saliente, nas pessoas retratadas em outros quadros de nossa residência.
Há determinadas regras para que as pessoas se tornem dignas. Naturalmente ela cuidava de alguns aspectos disso com relação a minha irmã, segundo certo matiz; é a ordem das coisas. Comigo era de outro modo.
Mamãe acompanhava muito toda a minha vida, sabia onde e como eu estava, quais eram os meus horários de refeição, de saída, de chegada, entretanto sem ar de fiscalização, nem mesmo de vigilância, mas simplesmente com atenção. E atenção extrema, acompanhando certos pormenores, como, por exemplo, a roupa que eu trajava.
Síntese das tradições da família
Por alguns lados Dona Lucilia era uma síntese das tradições de sua família; por outros, um renouveau de uma série de coisas que, ao longo das gerações, foram sofrendo um processo de modernização e, portanto, se alterando. Em algumas matérias ela comunicava — para usar uma expressão atual — uma mensagem inteiramente diversa. Em outras refletia propriamente a tradição.
O essencial da nota que diferenciava mamãe das outras pessoas era o seguinte: a idéia da verdade absoluta, do bem absoluto, do eterno, imperecível, era muito mais tênue nos outros do que nela. De maneira que eles não se opunham, em princípio, a nenhuma modificação; iam sempre acompanhando numa linha conservadora. Enquanto ela, sendo o caso, reagia: “Isso não pode ser. Há aqui um princípio, um modo de ser, uma tradição imutável da qual não abro mão.”
Ela conservava as tradições católicas com muito mais fé do que seus antepassados. Não quero dizer que não possuíssem fé, mas não tinham a fé que ela possuía.
O afeto pelo filho vinha em larga medida por ver os lados bons de sua alma
O afeto dela para comigo vinha, evidentemente, pelo fato de ser minha mãe, mas, sobretudo, porque ela via muito bem os aspectos bons da minha alma.
Não se pode dizer que mamãe me queria “debandadamente”, pois a palavra “debandada” não tem a dignidade devida. Nela nada era debandado, embora pudesse ser com uma intensidade inteira.
Na época de mamãe, os homens eram avaliados muito mais pelo que eram do que pelo que faziam. Assim, pelo pouco que ela sabia que eu fazia, achava minha vida justificada. Em minha vida de lutas, algumas coisas ela não via, pois de modo mais consciente ou menos, tinha também a preocupação de não engrandecer o que era dela. Portanto, de não me considerar maior do que estava na proporção do universo que ela conhecia.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 14/3/81

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Exemplo de amor materno

O modo de ser, as atitudes, a maneira de falar de Dona Lucilia causaram profunda e duradoura impressão em seu filho. Durante toda a sua vida, Dr. Plinio se recordará de episódios e situações que o deixaram encantado. Acompanhemo-lo em algumas dessas recordações.
Entre Dona Lucilia e mim não havia esse relacionamento mãe-filho tão comum e que poderia ser expresso com um exemplo: ela aproximar-se de mim e dizer-me alguma vez: “Meu filho você deve estar sofrendo com tal coisa...”; e eu responder: “Mas, meu bem! a senhora também...” Isso absolutamente nunca acontecia. Havia de parte a parte uma espécie de pudor nesse ponto.
Presença suave, cerimoniosa e comunicativa
A presença dela me era muitíssimo suave. Eu percebia como mamãe aguentava suas dificuldades, e isto me ajudava a entender o que eu devia fazer para suportar as minhas. Mas julgo que a maior parte dos meus revezes, ela não percebeu, pois estavam inteiramente fora do ângulo de visão dela. Sua vida era de tal maneira segundo outro estilo, que mamãe não tinha possibilidade de compreender certos problemas com os quais me defrontava.
Ela me tratava com carinho, porém sempre mantendo certa distância cerimoniosa. Era um modo de ser próprio à sua família, pelo qual as pessoas se comunicavam muito entre si, sem falar.
Devoção a Nossa Senhora
Na família dela havia devoção a Nossa Senhora da Penha, cujo santuário em São Paulo era considerado como uma fonte de milagres. Em casos de aflição ou coisas semelhantes, era muito frequente as pessoas exclamarem “Nossa Senhora da Penha!” Até quando eu era mocinho, faziam-se promessas de ir a pé até a Penha, para se conseguir algum benefício. Eu mesmo fiz uma promessa de caminhar até lá.
Mamãe foi em moça, já casada, mais de uma vez à Penha. Ela tinha muita devoção a Nossa Senhora, que foi se tornando muito mais saliente à medida em que eu, gota a gota, fui-lhe transmitindo a doutrina da Mediação Universal de Nossa Senhora e considerações sobre Ela.
Falei-lhe sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, a consagração a Nossa Senhora, mas não a respeito da escravidão, porque ela não entenderia. A diferença de meridiano entre a geração dela e a seguinte é enorme!

Para mamãe, a escravidão se referia, primariamente, à que sofreram os negros e contra a qual o pai dela lutou, porque era um abolicionista; o Dr. João Alfredo, tio de meu pai, trabalhou nesse sentido; e a Princesa Isabel, uma eminente personagem, aboliu a escravidão no Brasil.
Continua no próximo post

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Formando seus filhos no seio da Igreja

Em relação a seus filhos, Dona Lucilia exercera de modo exemplar seu papel de educadora, dando à religião uma importância primordial. Assim, narra Dr. Plinio, alguns aspectos da formação religiosa que recebeu de sua mãe.
Quando ainda muito novos, minha irmã e eu fomos instruídos no Catecismo por Dona Lucilia.  A fim de nos preparar para a primeira comunhão, ela nos contava a História Sagrada.
Doçura penetrante de carinho
Lembro-me  que,  durante  esta  preparação,  mamãe  falava especialmente da doçura de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Ela nos apresentava esta doçura penetrante de carinho, de afabilidade, de bondade.
Sem dizer explicitamente,  quando  ela  nos falava da bondade d’Ele, dava- nos a  idéia de uma bondade majestosa, a qual supera qualquer majestade terrena.
Em  suas  narrações,  tudo  quanto  Nosso Senhor fazia era de modo sereno, cheio  de significado, medido com uma sabedoria  que transcendia, de longe, qualquer sabedoria criada. Ora ela acentuava a bondade, ora  a superioridade absoluta d’Ele. Porém sempre com uma nota — a qual, aliás, corresponde ao Evangelho — de tristeza. A Paixão nunca estava ausente de suas narrações.
Uma Terra Santa lendária
Ela imaginava a Terra Santa um pouco  lendariamente. Para ela, deserto da Palestina, por exemplo, era como o Saara, quando, na verdade, os desertos da Terra Santa,  senão raras vezes, tem a poesia deste outro. Lembro-me dela pronunciando certos  nomes como “Mar de Tiberíades”. Quando ela dizia “Mar de Tiberíades” eu tinha  a impressão de estar vendo as ondas se formando naquele mar.
Os personagens do Antigo Testamento eram apresentados por ela como profetas grandiosos, menos doces do  que categóricos, de modo que, quando eu vi os profetas  de Aleijadinho, me lembrei dela e pensei: esses são os  profetas dos quais mamãe falava.
As aulas de catecismo
Além das aulas que ela nos dava em casa, providenciou  que o Monsenhor Marcondes Pedrosa, pároco da igreja de  Santa Cecília, paróquia à qual pertencíamos, nos ministrasse aulas de catecismo. Estas aulas eram particulares, só para minha irmã, para uma primazinha que era educada conosco e para mim. De maneira que duas ou três vezes por  semana íamos à paróquia, onde ele nos ensinava o catecismo especialmente. Ela teve sempre muito cuidado nisso.
Entretanto estas não foram as principais contribuições  dela para nossa boa formação. Inscrever os filhos no curso  de catecismo, dar ela mesmo algumas aulas, isto toda boa  mãe fazia. O principal era, entretanto, o que transparecia  no contato com ela. Nesse convívio eu sentia todas as suas  excelências morais que ela possuía: amor, calma, dignidade, afeto, seriedade, etc. Isto me atraía muito.
“Eu prefiro mamãe”
Lembro-me, por exemplo, de um fato que deixa transparecer o quanto eu a admirava e era por ela atraído. 
Certa vez, adoeci e fui obrigado a acamar-me. Estava muito aborrecido por ter de ficar de cama, o que para  uma criança não é nada agradável... 
Mamãe foi visitar-me juntamente com uma irmã dela, tia Zili. As duas se aproximaram de minha cama e minha mãe disse:
“Olha, Zili está com o tempo livre e pode cuidar de  você. Eu também tenho tempo livre, de maneira que você veja qual das duas você prefere.” 
A minha tia era muito mais nova do que ela, muito viva, engraçada, contava coisas interessantes.
Eu me lembro de olhar para as duas e pensar: “vai ser  muito menos pesado recuperar-se ao lado de uma tia que  canta, faz brincadeiras, diz coisas engraçadas, com ela eu  vou ter muita ocasião de rir e isto vai tornar a minha doença mais leve.”
Depois olhei para mamãe, e os olhos de mamãe me  olhavam com uma calma muito plácida.
Eu disse então:
— Tia Zili, a senhora é uma “vice-mãe” para mim,  mas mãe mesmo é mamãe. Eu prefiro mamãe.
Dona Lucilia, fruto da Igreja
Aos domingos, íamos à missa na igreja do Coração de  Jesus. Eu gostava enormemente da igreja. Após entrar e  nos colocar junto ao banco, eu me ajoelhava ao lado dela, o que, aliás, ela gostava muito, e enquanto ela rezava,  eu prestava atenção no ambiente e percebia que havia  uma enorme semelhança, quase uma unidade de espírito, entre ela e o ambiente da igreja. 
E pensava: “Qual! Como ela é semelhante a isto! No  fundo, mamãe é um fruto disto e ela não seria como é se  a Igreja não a modelasse”.
Quando fiquei mais velho compreendi o que é a Igreja Católica. Percebi, então, que a fonte de toda virtude  que pudesse haver em qualquer homem é a Igreja Católica. Concluí que o mal consistia em estar fora da Igreja  ou contra ela. E, todo o bem consistia em estar dentro da  Igreja e quanto mais dentro melhor. 
Vê-se, com isto, que mamãe me conduziu, pelo convívio e exemplo dela, à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, à devoção a Nossa Senhora. Ela me ensinou a amar a  Santa Igreja Católica. 

Plinio correa de Oliveira – Extraído de Conferências de 21/9/82 e 25/7/94

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Exemplo de perfeição

Com extrema maternalidade, Dona Lucilia procurava orientar seus filhos para uma vida de perfeição. Dr. Plinio se recorda de fatos do dia-a-dia que deixam transparecer a bondade de sua mãe.
Se houve uma pessoa que me deu todas as formas de exemplos de perfeição, foi Dona Lucilia. Em primeiro lugar pela sua elevação moral. O espírito dela tinha certa tendência, continuamente manifestada, para o que há de mais alto, mais belo, mais delicado.
À noite, após fazer todas suas orações, ela me esperava chegar da rua para trocar mais uma palavrinha comigo. Eu percebia que o tempo decorrido entre o término de suas preces e minha chegada era considerável, às vezes três quartos de hora. Mamãe estava cansada, com sono, mas não queria ir dormir. Não sei no que ela pensava, mas eu notava que seu espírito se desprendia de regiões mais altas do pensamento para descer e conversar comigo.
Espírito impregnado pelo “perfume” da elevação
Imaginem uma pessoa que subisse em uma montanha, no alto da qual houvesse árvores com flores perfumadíssimas, e lá ficasse certo tempo. Quando descesse, seus trajes estariam penetrados do cheiro daquelas flores. Assim, eu tinha a impressão de que seu espírito ficava impregnado do perfume das coisas nas quais ela tinha pensado.
Eu não ia conversar com ela para tratar de algum assunto específico, mas apenas por ser seu filho; era inteiramente espontâneo. E aquilo que me ocorresse e tivesse a vontade de dizer-lhe naquele momento, eu falava. Ainda que fosse uma coisa insignificante, por exemplo, um episódio com o cobrador das passagens de bonde porque ele não tinha troco. Ela entrava naquele assunto, embora fosse minúsculo.
Algumas vezes mamãe me perguntava: “Filhão, o que você fez hoje à tarde após sair do escritório?” Eu lhe contava: fui ao dentista ou ao barbeiro ou a uma loja paracomprar um par de sapatos. Ela prestava atenção e iluminava o assunto pelo espírito dela, fazendo assim que o tema deixasse de ser banal.
Mas não prolongava a conversa perguntando: “Onde estão os sapatos? São bonitos  ou feios?” Normalmente as senhoras se interessam por essas coisas.
Aliás, eu gostava de sapatos bem largos, e a única preocupação dela nessa matéria tão banal era que, sendo folgados demais, de repente me causassem um tombo. Então ela sempre dizia:
— O sapato não é largo demais?
Eu sorria e respondia:
— Para meu gosto não, para o seu é.
— Olha, filhão, você toma um tombo... — Reze por mim — e encerrava o assunto.

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