quarta-feira, 9 de novembro de 2016

“Um agrado de Plinio”

À semelhança das senhoras de seu tempo, mamãe usava uma pulseira de marfim com incrustações, vinda da Europa. E eu, aos doze ou treze anos, brincando com o braço dela — não sem alguma brutalidade inerente aos meninos que vão se tornando mais velhos —, girava a pulseira, e, sendo o marfim um material muito duro, machucava-a um pouco. Não se tratava de nada muito grave, mas, sendo a pulseira muito dura, isso fez uma mancha escura num ponto de seu braço. E ela não se queixou de nada; em vez de se zangar — porque uma mancha dessas é feia, uma senhora não gosta de ter isso —, ela ficou encantada.
Certo dia, quando almoçávamos em casa de minha avó, onde morávamos, uma pessoa da família perguntou para ela:
— Lucilia, o que é esta machucadura em seu braço?
Ela olhou — para ter tempo de pensar — e depois disse com muita naturalidade:
— Isso foi um agrado do Plinio.
Foi uma gargalhada geral na mesa, gargalhada afetuosa, mas que mexia com ela. Era tal o encanto dela por mim, que até quando eu, involuntariamente, a machucava, ela ficava maravilhada.
Mesmo quando eu era importuno, a mansidão de mamãe a fazia ficar ainda mais encantada; e isso me deixava enlevadíssimo por ela.

A harmonia afetuosa e grandiosa que ela exprimia, fazia-me pensar: “Ela é formidável, acima de qualquer pessoa que eu conheço. Eu vejo tantas pessoas em torno dela, pessoas muito boas, mas ninguém tem essa virtude extraordinária, essa harmonia de personalidade, essa lógica e esse afeto contínuo que ela tem.”