sábado, 27 de abril de 2013

"Por que você há de ser tão ruinzinho assim?"


Embora Dona Lucilia tivesse perfeita noção de como o mundo ia piorando cada vez mais, e das dificuldades que em consequência seus filhos enfrentariam, nunca lhes permitia qualquer falta de objectividade no apreciar as pessoas.
Em certa ocasião, estando ela a conversar com Plinio, fez este um comentário depreciativo a respeito de um desconhecido, carregando demais as tintas em certos defeitos da pessoa em questão. Dona Lucilia, sempre pronta a tomar a defesa dos outros, logo atalhou:
­- Por que você há de ser tão ruinzinho assim, meu filho? Você não vê que não se deve ser desse modo? Tenha pena, afinal!...
Seu tom de voz ameno, era de quem queria dizer: “Desse pobre miserável, diga apenas o que é justo. Você não vê que eu sou benévola para com ele? Afinal, ele é filho de fulana, pessoa que tem muitos lados bons, e a quem eu quero bem por isso”.
A esse propósito, Dr Plinio comentará: “ Era tal a bondade com a qual mamãe corrigia seus filhos, que eu me sentia inteiramente tomado por sua benevolência. Esta contribuía mais para me afastar do perigo de reincidir na falta, do que o próprio temor de uma repetição da censura”.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Emulação na virtude para formar os filhos

Acredito ser oportuno ponderar que uma das atitudes que mais aflige o homem é a inveja. E esta nasce das comparações.
A experiência na vida espiritual nos mostra que o costume de nos compararmos com os outros é um dos erros mais funestos que se pode cometer. Fazendo-o, logo nascem a inveja, as feridas do orgulho, as más ambições, e uma cascata de desejos perniciosos que, não raro, darão entrada às tentações contra a virtude da pureza.
Ora, essa forma de comparação é algo que nunca vi em Dª Lucilia, fosse em relação a ela, fosse em relação aos filhos. A única ocasião em que ela se permitia de nos comparar com outros era quando nos passava alguma repreensão. Se havia uma criança que procedia melhor do que nós em determinado ponto, ela então a apontava como exemplo e dizia: “Veja tal pessoa!”
Tratava-se, porém, de uma boa e compreensível emulação na virtude, própria a nos educar. A não ser essa atitude formativa, ela jamais se comparava, nem a nós, com ninguém.
Era uma disposição de espírito em tudo coerente com a serena e invariável retidão de sua alma.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência em 13/6/1982

sábado, 6 de abril de 2013

Crescente e mútua afeição


Temos visto a solicitude materna de Dª Lucilia para com o jovem Plinio, expressa de modo especial nas cartas dessa boa mãe. É notável o acerto de seus conselhos e orientações, numa ocasião em que seu filho já ia trilhando com seus próprios passos os caminhos da vida.

Sob a proteção do Sagrado Coração de Jesus

Além de estar cursando a Faculdade de Direito, Plinio tinha começado a fazer a “linha de tiro” (“EM52”) — o serviço militar. Em carta enviada a ele do Paraná, onde se encontrava com sua filha, Dª Lucilia manifesta com afeto o desejo de o ver fardado, pergunta por seus estudos e saúde, e reitera sua firme confiança de que o Sagrado Coração de Jesus nunca deixaria de proteger o “filho querido de seu coração”.

Cambará, 23-5-929
Filho querido!

Com tantas saudades tuas, tão desejosa de uma prosinha contigo, e no entanto há dias que não te escrevo, porque tive uma forte reboldosa de fígado que me prendeu alguns dias na cama, onde fui tratada com um carinho e dedicação por tua irmãzinha, que me fizeram bem ao coração! Estou ainda com o fígado muito inchado, e sinto-me abatida, também em conseqüência da longa e forte dieta em que me acho.

24-5-929
Interrompi ontem esta, porque Rosée teve três visitas ontem até à noite, e, coisa extraordinária que tenho a te contar, fui ontem ao circo, que é perto de casa, onde assisti meio espetáculo, e fui e voltei de automóvel muito devagar, e lá dei umas boas risadas. Estou hoje bem melhor, mas ainda com medo da volta! A Sorocabana pula, corcoveia, que até dá impressão de que “sem se querer”, está-se a amansar um cavalo bravo!

Enviei-te uma longa carta registrada, em resposta àquela em que me falavas no jantar do Clube Comercial, e pelo que vejo, não a recebeste, o que me aborreceu muito. Estou ansiosa por ver-te fardado.... e “entusiasmado” pelas marchas e contramarchas. Tens estudado muito? Há quatro dias que não tenho cartas daí, será possível que estejas de novo com alguma gripe na garganta? Deus permita que não! Quero encontrar-te bem forte, e bonitão.

Agradou-me muito, imenso, saber que quando tens saudades minhas, rezas diante do meu oratório! Eu também rezo tanto por ti, e o Sagrado Coração de Jesus, nosso amor, será teu salvaguarda e protetor! filho querido de meu coração.

Recebe com minha bênção, muitos e muitos beijos de tua mamãe muito saudosa e extremosa,

Lucilia

“Insisto sobre a tua vinda quanto antes”

De regresso a São Paulo, Dª Lucilia pouco tempo permaneceu na capital paulista, pois em julho foi com Dª Gabriela a Santos, onde ficou até o fim do mês.

A despretensão, o desejo de fazer o bem e de conviver com seu filho são uma constante nas cartas por ela escritas.

Santos, 16-7-929
Filho querido!

Tua tia Zili devia ter-te entregue ontem uma carta minha, e esqueceu-se de fazêlo, devido à pressa em que andou por aí, e preocupação com o negócio da casa.

Insisto sobre a tua vinda quanto antes, pois devemos regressar no dia trinta, se Deus quiser, e agora é uma boa oportunidade para que tenhas repouso e mudança de clima, e em minha companhia, o que é mais difícil. Não é preciso que esperes que a tal moça tome conta do emprego, para que possas sair, pois não tens nenhum compromisso para isso, e mesmo se fosse necessária tua presença, serias chamado pelo telefone. Venha logo. Teu pai deve chegar aí amanhã cedo, e vir à tarde.

Beija-te e abençoa-te muito tua mamãe extremosa,

Lucilia.

Lembranças à Frau, e pessoal de casa.

Os estudos de Direito muito absorvem ao filho e ele demora para se pôr a caminho. Como as cartas rareiam, ou pelo pouco tempo de que dispõe ele, ou porque o correio não as entrega, Dª Lucilia se queixa por não receber notícias. Com palavras cheias de carinho, ele se defende da “infundada” reclamação de sua mãe. A missiva, num tom ligeiramente jocoso, dá-nos bem idéia de como o caráter tradicional e elevado do trato de Dr. Plinio com ela comportava o leve gracejo, como saboroso tempero.

Meu Queridíssimo amorzinho

Recebi hoje com muitas saudades a sua carta, porém ao sentimento intenso de saudades se superpôs outro, o de ressentimento. Será possível, Mãezinha, que a Senhora pense que não sinto saudades suas pelo simples fato de lhe ter escrito uma carta que não foi nem recebida e nem respondida? Será possível que a Senhora pense que se não lhe escrevi mais é por não ter tempo pois que continuamente me divirto? É bom, meu amor, que a Senhora tome em consideração o fato de eu só ter estudado e nada mais, e que a meus estudos que de per si já eram muito apertados (fazem-me levantar às 6 até nos domingos para estudar e obter boas notas que tanto a alegram) veio a se acrescentar o de filosofia muito mais intensificado por causa do Supremo Tribunal Federal (...) e a vasta Literatura internacional. Dito isto que parece-me mais que suficiente não só para neutralizar sua opinião a meu respeito como para a fazer voltar a idéias contrárias, quero informar-me de sua saúde e de seu “figadório”, pois que já tratamos de seu coração injustamente magoado.

Como vai vovó? A casa sem as Senhoras é triste como um túmulo e quem salva a situação é Rosée. Quando é que as senhoras voltam? (...)
É escusado dizer que esta carta é para vovó e para a Senhora pois que as duas em meu coração estão no mesmo pé.

Abraço e beijo-as com carinho efusivo e peço-lhes a bênção.

Plinio

Como é fácil notar, durante as longas ausências de Dª Lucilia, Plinio procurava minorar-lhe as saudades, escrevendo-lhe a respeito do seu dia-a-dia, cada vez mais tomado não só pelos estudos, mas também por seu apostolado nas Congregações Marianas.

Crescente benquerença

A partir de 1928, Plinio se entregou por completo às atividades do Movimento Católico. Em 1929 fundou a Ação Universitária Católica, AUC, que reunia estudantes católicos de diversas escolas superiores.

Dª Lucilia aceitou, nessa ocasião, o sacrifício de algo extremamente precioso: boa parte do inefável convívio com seu filho. Nos anos seguintes, com o desenvolvimento da atuação dele, esse afastamento não faria senão aumentar. Sem embargo disso, por uma interessante troca de cartas entre mãe e filho, em julho de 1930, pode-se entrever o quanto o inevitável rareamento dos encontros entre ambos só contribuiu para o crescimento da mútua benquerença.

Nesse mês, Plinio viajou com Mons. Pedrosa, de automóvel, ao Rio de Janeiro, a fim de travar contato com líderes católicos da capital federal. De lá escreveu duas afetuosas cartas a Dª Lucilia. 

Na primeira, datada do dia 15, narra todas as peripécias do percurso.

De passagem pelo Santuário de Aparecida, rezou por sua mãe, acendeu uma vela por Dª Gabriela — cuja saúde exigia especiais cuidados devido à sua avançada idade — e outra pelos familiares restantes. Além de contar todas as visitas que fez a parentes e conhecidos, elogia o esplêndido tratamento dispensado a ele por Mons. Pedrosa. Uma única coisa lamenta: a ausência de sua “queridíssima mãezinha”, pois — diz ele — “a todos os numerosos prazeres que Deus me tem dispensado nesta viagem, está constantemente anexo o desgosto de não ter sua companhia para melhor os apreciar”. E mais adiante reafirma: “Como já lhe disse, a única coisa que empana minha alegria é a saudade de minha Mãezinha. Quanto ao mais, minha alegria é completa. Isto é uma delícia”.

Antes de terminar, relata nestes termos os passeios que fez na “Cidade Maravilhosa”:

Visitei, hoje, as Igrejas de Candelária (portas maravilhosas, o resto rico e bonito), a belíssima Catedral (estilo barroco de incomparável majestade) e a Igreja de São Bento, a coisa mais deslumbrante que jamais tenha visto. É tão bonita que seria inútil e ridículo descrevê-la.

Fui, depois, aos jesuítas, meus caros jesuítas tão amigos de Tio Adolpho. Encontrei lá, entre outros, o Pe. du Dréneuf, que, com os demais, muito me festejou.

Jantei com Monsenhor e o José Pedrosa, otimamente, no Sul América, isto é, Rotisserie. Estou chegando da Cinelândia. Procurarei amanhã pela parentela.

Até logo, meu queridíssimo benzinho. Aceite milhares de beijos do filho que muitíssimo a respeita e quer, e lhe pede a bênção

Pigeon

N.B. Descobri aqui uma rua Corrêa de Oliveira, importante travessa da R. do Catete. Subiu-me pigarro à garganta...

Dª Lucilia deve ter ficado preocupada enquanto não teve notícias de seu filho, pois, segundo a concepção dos antigos, uma viagem era sempre perigosa, cheia de surpresas. Apenas recebida a esperada carta, respondeu a ela. Desde as primeiras linhas vêm à tona os sentimentos de gratidão que sempre caracterizam as almas nobres.

São Paulo, 17-7-1930
Filho querido de meu coração!

Com que prazer, com que satisfação, li e reli tua carta tão ansiosamente esperada! Cheia de reconhecimento, em uma oração já agradeci a Deus pelas boas notícias de que é portadora. Realmente, não sei como agradecer ao nosso bom Monsenhor todo o carinho e desvelo que te tem dispensado, e espero em Deus, meu filho, que saberemos provar-lhe que lhe somos gratos por tudo que por nós tem feito. Vê se lhe podes ser de alguma utilidade, e não percas as ocasiões de te mostrares grato, e afetuoso para com ele.

Agradeço-te imenso as orações feitas por minha intenção no Santuário de Nossa Senhora da Aparecida, e espero que tenhas alcançado por Seu intermédio, muitas graças e bênçãos. Tenho achado uma falta enorme em ti, querido, mas mesmo assim, me alegro de que tenhas podido fazer este passeio, e estejas apreciando devidamente este belo Rio, e sinto mesmo, que não possas te demorar mais uns dois dias.

Temos tido muita chuva, e um frio intenso, e sei que aí também a temperatura caiu, e tem chovido, e sinto que não guardes uma impressão do Rio “verde e azul” como ele se mostra quando o tempo está firme.

Tenho, como sempre, rezado muito por ti, mas mesmo assim, te recomendo mais uma vez, muito juízo, meu “pinbinsh”.

Recomenda-me muito a Monsenhor Pedrosa e ao Sr. seu irmão. Lembranças de todos de casa.

Com minhas bênçãos, envio-te saudosa, muitos beijos e abraços. De tua mamãe extremosa,

Lucilia.

No mesmo dia 17, Plinio postava uma segunda carta para sua mãe, contando-lhe outras impressões do Rio de Janeiro:

Queridíssima Mãezinha [Passei] um dia cheio das mais agradáveis impressões.

Fui de manhã à Biblioteca Nacional, onde pude ver uma organização admirável, e um conjunto de livros antigos, verdadeiramente imponentes. Admirei, entre outras preciosidades bibliográficas, a primeira edição dos Luzíadas e uma Bíblia de 1480 ou 90 + ou -. Depois de um almoço ótimo no Heyme, fui à Gruta da Imprensa, de auto. É a mais bela coisa que tenha visto, em matéria de panorama. Fui, depois, a uma longa, longuíssima, mas agradabilíssima reunião de católicos ilustres. Jantei otimamente, e fui visitar o Primo Pe. Luiz. Encontrei-o muito bem, mas avelhantado. Muito me agradou, etc.

Dei, depois, um giro na Av. Central e estou de volta agora, 12 h + ou -, depois de um sorvete de damasco em uma confeitaria com cadeiras na rua.

Como vai minha mãezinha, de quem estou tão saudoso?

Lembranças a todos e 10000000000 de beijos do filho que, com o mais carinhoso respeito lhe pede a bênção.

Pigeon

Quando Dr. Plinio fez essa viagem, o Brasil vivia os últimos meses da “República Velha”. Um golpe de Estado, que estava sendo preparado, instauraria uma nova ordem de coisas no País.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dª Lucilia”, de Mons João S. Clá Dias)