Havendo acompanhado por
mais de 50 anos o convívio de pais, Dr. Plinio podia dar o testemunho de nunca
haver presenciado uma desavença entre eles. Nunca uma palavra áspera ou um
levantar de voz, nem tampouco uma bravata ou um gesto de mal-humor.
“Dr. João Paulo era o mais pacífico e cordato
dos homens”, contava Dr. Plinio, “e Dª Lucilia, uma senhora boníssima. Ele
morreu com 84 anos e ela, com 92. Portanto, longa vida conjugal.
“Claro, às vezes eles
entravam em desacordo e discutiam. Ambos eram pessoas inteligentes, e apresentavam
argumentos apertados de parte a parte. Porém, o máximo que acontecia, quando
meu pai ficava com os nervos um pouco mais tomados, era ele dizer para mamãe:
‘Senhora, mas esta opinião?!’ Parece que é comum no Nordeste o marido zangado
chamar a esposa de ‘senhora’. Não era uma atitude de desaforo, mas quase uma
cortesia.
“Por sua vez, mamãe
tinha um modo característico de levantar a cabeça e contestar. Usava um
penteado em forma de coque, e um certo jeito de movê-lo era sinal de desacordo.
Manifestando-se às vezes dessa maneira, ela dizia: ‘Não, João Paulo, eu não
acho isso...’
“Acima dessas minúsculas
e inevitáveis desavenças, mamãe devotava a seu marido o respeito e a obediência
que se deve esperar de uma esposa verdadeiramente católica, de maneira que ela
nunca teria feito nada que fosse do desagrado dele.
“A única circunstância
em que ele se impacientava — para o bem de mamãe — era quando ela, à medida que
foi avançando em idade, em vez de se deitar, ficava rezando até altas horas da
madrugada. Como pernambucano, habituado a se recolher cedo, papai assustava-se
com aqueles horários tardios, julgando-os prejudiciais à saúde da esposa.
Então, quando o relógio batia uma hora, uma e meia da manhã, ele às vezes se
levantava da cama e se dirigia até a sala onde ela se encontrava imersa nas
suas orações.
“Cena por mim
presenciada em diversas ocasiões: papai se detinha um pouco atrás dela; mamãe
percebia a presença dele mas não se voltava, continuando a rezar. Ele dizia:
“— O que é isto,
senhora?! Já são quase duas horas!
“Ela não se importava,
fazia-lhe um pequeno sinal, amável, como quem diz: “Já estou indo”, mas acabava
por rezar tudo o que ela queria...
“Às vezes ele retornava,
insistia, e mamãe então encerrava suas orações, acompanhando-o para o quarto.”
Continua