terça-feira, 19 de novembro de 2013

O afeto de uma mãe

Vejamos pelas palavras de Plinio Correa de Oliveira alguns aspectos da bondade de Dona Lucilia.
Um dos predicados morais de Dona Lucilia que mais me tocava e estreitava minha união com ela era sua compaixão. Em diversos episódios e circunstâncias me era dado notar a ternura de mamãe para comigo e o modo como considerava as necessidades de uma criança, máxime sendo filho dela. A fragilidade daquele ser pequenino despertava em seu coração materno um desejo de proteção, ao lado de uma compreensão íntima, pormenorizada e delicada das carências próprias às condições de um menino.
Compassiva nas doenças do filho
Ela percebia bem como eu mesmo sentia as minhas debilidades, e me acompanhava com um olhar solícito, como quem diz: “Essa é a trajetória de todo homem. Mas, é natural que um homem tenha uma mãe, e que esta seja toda ternura para ele. É conforme à lei da vida que as coisas se passem assim; você deve se sentir compreendido em tudo e não ter nenhuma espécie de amor próprio falso que lhe faça esconder de mim a sua debilidade. Pelo contrário, coloque-a em minhas mãos, que eu tratarei dela”. Essa disposição me era manifestada com um sorriso cumulado de afeto, e da promessa de que ela atravessaria comigo aquele caminho semeado de dificuldades.
De maneira especial, a compaixão de Dona Lucilia se mostrava inteira quando eu adoecia. Nessas circunstâncias, seu desvelo e seu carinho eram levados ao extremo, com uma preocupação inteira por causa de minha doença. Eu, sempre observador, não deixava de considerar sua atitude ao entrar no meu quarto nas pontas dos pés, sorrindo, com um copo de remédio de homeopatia nas mãos, e dizer-me: “Filhinho, chegou a hora de tomar o medicamento”. Na verdade, era a consolação de minha alma tê-la ali perto, e a presença dela compensava a dor que eu sofria.
Como se sabe, as analogias na cabeça de uma criança são vivazes, e eu fazia correlação entre o refrigério da água com que eu tomava o remédio e a bondade de mamãe. Pensava: “Ela é para mim o que esta água é para meu corpo doente — um refrigério. Sinto o meu espírito refrigerado na companhia dela”.
O mesmo desvelo na maturidade de Dr. Plinio
Essa compaixão manifestou-se invariável ao longo de toda a vida dela. Por exemplo, quando eu já era homem feito e formado, morávamos numa casa na Rua Itacolomi, onde tive uma indisposição física muito forte. Mamãe, num tom afetuoso e inquiridor de quem havia percebido, me perguntou:
Filhão, você está indisposto, não é?
Meu bem, realmente estou, mas prefiro não recorrer aos seus médicos. Eu não gostaria de dizer “não” à proposta da senhora de chamar algum deles, mas sobretudo não quero dizer “sim”.
Ela, com sua calma característica, aproximou-se de mim e colocou a mão sobre minha testa, e só aquele contato o frescor de sua mão me transmitiu alívio e tranquilidade. Disse-me: “Você está com febre”. E eu pensei: “Agora ela vai colocar o termômetro e este indicará 38°, 39°. Mamãe ficará preocupada e eu vou me meter em uma engrenagem que não me agrada em nada”. Ela pôs o termômetro e, após alguns minutos, verificou a temperatura.
Não é nada. O que você quer fazer meu filho?
Meu bem, quero ganhar tempo, deitado e tranquilo. Então, ela trouxe uma cadeira do quarto, colocou-a próximo à minha cama, sentou-se e começou a rezar. Ali permaneceu durante horas, até anoitecer. Em certo momento, eu disse:
Meu bem, estou com muita fome e a senhora vai querer que eu coma algo.
Diga o que você quer que sua mãe traz.
Ela mesma foi preparar o que eu pedi, serviu-me, conversamos um pouco, e quando nos despedimos ela me disse, no mesmo tom de carinho e solicitude: “De outras vezes, você não esconda nada de sua mãe, porque ela percebe e não vai lhe impor coisa alguma”.
Só então eu percebi como ela não considerava bagatela aquela minha indisposição. Entretanto, a rogos de Nossa Senhora, a Providência me favorecera com boa saúde e na manhã seguinte eu já estava recuperado. Assim que me levantei, fui ao quarto de mamãe para cumprimentá-la, tranquilizá-la e agradecê-la pelos cuidados da véspera. E retomamos a vida comum de todos os dias.
Porém, ficara-me a certeza de que, se a doença se agravasse, o desvelo dela se desdobraria até o fim.
Extraído de conferência 11/1/1982

sábado, 9 de novembro de 2013

Suavizante bondade

Entre os edificantes aspectos da pessoa de sua mãe, Dr. Plinio apreciava a elevada clave de espírito em que ela se situava e da qual provinham seu afeto e sua benevolência, tão atraentes quanto consoladores. Na verdade, Dona Lucilia procurava, habitualmente, considerar todas as coisas em função do parâmetro absoluto que é Deus.
Quando menino de 2 ou 3 anos acordava durante a noite e saía do meu berço — colocado ao lado da cama de Dona Lucilia — para ir me sentar sobre o peito de mamãe. Abria seus olhos com a mão e começava a analisá-la.
Líquidos de sabores semelhantes em taças distintas
Creio que, instintivamente, conforme os rudimentares anseios de uma criança nessa idade, eu percebia através do modo como ela então me tratava, a expressão de uma bondade superior, arquetípica, cuja manifestação me apareceria mais tarde, quando me fosse dado compreender a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus para conosco.
Essa afinidade entre a bondade e a compaixão infinitas d’Ele com as de mamãe sempre me chamou a atenção. Aos olhos de menino, essa consonância poderia ser comparada a duas taças a mim oferecidas, com líquidos cujos sabores me pareceriam análogos. Eu tomaria de uma e me deliciaria com seu conteúdo; pouco depois, beberia da outra, e igualmente me sentiria agradado, sem chegar à conclusão de que era o mesmo líquido.
Claro está, devem-se guardar as proporções entre o finito e o infinito. Assim, ao conhecer o Sagrado Coração de Jesus, discerni n’Ele o perfeitíssimo a perder de vista, sem nenhuma ressalva ou restrição, o suprassumo do que se podia conceber em matéria de misericórdia e bondade. Entretanto, afim com a bondade de mamãe, embora incomparavelmente menor, como se Ele vivesse nela. De sorte que o maravilhamento causado em mim por Dona Lucilia, de modo mais circunscrito, era do mesmo gênero que o superior encanto produzido pelo Coração de Jesus na minha alma. Aquele era derivação deste. E quando, anos mais tarde, cheguei à conclusão de que eram coisas afins, não tomei essa definição como uma conquista nem como uma surpresa, e sim como uma constatação natural do que eu sempre sentira. Eram taças com líquidos parecidos.
Em qualquer parte do mundo ela me atrairia!”
Parece-me interessante notar que as descrições feitas por pessoas que conheceram mamãe, correspondem minuciosamente à essa impressão que ela me causava. E corroboram em mim a certeza de que, em qualquer parte do mundo onde nos encontrássemos, eu seria atraído por Dona Lucilia.
Diversas vezes, durante o nosso longo convívio, me pus este problema: qual seria o teor deste relacionamento, caso eu não fosse filho dela, mas sobrinho? E concluía que só não seria idêntico pela razão de não estarmos continuamente juntos, sob o mesmo teto. Quanto ao mais, não haveria diferença.
E se ela fosse uma pessoa que eu conhecesse noutro ambiente da sociedade paulista? A mesma resposta. Em qualquer lugar, eu teria sido conquistado pelo olhar dela, pelo seu modo de ser, e teríamos estabelecido uma amizade inabalável. E me agradaria pensar que tais sentimentos fossem recíprocos.
Daí o meu trato com mamãe se traduzir em manifestações as mais carinhosas possíveis. Chamá-la de “meu bem” a todo momento era o mínimo que eu lhe dizia, de tal maneira nossa união era completa, natural, constante. Mais que união, era uma identidade.
Reflexo da clemência de Nossa Senhora
Essa relação baseada no afeto e na bondade teve um importante papel na minha compreensão acerca da insondável misericórdia de Nossa Senhora para com os homens, especialmente para com os pecadores. Quando eu próprio me senti objeto dessa clemência da Mãe de Deus, foi como se Ela me dissesse: “Eu perdôo tudo, e por mais que você cambaleie e se apresente a mim nesse estado de penúria espiritual, terei pena e o perdoarei”. O sentir essa disposição maternal determinava em mim a idéia da proteção e do afago desinteressados de Nossa Senhora para comigo: a misericórdia d’Ela sobrepuja os últimos limites de minha miséria, cobre-os com sorriso, com ternura, com sobras de complacência, só porque eu sou o Plinio... Ora, em grau menor, eu sentia análogas disposições de mamãe em relação a mim. Portanto, sem eu saber, ela preparava meu espírito para compreender a extraordinária misericórdia de Nossa Senhora. Quiçá eu não a tivesse entendido como a entendi, não fosse esse contato prévio com o afeto de Dona Lucilia.
Ungido pelo perfume da bondade
A par dessa profunda analogia com a ternura de Maria Santíssima, eu apreciava em Dona Lucilia a elevada clave de espírito em que ela se situava e a partir da qual nos dispensava suas manifestações de afeto e benevolência. Na verdade, mamãe procurava habitualmente considerar as coisas em função de algo mais alto, em função do parâmetro absoluto que é Deus, assim como procurava atraí-las para essa elevação de alma.
De maneira que me sentia a mim mesmo sendo visto desde essa clave, e quando Dona Lucilia me agradava, era algo desse patamar que descia sobre mim, e como que me ungia. Por exemplo, quando ela me fazia o sinal da Cruz na testa, antes de ir dormir, eu percebia que alguma coisa daquela alta clave me recobria como um azeite, um bálsamo, e me fazia bem. Mas, no sentido próprio da palavra: era perfumado, suavizante, e penetrava em mim como o óleo penetra no papel.
Junto com essa elevação, a bondade invariável para comigo e para com os outros. Revestida de uma certa tristeza, igualmente comovedora, por constituir um ápice de conúbio com aquela clave elevada, na qual ela muitas vezes se sentia só: “Moro nesse patamar, que é o lugar do meu abandono. Convido-os para estarem comigo e desejo sua companhia. Porém, se não vierem, aqui permanecerei sozinha.”
Supérfluo dizer que essas qualidades de Dona Lucilia falavam imensamente à minha alma de filho...
Plinio Correa de Oliveira - Transcrito de conferência em 4/12/1985

sábado, 2 de novembro de 2013

Alma feita de harmonias

Calma dentro da apreensão, serenidade no repreender, convicção firme nos princípios. Em Dona Lucilia, todo o equilíbrio de alma era profundamente católico, como nos descreve Dr. Plinio ao recordar as suaves atitudes de sua mãe perante o cumprimento do dever.
Dona Lucilia possuía seu modo peculiar de corrigir os filhos, e na sua forma de nos repreender agradava-me constatar o equilíbrio entre a firmeza e o afeto, o carinho entristecido e condicionado, como se dissesse: “Se deixar de ser bom filho, não deixarei de lhe querer bem, mas será em outros termos”.
Com voz aveludada...
Quando havia necessidade de me censurar, ela me chamava, passava a mão pela minha cintura, fitava-me de frente com seus olhos castanhos bem escuros, e me perguntava:
Meu filho, é verdade que você fez tal coisa errada?
Diante de minha confissão, mamãe prosseguia numa análise inexorável do meu mau procedimento, e demonstrava por “a + b” tudo quanto aquela ação tinha de ruim. E ela o dizia com o timbre de voz aveludado, nunca estridente, pelo qual percebia-se a sua tristeza em nos fazer sentir a reprovação que aquilo merecia. De maneira tal que eu acabava compreendendo quanto era justa a repreensão, e com esta me tornava consoante. Terminado o pito, Dona Lucilia acrescentava:
Agora peça perdão à sua mãe. Eu pedia perdão, osculava a testa dela e, envolvido naquele carinho, saía de junto dela como se tivesse ganho uma indulgência plenária...
Cumpre salientar, aliás, que se eu deixasse de merecer essa forma de ternura materna para comigo, sobretudo quando era corrigido, eu perderia certa comunhão de alma com Dona Lucilia, a qual não desejava absolutamente perder. E mamãe me tornava isso presente.
Equilíbrio entre calma e apreensão
Essas composições e harmonias na alma de Dona Lucilia se manifestaram sempre ao longo do nosso extenso convívio. O que se pode constatar através das fisionomias dela registradas em muitas fotografias.
Por exemplo, diversas vezes eu a vi perplexa, mantendo o semblante imóvel, sem franzir a testa, como se ela se ausentasse da própria face. Esta permanecia impassível, e o olhar posto num ponto indefinido no ar, enquanto sua alma considerava suas preocupações. Em certos momentos ela balanceava a mão, de maneira discreta.
Percebia-se, então, como no espírito de mamãe estavam presentes os princípios, a gravidade, a imobilidade e a perplexidade, perguntando-se ela, a cada instante, como agir e como conduzir de modo acertado o curso das coisas. Conservando sempre o equilíbrio entre a calma e a apreensão: “Pode ser que algo não corra como espero. Não desejo o resultado desfavorável de nenhum modo, exceto se for inevitável. Vejamos a situação com serenidade, sem aflições desnecessárias. Se não der certo, Deus é Pai, e Nossa Senhora é minha Mãe; permitirão o melhor para mim.”
A meu ver, essa calma dentro da apreensão constitui um belo estado de espírito que eu pude observar em Dona Lucilia, assim como outros que se compunham na alma dela, à maneira de ogivas.
Dificuldade do homem moderno em obedecer
Nesse sentido, chama particularmente a atenção em certas fisionomias de mamãe a conjunção entre a amenidade, a afabilidade e a intransigência nos princípios que a norteiam. E essa harmonia nos causa especial comprazimento. Por quê?
Talvez a maior dificuldade existente no homem concebido no pecado original venha a ser que, em determinado momento, pronuncia-se nele um pendor oposto ao dever. E essa inclinação em geral é para o agradável, pois ninguém se sente atraído para o dissabor. Assim, quando o pendor se anuncia, apresenta-se com o aspecto de uma atração deleitosa, não raro enfática, acompanhada de uma espécie de cegueira por onde a pessoa não discerne claramente o mal encerrado naquilo que a seduz.
Ora, posto nesse estado de atração, não há nada que o homem mais deteste do que ouvir a repreensão, baseada na Lei de Deus. Ele não quer ouvir falar em virtude, em obediência aos Mandamentos. Não quer, e não os pratica, pois a virtude só é verdadeiramente virtude quando a pessoa age por persuasão, convicta do que não deve fazer. De tal maneira que esteja vincado no seu espírito essa resolução: “Ainda que eu não veja porquê, sendo uma disposição da autoridade competente, não posso transgredir a Lei de Deus; devo obedecê-la. Ele tem o direito de mandar em mim, e agirei de modo acertado se tiver gosto e alegria em acatar suas disposições, ainda que não as entenda.”
Eis um elemento de virtude indispensável, sem o qual não há virtude autêntica. E é o que vai desaparecendo do espírito do homem moderno.
Cumprindo seu dever com a Lei de Deus
Donde o comprazimento em notar na alma de Dona Lucilia essa convicção de princípios, essa forma de firme obediência aos preceitos divinos. Ao lado da doçura acolhedora, a certeza: “Há uma lei à qual estou sujeita; quero obedecê-la e quero que seja obedecida pelos outros. Portanto, cumprirei esta lei e só terei a plenitude de minha concórdia para quem igualmente a cumprir. Eu tenho o direito de fazer conhecer essa Lei, e um dever especial de simbolizá-la. Se não gostarem...”
Mas, percebe-se que ela tinha imenso desejo de que os outros gostassem, a fim de mais seguramente glorificar a Deus e fazer bem ao próximo. Um imenso desejo!
Seria, pois, um equívoco interpretar a fisionomia de mamãe em certas fotografias, tão amena, tão atraente, tão afável, assim: “Façam o que quiserem...” De modo algum. A afabilidade não se confunde com o relaxamento nos princípios. A firmeza nestes se conjuga com aquela e resulta num equilíbrio de alma que eu não hesito em chamar de católico.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência em 23/3/1982