quarta-feira, 30 de julho de 2014

A vida dos adultos apresentada com elevação de vistas

Apresentaremos, a partir deste post, comentários do próprio Dr. Plinio Corrêa de Oliveira às variadas facetas da figura de sua extremosa mãe.
Mamãe sabia, como poucos, entreter uma criança. Formada segundo padrões dos antigos tempos, ela conhecia o meio de preservar a candura na alma dos pequenos, não porém  mantendo-os  na  infantilidade,  mas  educando-os  numa  inocência  amadurecedora.
Como ela procedia?
Falava  às  crianças  sobre  a  maneira de os adultos conduzirem sua  existência, suas inclinações, as lutas,  os  dramas  que  enfrentavam,  etc.,  apresentando  tudo  com  uma  tão  alta  elevação  de  horizontes,  com tanto ideal e tanta seriedade,  que incutia no espírito da criança  os necessários elementos para que  ela maturasse.
Eu mesmo, filho dela, sentia bem  como esse modo de proceder era o  que deveria ser adotado, e desfrutava um entretenimento único nos fatos e histórias descritos por mamãe,  porque tudo — até os contos de fada que nos narrava — era orientado  na direção do nosso amadurecimento. Acontecia-me de vez ou outra escapar dos brinquedos com minha irmã e meus primos e ir procurá-la pela casa, a fim de pedir que me desfiasse um de seus contos. Ela ficava  muito comprazida com minha solicitação, e eu, super-comprazido com  seu acolhimento.

Cumpre dizer que essa forma de  nos educar me preparou para o choque inevitável que um menino, saído de seu ambiente familiar — sobretudo se católico e semeado de valores morais como era o meu —, teria com o mundo. Eu caminhava para esse confronto com os olhos postos naqueles ideais que mamãe soubera nutrir em minha alma, e para os  quais eu deveria tender.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Sempre preocupada em fazer o bem

Por ocasião das refeições que Dr. Plinio tomava com alguns de seus conhecidos mais próximos, quando estes viam entrar Dª Lucilia, levantavam-se para cumprimentá-la. Instalada sempre no mesmo local, percorria com o olhar toda a sala, e assim que a conversa permitisse uma interrupção, voltava-se para Dr. Plinio:
— Meu filho, você já convidou seus amigos para jantar?
— Eles já jantaram, mamãe.
Para tranquilizá-la ainda mais, alguns diziam:
— Não se preocupe, Dª Lucilia, nós já jantamos.
Mas, julgando que respondiam por mera amabilidade, ela não hesitava em tocar a sineta e dizer:
— Mirene, estes senhores que estão visitando Dr. Plinio vão jantar aqui. Você quer preparar a mesa?
Era necessário então que eles reafirmassem de modo ainda mais categórico que já haviam jantado. Ela, porém, não se deixando derrotar nessa pequena contenda de cortesia, após um instante fazia soar novamente a sineta:
— Mirene, estes senhores já jantaram; portanto, prepare um café para lhes servir.
Certa vez, dada a posição pouco cômoda em que Dr. Plinio se encontrava para almoçar, um dos amigos segurou a bandeja enquanto ele se servia dos alimentos. Em determinado momento Dª Lucilia percebeu a cena, inclinou-se um tanto para a frente e perguntou:
— Meu filho, você não se dá conta de que está cansando esse moço? — Mas, Dª Lucilia, se a senhora pudesse não faria o mesmo? — disse a pessoa que auxiliava Dr. Plinio.
Não convencida pelo argumento, ela se dirigiu novamente a Dr. Plinio:
— Mas meu filho, não se faz isso com os outros.
A acolhida dada por Dª Lucilia era graduada conforme suas disposições em relação a cada pessoa. Não era igualitária: naturalmente a uns estimava mais, a outros, menos. Mas sempre, para com todos, era de uma abertura, de uma lhanura comparável, conforme o caso, ora à luz de um dia ensolarado, ora à luz mais discreta de uma noite de luar. Seu afeto era estável e tranqüilo, sendo muito constante em suas amizades.


terça-feira, 8 de julho de 2014

A hora de conversar com o “filhão”

Constituía maior distração para Dª Lucilia receber pessoas amigas. Já muito antes de as visitas chegarem, mandava a empregada abrir as venezianas do salão nobre e verificar se a disposição dos móveis e dos objetos estava de acordo com suas orientações. Pouco faltando para a hora aprazada, perguntava duas ou três vezes se haviam chegado as pessoas esperadas. Quem tinha a graça de estar próximo dela nessas circunstâncias, podia uma vez mais comprovar seu interesse e desvelo pelos outros. Costumava acontecer que, pela solicitude dela com os visitantes, estes se esqueciam até da hora de se retirar...
Entretanto, nunca deixava de ocupar o lugar central de suas atenções seu próprio filho.
Durante quase toda a sua convalescença, Dr. Plinio passava o dia no escritório de seu apartamento. Ali, em certas horas atendia os membros do seu movimento, e fora dessas ocasiões guardava repouso, seguindo orientação médica.
Escritório Plinio Correa de Oliveira
Não era raro que, ao passar pelo corredor, Dª Lucilia manifestasse desejo de se encontrar com seu filho. Era tocante observar a cena. Com a fronte voltada para a porta do escritório, ela dizia à empregada que movimentava a cadeira de rodas:
— Vamos aqui, Mirene.
Muitas vezes era a hora do descanso de Dr. Plinio, ou o momento de suas orações, e a porta estava fechada. A empregada respondia:
— Mas, Dª Lucilia, agora ele está dormindo.
— Você tem certeza disso?
A respeito desses episódios, conta Dr. Plinio: “De vez em quando, estando já deitado no sofá, eu a ouvia dizer:
“— Mirene, agora é hora de eu falar com Dr. Plinio.
“A empregada simulava não ouvir, mas mamãe insistia e às vezes ordenava:
“— Entre! Eu quero falar com Dr. Plinio!
“De dentro do escritório, eu poderia dizer:
“— Mirene, entre! — mas deixava correr o marfim, pois queria ver em que daria aquela batalhinha. Às vezes mamãe impunha sua vontade, com autoridade. A empregada não tinha ânimo de enfrentar e cedia.”
Dona Lucilia entrava num contentamento único! Uma “batalhinha” semelhante também se verificava quando Dr. Plinio estava no quarto de dormir. Acontecia que Dª Lucilia, ao se aproximar da porta, dizia à empregada:
— Mirene, eu quero ver Dr. Plinio, hem! O quarto dele está chegando.
Quarto Plinio Correa de Oliveira
A cadeira de rodas continuava impassível seu caminho e Dª Lucilia insistia:
— Mirene, agora chegou a hora de eu falar com Dr. Plinio.
A empregada retrucava:
— Não, senhora, já passou a hora.
— Não, é hora, sim!
Dr. Plinio então dizia:
— Deixe-a entrar — e fingia que era a hora de estar com sua mãe.
— Então meu bem, chegou o momento de nos vermos...
“Quando chegava ao meu quarto, ela estava sossegadinha”, lembra Dr. Plinio. “Eu gracejava um pouco com ela, conversava, mandava pô-la bem perto de mim, para que ela me ouvisse melhor. Ela ficava prestando uma atenção enorme nas minhas palavras. E não duvido que, à noite, enquanto estivesse se preparando para dormir, ainda pensasse nesse encontro”.
Fora dessas esporádicas ocasiões, havia um horário preestabelecido — antes da sesta e da noa 1 de Dr. Plinio — em que Dª Lucilia tinha a tão esperada oportunidade de conversar com ele. Essa hora ela nunca perdia!
Aproveitando o almoço e o jantar para cuidar dos assuntos de sua obra, Dr. Plinio recebia sempre alguns amigos. Dona Lucilia entrava a partir do final do segundo prato, já próximo à sobremesa. Cessavam então os temas de trabalho e começava uma conversa variada. Terminada a refeição, os amigos de Dr. Plinio se retiravam, deixando-o a sós com Dª Lucilia. A prosinha era habitualmente mais curta do que ela gostaria. Com efeito, Dr. Plinio determinara que a empregada a deixasse com ele, no escritório, durante um tempo limitado, devido às exigências de sua convalescença. Esgotado o tempo, ela entrava e dizia:
— Dª Lucilia, vamos, Dr. Plinio precisa descansar.
— Não, não — respondia por vezes Dª Lucilia — você pode deixar que eu vou ficar.
Mas a Mirene, seguindo as instruções de Dr. Plinio, ia puxando a cadeira devagarzinho.
— Mirene, o que é isso? Eu vou ficar.
Dr. Plinio intervinha então.
— Benzinho, preciso descansar um pouco. Diante do pedido do “filhão”, Dª Lucilia não dizia mais nada, submetendo-se pacientemente à privação da companhia de quem lhe era tão caro. A empregada ia puxando a cadeira, de costas, e Dª Lucilia ia-se despedindo à distância, com um leve gesto de mão, enquanto fitava seu filho ainda um instantezinho...

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)