quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Formadora exímia


Dona Lucilia tão meticulosa, precisa e exigente — embora bondosa e suave —, modelou vários aspectos da personalidade de seus filhos.

"No que Dona Lucilia concorreu para que eu fosse combativo? Enganar-se-ia quem supusesse que ela fez discursos, explicando que se deve ser combativo. Ela realizou uma coisa muito melhor, mais límpida, muito mais clara. Foi o seguinte: mamãe pôs em meu cérebro as seguintes coisas:

Em primeiro lugar, que Deus é o Ser supremo, Criador de todas as coisas e, portanto, merece nosso amor primordialmente. Mais do que à mamãe, eu deveria querer bem a Deus. Isso ela me ensinou muito bem, com o talento que têm as boas mães de falar aos filhos, de maneira que estes ouvem a voz delas como ao longo da vida não ouvirão voz nenhuma.

 Antes de minha irmã e eu aprendermos a dizer “papai” e “mamãe”, aprendemos a dizer “Jesus”. Minha irmã era um ano e meio mais velha do que eu. Mamãe, estando de vez em quando em seu quarto, arranjando alguma coisa, colocava minha irmã nos braços e, apontando com um dedo para a imagem de Nosso Senhor, de modo que os olhos da criança acompanhassem, dizia-lhe sorrindo afetuosamente, meigamente: “Onde está Jesus? Jesus está ali. Agora repita: Jesus, Jesus.” Minha irmã, que tinha muita vivacidade, respondia: “Jesus, Jesus.”

Depois ela fez a mesma coisa comigo. De maneira que mais tarde, quando chegava a hora, espontaneamente íamos aprendendo a dizer “papai”, “mamãe”, como todas as crianças.

Antes e acima de tudo, precisamos cumprir os Dez Mandamentos

A segunda ideia é que, em relação a Deus, nós temos deveres os quais são mais importantes do que as obrigações para com qualquer pessoa na Terra. Devemos obedecê-Lo antes e acima de tudo, cumprindo os dez Mandamentos.

Já no meu tempo de criança — nasci em 1908 —, a preocupação principal de um grande número de paulistas era ficar rico. Ficou rico, acertou na vida. Não ficou rico, foi um nulo. Perdeu fortuna, tornou-se pobre, foi um elemento negativo na vida, desprezado por todo mundo.

Mamãe dizia o contrário: “Eu prefiro ter um filho empobrecido, tido em conta de nada, mas que cumpra os Mandamentos da Lei de Deus, do que um filho rico, a quem todo mundo faça cortesias, mas que não pratica os Mandamentos. A primeira obrigação é fazer a vontade de Deus; as outras coisas vêm depois.”

Fazer a vontade de Deus significa conhecer o que Ele ensinou e cumprir exatamente o que Ele mandou. Não se pode relaxar, dizendo: “Dou tal jeitinho.” É preciso, antes de qualquer outra coisa, cumprir inteiramente a vontade de Deus com amor.

Servir a Deus com ufania

E, pelo seu modo de ser, ela era muito minuciosa nas coisas. Nos tempos de minha infância tudo era diferente de hoje. Atualmente, as senhoras compram roupas feitas em lojas. Naquela época, para tornar o trabalho mais cômodo, mandavam vir uma costureira em suas casas. Eu vi muitas vezes mamãe experimentar vestido com a costureira. Notando algumas dobrazinhas, mamãe dizia: “Aqui falta não sei o quê. Ali precisa fazer tal coisa”, até que o vestido ficasse na perfeição, porque o que ela fazia era perfeito.

Lembro-me de que, quando se tratava de fazer roupas para nós, mamãe também mandava vir a costureira, para elaborar uma roupa de menina para minha irmã, e para mim um traje de menino.

Quando chegava a minha vez de experimentar a roupa, eu tinha que ficar de pé, e Dona Lucilia dizia à costureira:

— Olha aqui, as costas não estão caindo bem. Por favor, ponha um alfinete aqui no paletó do Plinio e vamos ver se assim fica melhor.

A costureira objetava:

— Não vai bem, Dona Lucilia, porque se prende aqui, puxa lá.

E mamãe:

— É verdade, então vamos pensar um pouco onde colocar esse alfinete...

Aprendi com mamãe que as coisas verdadeiramente sérias devem ser feitas até o último ponto do exato; por exemplo, a Doutrina Católica. Se um Papa ensinou uma coisa, gozando do privilégio da infalibilidade, falando ex cathedra, ou seguindo o ensino ordinário, repetindo o que outros Papas disseram, devemos crer. Mas, para acreditar, a pessoa precisa ler o que o Sumo Pontífice escreveu, para compreender bem o que ele quis dizer, e depois quais são as consequências que decorrem, embora não estejam presentes porque o Papa não pode escrever tudo; há muita coisa que é preciso saber deduzir. E deduzir por inteiro e cumprir por inteiro, brigue com quem brigar, encrenque com quem encrencar, mas é necessário fazer.

Não basta isso. Deve-se servir a Deus não de modo escondido, com vergonha, mas com ufania e, portanto, ostensiva e publicamente.

Por exemplo, usar o terço. No tempo de minha juventude, homem nenhum usava o terço. Eu comprei um terço e comecei a usá-lo publicamente. Era uma afronta.

A alta sociedade de São Paulo era pequena, de maneira que todos se conheciam e, portanto, eu era conhecido por todo mundo. E, para fazer uma afronta maior a eles, nem comprei um terço de homem, mas um azul claro de Filha de Maria. Nas igrejas, diante de meus colegas da faculdade, eu puxava o tercinho e começava a rezar. Porque, se é preciso afrontar, vou afrontar até o fim! 

Assim, todos os cuidados que Dona Lucilia punha nos alfinetes e nos vestidos eu colocava na profissão da Fé Católica".

Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência de 11/2/1995

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Suavidade, intransigência, admiração


Durante toda a vida, as características da mãe ideal brilhavam no semblante e no modo de ser de Dona Lucilia. Por meio de longa formação, que constituiu a obra de sua existência terrena, ela preparou seus filhos para corresponderem com generosidade à ação santificante da Igreja de Deus.

Ela lhes ensinava a compreender e amar a fundamental importância da suavidade e da doçura no convívio humano. Quando duas ou mais pessoas têm afinidade entre si, sentem-se mutuamente atraídas por um movimento cheio de benevolência. Esta é a substância da amizade, que não será real e autêntica se estiverem ausentes o amor de Deus, a ternura, a afabilidade, a paciência e a compaixão.

É preciso ter conhecido Dona Lucilia para avaliar o quanto sua alma estava distante de qual quer ressentimento ou desejo de vingança. Nunca tisnou sua bela alma o mais leve movimento de alegria pelo mal ocorrido a alguém. Sua amizade, uma vez concedida, jamais era rompida, e a compaixão para com os sofredores tinha toda a amplitude aconselhada pelo Divino Salvador nos Evangelhos.

Assim, foi a suavidade uma das primeiras virtudes que Dona Lucilia, de forma modelar, procurava transmitir a quem dela se aproximava.

Outro exemplo perfeito, a se destacar no belo jardim de suas qualidades, era o da intransigência face ao mal, que se manifestava sob as mais varia das formas segundo as circunstâncias. Assim, ao corrigir os filhos por alguma falta, como anteriormente se referiu, empenhava-se em lhes mostrar a gravidade do ato praticado, salientando o quanto aquilo ofendia a Deus, de modo a incutir-lhes um profundo horror ao pecado.

De outro lado, por sua fidelidade aos Princípios católicos, rejeitava o espírito de tolerância que ia-se introduzindo na mentalidade de seus contemporâneos. Razão pela qual, estando Dona Lucilia presente numa conversa, nunca deixava passar sem reparos alguma crítica à Santa Igreja ou à Religião. Este não transigir face ao mal foi outro tesouro por ela legado a seus tão queridos filhos.

Além disso, Dona Lucilia tinha o grande mérito de saber admirar os predicados do próximo, sugerindo a Rosée e a Plinio, pelo inconfundível e atraente exemplo que dava, procederem desse modo. Com frequência, o dinamismo de seu contentamento se voltava todo para a exaltação dos talentos alheios. Em contrapartida, não se comparava com ninguém, nunca se referia a algum elogio que tivesse recebido, nem procurava chamar a atenção, mesmo que indiretamente, para alguma qualidade própria ou de seus filhos.

Essa atitude de alma, rara em nossos dias, ela a preservava ciosamente.

Ressaltar os dons por Deus concedidos a outras crianças era uma constante em Dona Lucilia, ainda quando os outros pais fingissem não perceber o valor de Rosée e de Plinio. Se uma criança, dizia algo que revelasse brilho de tudo, bom caráter, ela se tomava de alegria e não deixava de realçar, diante dos adultos, tais dotes.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Voz com inflexões suaves e tons profundos

A arte de educar consiste em formar a criança fazendo com que veja o lado razoável da autoridade, o aspecto bonito da hierarquia, a fim de amar ser mandada, obedecer. Assim, ela se torna amiga da Contra-Revolução em vez de ficar amiga da Revolução.
A atitude de Dona Lucilia em face desse problema era a seguinte:
Sua voz, embora não fosse de cantora, era muito agradável para conversa, cheia de inflexões. E inflexões muito suaves, doces, que correspondiam aos movimentos do temperamento dela, e diziam o que queriam dizer. Por causa disso tinha também tons muito graves, profundos, que não eram de pito, mas para fazer ver a gravidade, a seriedade do que ela estava dizendo. O temperamento dela era capaz de uma grande seriedade e, falando, ela normalmente tomava muito a sério tudo aquilo que ela dizia. E, quando mencionava qualquer autoridade, ela falava com certo respeito e tinha um modo de entoar a voz, fazendo-nos sentir por que e de que jeito aquela autoridade era respeitada.
Veneração para com o sacerdócio
Por exemplo, o modo de mamãe, Dona lucilia, se referir a um padre. Meu pai tinha um primo-irmão que era sacerdote; chamava-se Cônego Luís Cavalcanti. Homem muito inteligente, ele ficara solteiro até tarde e, em determinado momento resolveu ficar padre e ordenou-se na Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Ele mantinha muito boa conversa e às vezes vinha a São Paulo, sendo então convidado à nossa casa para almoçar ou jantar; compareciam também parentes de minha mãe para ouvir as palavras desse primo de meu pai. E faziam bem, porque ele era sacerdote e sustentava discussões com alguns meus tios, que eram ateus. Nessas discussões ele serrava de cima pela sua cultura, inteligência, com certa polidez e amenidade. De maneira que esses tios incrédulos até gostavam de entregar os pontos e davam risada; o padre, quando os encostava na parede, também ria de um modo amável; e aquilo tudo constituía uma conversa muito afável. Porque era muito menino, eu não entendia bem os temas das discussões, mas gostava de observar o jogo das fisionomias, os tons de voz, as atitudes das pessoas.
Minha mãe tinha um irmão muito inteligente, o qual fazia para o sacerdote perguntas muito provocantes. Eu olhava para o padre e pensava: “Dessa vez parece que ele está na parede.” Ele ouvia com toda a calma e dizia: “O senhor sabe, isto precisa ser visto num enfoque diferente”; o sacerdote mudava a questão, colocava-a no ponto certo e meu tio levava o tiro.
Quando Dona Lucilia falava desse parente, nunca o fazia sem uma inflexão de voz para dar a entender que, além de ser um primo do marido dela — portanto, primo dela também —, era um padre da Igreja Católica. Ela jamais dizia “o primo Luís”, mas “o Padre Luís”; e, posteriormente, quando ele ficou cônego, “o Cônego Luís”. No modo de ela dizer “Padre Luís” ou “Cônego Luís”, as palavras padre e cônego tomavam uma inflexão de voz que exprimia toda a sua veneração pelo homem superior a ela porque era consagrado a Deus.
Por causa disso, ela possuía para com ele solicitudes, atenções, que não tinha para com parentes muito mais ricos. Esse padre não era rico, mas isso para ela não queria dizer nada. Realmente, em se tratando de um sacerdote, isso não importa; ele é um ministro de Deus.
O modo de mamãe dizer “padre”, de se referir a ele, de tratá-lo, as atenções especiais para com ele, o verdadeiro afeto, porque, além de ser um parente, era um sacerdote, fazia a criança aprender o que era um padre, antes de compreender a doutrina católica sobre o sacerdócio. Dessa forma, o coração ficava pronto para receber o que a Fé haveria de dizer depois, pelo ensinamento da Igreja.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência de 13/3/1993