quinta-feira, 25 de julho de 2013

Consolar o próximo: dever de caridade

Como vimos, Dona Lucilia procurara formar seus filhos no hábito de fazer o bem a seus semelhantes, especialmente aos mais próximos. E mesmo após atingirem a idade madura, não cessava de lembrar-lhes tais obrigações, sempre que a ocasião se apresentava.
Igreja Santa Efigênia
Animada por essa caridade, tinha muita preocupação em confortar os conhecidos, a quem a morte levara um parente ou amigo. Exemplo disso é o bilhete que, um dia, deixou a Dr. Plinio:
Plinio
Realiza-se hoje às 9 horas em santa Ephygenia a Missa de sétimo dia do Dr. X. É preciso que vás, pois estimo muito ao seu cunhado Y, e sendo também co-parente de Dr. Z não pódes deixar de ir, porisso peço-te que vás.
Outro exemplo do empenho dela no cumprimento dos deveres familiares transparece num carteio de junho de 1937, durante nova temporada em Aguas da Prata, para onde ela fora acompanhada de seu esposo. Dr. Plinio, em missiva a seu pai, justifica-se longamente por não ter podido encontrar-se com um Corrêa de Oliveira, apesar da insistência de Dr. João Paulo e de Dona Lucilia de que o fizesse:
São Paulo, 28 - VI - 1937
Papai,
Recebi sua carta. Infelizmente, o Corrêa de Oliveira partiu para Santos e de lá para o Rio, muito inopinadamente, no dia de sua partida ou no dia imediato, se não me engano. Não houve, pois, tempo para ir visitá-lo. Os argumentos aduzidos pelo Sr. e por Mamãe, a este respeito, são todos perfeitamente razoáveis, a tal ponto que me considerava na obrigação de ir ao Esplanada, para cumprimentar o Corrêa de Oliveira, e até tinha pensado em voltar, caso não o encontrasse. Mas o Sr. vê que não foi possível.
Dr. Plinio segue a missiva tratando de algumas causas de advocacia que Dr. João Paulo deixara pendentes em São Paulo. Esse motivo acabou por exigir o regresso deste último mais cedo do que esperava. Para Dª Lucilia não ficar sozinha, seu filho sugere que Maria Alice, neta dela, então com 9 anos, lhe vá fazer companhia.
Ao terminar a carta, ele faz referência, com uma pontinha de jocosidade, a uma característica de suas famílias, tanto do lado materno, quanto do paterno: a arte da boa conversa. Por serem paulistas uns e pernambucanos outros, desenvolviam essa qualidade de modo bem diverso:
Como vai o tempo aí? E o Sr.? Está aproveitando o repouso? Está alguém aí, que lhe possa interessar para conversar, etc.? Aliás, para o Sr., conversa, principalmente com estranhos, está longe de ser gênero de primeira necessidade, como para Mamãe, para mim, e para todos os que temos um pouco de sangue de Ribeiro dos Santos.
Com um saudoso abraço, pede-lhe a bênção o filho amigo,
Plinio
À medida que os anos passavam e Dª Lucilia ia ficando mais idosa, seu filho multiplicava a solicitude para com ela. Isto fazia a fim de tornar menos penosa a solidão daquela que não teve a fraqueza de se adaptar às inovações da “modernidade” para alcançar cidadania no mundo. Com o objetivo de distraí-la, não raras vezes convidava à sua mesa alguns dos amigos mais chegados do “Grupo do Legionário”¹.
Ao escrever a sua mãe, naquele mesmo dia vinte e oito de junho, da sede do Legionário em cuja redação ficava trabalhando até horas tardias, Dr. Plinio conta-lhe que recebera duas cartas de um companheiro de luta o qual tivera a dita de amiúde jantar com Dª Lucilia, ficando indelevelmente marcado pelo convívio com ela. Além disso, procura uma vez mais tranquilizá-la com relação ao cumprimento dos compromissos familiares, destacando alguns com letras maiúsculas. Dª Lucilia muito recomendava a seu filho que prestasse especial assistência a Dª Rosée, embora ela já fosse casada, pedido ao qual ele atendeu até o último dia de vida de sua irmã.
São Paulo, 28-VI-1937 Mãezinha querida do meu coração,
Recebi com muito agrado seu telegrama e sua carta. Confesso que me esqueci de dar à Ana os recados referentes às janelas, etc.,etc. Se me lembrar, darei. Não posso prometer de dar ainda que não me lembre! Entrincheiro-me atrás desse sofisma, e passo a outro assunto.
Recebi duas cartas do José Gustavo², em dois dias consecutivos. Uma, a primeira que recebi, era datada de Perugia, se não me engano. A segunda veio de bordo do Neptunia, navio em que ele seguiu. Veja que desordem. Ambas as cartas eram muito afetuosas. Uma delas continha particulares referências à Sra. e aos “sossegados jantares de domingo”, dos quais ele me pede para lhe dizer que não se esquece, nem a caminho da Europa.
Almocei ontem com tia Yayá, depois FUI Á CASA DO ZITO³, PARA CUMPRIMENTÁ-LO PELO SEU ANIVERSÁRIO, percorrendo por isto, a pé, todo o espaço que vai entre a Rua Augusta e a Brigadeiro Luís Antônio, na Avenida Brasil, porque não conhecia bem o caminho. Tenho jantado FREQÜENTEMENTE com Rosée, e ela vai hoje em casa. (...)
Ontem, fomos jantar na Caverna. Depois, fomos dar umas voltas de automóvel, numa excelente Packard. Ás onze e meia estacionamos no Trianon, onde tomamos alguma coisa. Depois, fomos para casa. (...)
É possível que eu vá passar alguns dias em Santo Amaro, ou em Santos. Mas ainda depende.
Mande-me dizer detalhadamente como vai sua saúde, o que a Sra. anda fazendo, o que não anda fazendo, etc.
Maria Alice deve estar aí no dia dois, caso Papai siga no dia 1º, de sorte que a Senhora só ficará uma noite só. Antes disto, ela não poderia seguir porque as roupas não estão prontas, ou qualquer coisa assim.
Tenho a impressão de que Maria Alice está muito só. E não é só ela... Com muitos e afetuosíssimos beijos, pede-lhe a bênção o seu filho querido,
Plinio
“Tenha muito cuidado com sua saúde”
Ao saber alguns dias depois que Dª Lucilia fora acometida por um achaque, Dr. Plinio, embora tomado de ocupações, escreve nova missiva a sua mãe:
Mãezinha de meu coração Rapidamente, à meia noite e quarenta, escrevo-lhe uma palavrinha, para lhe dizer quanto sinto que a Sra. tenha adoecido aí, e quanto desejo seu pronto restabelecimento. Neste sentido, agora mesmo, acabo de rezar a Na. Sa., pedindo que tudo por aí lhe corra do modo mais suave possível.
Por aqui, nada de novo. No dia de anos de Tia Zili, ela me convidou, e a Rosée para almoçarmos em sua companhia na Caverna. (...)
Jantei em casa de Rosée, e, depois de um dia passado inteirinho na Rua, recolho-me exausto, fazendo esforço para lhe poder escrever.
Espero que o róseo portador desta carta lhe vá aliviar um pouco as saudades. “Um pouco”, porque tenho a ilusão pretensiosa de ser insubstituível. E, apesar de pretensiosa, creio que essa ilusão não está muito distante da realidade. (...)
Ontem, a Vasp convidou-me, como Diretor do Legionário, a fazer uma viagem de avião ao Rio hoje, ida e volta, gratuita. Era uma viagem dedicada a todos os jornalistas. Recusei, e indiquei um representante. E, por isto, mereço uma especialíssima aprovação de minha Mãezinha. Agora à noite, estive com o tal rapaz. Imagine que ele partiu às 8, chegou às 9 e meia, voltou parece-me que às 2 e meia, e chegou às 4. Portanto, foi almoçar no Rio e voltou. No tempo em que Vovô Gabriel fazia essa viagem em costa de burro, imagine o pasmo dele se imaginasse que seu bisneto poderia ir e vir do Rio em um mesmo dia!
Bem, minha Mãezinha querida, melhore muito, aproveite muito, reze muito por mim, e tenha muito cuidado com sua saúde.
Pede-lhe a bênção com muito afeto o filho respeitoso, que lhe envia mil beijos.
Plinio
(Nota, a assinatura vai à maquina, porque é mais fácil. Dado ser a portadora quem é, penso que a Sra. não duvidará da autenticidade...)

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

domingo, 7 de julho de 2013

Dois outros exemplos de discernimento materno

Um dos muitos dons com os quais a Providência quis cumular Dona Lucilia, a fim de que eia cumprisse de modo exímio sua missão de mãe e formadora, foi o discernimento das psicologias. Este levou-a, por exemplo, a escolher uma governante alemã para educar seus filhos, por perceber como o senso de ordem e o do cumprimento do dever, do povo alemão, seriam fatores altamente benéficos na formação das crianças. Só isto explica não ter ela escolhido uma governante francesa, uma vez que tanto admirava a França.
De igual modo discernia ela, entre os amigos de Dr. Plinio, aqueles que o eram autenticamente, de um ou outro que não o era.
Dois fatos demonstram a singularidade desse dom.
Certa vez Dr. Plinio convidou para jantar em sua casa um jovem colega dos meios católicos. Durante a refeição, Dona Lucilia observou discretamente o convidado, entrevendo algo de peculiar nele. Assim que o rapaz se retirou, ela disse a seu filho:
— Tome cuidado com aquela mão... O modo de ele pegar no garfo é muito esquisito...
Dona Lucilia relacionava, talvez de forma intuitiva, aquele modo “esquisito” com algum defeito moral não inteiramente explicitado. Uma certeza se firmara em seu espírito: aquele amigo não deveria ser merecedor de confiança. E, mãe zelosa,  para isso alertara Dr. Plinio.
O pressentimento dela foi em breve confirmado pelos fatos: algum tempo depois esse rapaz abandonou seus correligionarios, causando grandes dissabores a Dr. Plinio.
Noutra ocasião, Dr. Plinio convidou para almoçar em sua casa um de seus amigos mais chegados, pertencente às Congregações Marianas. Durante a refeição ouviu-se tocar o telefone. Poucos instantes depois, veio a empregada avisar que o Sr. X estava na linha, e tinha um assunto urgente a tratar com Dr. Plinio. Este interrompeu o almoço para atendê-lo. Como o aparelho ficava numa sala ao lado, Dona Lucilia e o visitante para lá também se dirigiram. Nos assuntos que seriam tratados nesse telefonema jogavam-se altos interesses da Causa Católica.
Dona Lucilia tudo observava em silêncio com seu calmo e luminoso olhar. Em seu íntimo, certamente rezava por seu filho, para que o Sagrado Coração de Jesus o amparasse nessa dificuldade.
Terminado o telefonema, voltaram à mesa e a conversa retomou seu rumo. Quando o visitante se retirou, Dona Lucilia perguntou a Dr. Plinio:
— Você viu a reação dele enquanto você falava ao telefone?
— Não, mamãe, estava tão absorto na conversa que não prestei atenção.
Num tom de voz grave, mas que deixava transparecer ainda mais o quanto de afeto lhe votava, ela o advertiu:
— Meu filho, cuidado com esse seu amigo... Sempre que você estava com a fisionomia preocupada, ele manifestava contentamento; quando você dava uma boa resposta a seu interlocutor e punha os pingos nos “is”, ele ficava indiferente ou demonstrava tristeza... Esse não é seu amigo!
Não muito tempo depois, Dr. Plinio recebia desse “amigo” verdadeira “punhalada” nas costas...
Pode-se perguntar como Dona Lucilia, pessoa tão reconhecidamente bondosa, tinha uma desconfiança que a levava a discernir o mal através de detalhes na aparência insignificantes. De fato, o conceito de bondade que se espalhou em numerosos meios, em especial a partir do fim da década de 30, era bem diferente da verdadeira concepção dessa virtude, ensinada pela Igreja.
Desde essa época há a tendência de confundir bondade com uma complacência em relação a certas formas de mal, o que redunda quase sempre em fechar os olhos obstinadamente ante ele, como se não existisse.

Bem diferente era a alma de Dona Lucilia, na qual se reuniam, numa admirável síntese, a bondade e uma inquebrantável firmeza de princípios; a misericórdia e um aguçado senso de justiça; a afabilidade e uma inteira seriedade de espírito. Este conjunto harmônico de virtudes lhe propiciava, com certa freqüência, perceber o que as situações e as pessoas tinham de bom ou de mau.