sábado, 27 de setembro de 2014

Compaixão e serenidade de Dona Lucilia

Dr. Plinio evoca alguns aspectos da bondade de sua mãe, manifestada ao longo de uma edificante existência, até o derradeiro sinal da Cruz com que se despediu deste mundo. Talis vita, finis ita: tal como foi sua vida, repassada de fé e compaixão, tal se apresentou a Deus.
Um dos predicados morais de Dona Lucilia que mais me tocava e estreitava minha união com ela era sua compaixão. Em diversos episódios e circunstâncias me era dado notar a ternura de mamãe para comigo e o modo como considerava as necessidades de uma criança, máxime sendo filho dela. A fragilidade daquele ser pequenino despertava em seu coração materno um desejo de proteção, ao lado de uma compreensão íntima, pormenorizada e delicada das carências próprias às condições de um menino.
 Compassiva nas doenças do filho
Ela percebia bem como eu mesmo sentia as minhas debilidades, e me acompanhava com um olhar solícito, como quem diz: “Essa é a trajetória de todo homem. Mas, é natural que um homem tenha uma mãe, e que esta seja toda ternura para ele. É conforme à lei da vida que as coisas se passem assim; você deve se sentir compreendido em tudo e não ter nenhuma espécie de amor próprio falso que lhe faça esconder de mim a sua debilidade. Pelo contrário, coloque-a em minhas mãos, que eu tratarei dela”. Essa disposição me era manifestada com um sorriso cumulado de afeto, e da promessa de que ela atravessaria comigo aquele caminho semeado de dificuldades.
De maneira especial, a compaixão de Dona Lucilia se mostrava inteira quando eu adoecia. Nessas circunstâncias, seu desvelo e seu carinho eram levados ao extremo, com uma preocupação inteira por causa de minha doença. Eu, sempre observador, não deixava de considerar sua atitude ao entrar no meu quarto nas pontas dos pés, sorrindo, com um copo de remédio de homeopatia nas mãos, e dizer-me: “Filhinho, chegou a hora de tomar o medicamento”. Na verdade, era a consolação de minha alma tê-la ali perto, e a presença dela compensava a dor que eu sofria.
Como se sabe, as analogias na cabeça de uma criança são vivazes, e eu fazia correlação entre o refrigério da água com que eu tomava o remédio e a bondade de mamãe. Pensava: “Ela é para mim o que esta água é para meu corpo doente — um refrigério. Sinto o meu espírito refrigerado na companhia dela”.
O mesmo desvelo na maturidade de Dr. Plinio
Essa compaixão manifestou-se invariável ao longo de toda a vida dela. Por exemplo, quando eu já era homem feito e formado, morávamos numa casa na Rua Itacolomi, onde tive uma indisposição física muito forte. Mamãe, num tom afetuoso e inquiridor de quem havia percebido, me perguntou:
— Filhão, você está indisposto, não é?
— Meu bem, realmente estou, mas prefiro não recorrer aos seus médicos. Eu não gostaria de dizer “não” à proposta da senhora de chamar algum deles, mas sobretudo não quero dizer “sim”.
Ela, com sua calma característica, aproximou-se de mim e colocou a mão sobre minha testa, e só aquele contato o frescor de sua mão me transmitiu alívio e tranqüilidade. Disse-me: “Você está com febre”. E eu pensei: “Agora ela vai colocar o termômetro e este indicará 38°, 39°. Mamãe ficará preocupada e eu vou me meter em uma engrenagem que não me agrada em nada”. Ela pôs o termômetro e, após alguns minutos, verificou a temperatura.
— Não é nada. O que você quer fazer meu filho?
— Meu bem, quero ganhar tempo, deitado e tranquilo.
Então, ela trouxe uma cadeira do quarto, colocou-a próximo à minha cama, sentou-se e começou a rezar. Ali permaneceu durante horas, até anoitecer. Em certo momento, eu disse:
— Meu bem, estou com muita fome e a senhora vai querer que eu coma algo.
— Diga o que você quer que sua mãe traz. Ela mesma foi preparar o que eu pedi, serviu-me, conversamos um pouco, e quando nos despedimos ela me disse, no mesmo tom de carinho e solicitude: “De outras vezes, você não esconda nada de sua mãe, porque ela percebe e não vai lhe impor coisa alguma”.
Só então eu percebi como ela não considerava bagatela aquela minha indisposição. Entretanto, a rogos de Nossa Senhora, a Providência me favorecera com boa saúde e na manhã seguinte eu já estava recuperado. Assim que me levantei, fui ao quarto de mamãe para cumprimentá-la, tranquilizá-la e agradecê-la pelos cuidados da véspera. E retomamos a vida comum de todos os dias.

Porém, ficara-me a certeza de que, se a doença se agravasse, o desvelo dela se desdobraria até o fim. E, provavelmente, se eu morresse, ela não sobreviveria por muito tempo. 
Continua no próximo post.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Reflexo de um afeto

Entre os edificantes aspectos da pessoa de sua mãe, Dr. Plinio apreciava a elevada clave de espírito em que ela se situava e da qual provinham seu afeto e sua benevolência, tão atraentes quanto consoladores. Na verdade, Dona Lucilia procurava, habitualmente, considerar todas as coisas em função do parâmetro absoluto que é Deus
Já tive ocasião de mencionar que minhas observações em relação a Dona Lucilia começaram muito cedo, quando eu, menino de 2 ou 3 anos, acordava durante a noite e saía do meu berço — colocado ao lado da cama dela — para ir me sentar sobre o peito de mamãe. Abria seus olhos com a mão e começava a analisá-la.
Reflexo da clemência de Nossa Senhora
Essa relação baseada no afeto e na bondade teve um importante papel na minha compreensão acerca da insondável misericórdia de Nossa Senhora para com os homens, especialmente para com os pecadores. Quando eu próprio me senti objeto dessa clemência da Mãe de Deus, foi como se Ela me dissesse: “Eu perdôo tudo, e por mais que você cambaleie e se apresente a mim nesse estado de penúria espiritual, terei pena e o perdoarei”. O sentir essa disposição maternal determinava em mim a idéia da proteção e do afago desinteressados de Nossa Senhora para comigo: a misericórdia d’Ela sobrepuja os últimos limites de minha miséria, cobre-os com sorriso, com ternura, com sobras de complacência, só porque eu sou o Plinio...
Ora, em grau menor, eu sentia análogas disposições de mamãe em relação a mim. Portanto, sem eu saber, ela preparava meu espírito paracompreender a extraordinária misericórdia de Nossa Senhora. Quiçá eu não a tivesse entendido como a entendi, não fosse esse contato prévio com o afeto de Dona Lucilia.
Ungido pelo perfume da bondade
A par dessa profunda analogia com a ternura de Maria Santíssima, eu apreciava em Dona Lucilia a elevada clave de espírito em que ela se situava e a partir da qual nos dispensava suas manifestações de afeto e benevolência. Na verdade, mamãe procurava habitualmente considerar as coisas em função de algo mais alto, em função do parâmetro absoluto que é Deus, assim como procurava atraí-las para essa elevação de alma.
De maneira que me sentia a mim mesmo sendo visto desde essa clave, e quando Dona Lucilia me agradava, era algo desse patamar que descia sobre mim, e como que me ungia. Por exemplo, quando ela me fazia o sinal da Cruz na testa, antes de ir dormir, eu percebia que alguma coisa daquela alta clave me recobria como um azeite, um bálsamo, e me fazia bem. Mas, no sentido próprio da palavra: era perfumado, suavizante, e penetrava em mim como o óleo penetra no papel.
Junto com essa elevação, a bondade invariável para comigo e para com os outros. Revestida de uma certa tristeza, igualmente comovedora, por constituir um ápice de conúbio com aquela clave elevada, na qual ela muitas vezes se sentia só: “Moro nesse patamar, que é o lugar do meu abandono. Convido-os para estarem comigo e desejo sua companhia. Porém, se não vierem, aqui permanecerei sozinha.” Supérfluo dizer que essas qualidades de Dona Lucilia falavam imensamente à minha alma de filho...
Plinio Correa de Oliveira – Transcrito de conferência em 4/12/1985

Revista Dr Plinio n. 118