sexta-feira, 28 de março de 2014

O invariável desvelo para com o “Filhão”

Continuação do post anterior
Na correspondência de Dª Lucilia nos anos anteriores, transparecia mais sua imensa bondade e um inigualável afeto materno. Sem esses aspectos perderem em nada sua intensidade, nas missivas que ela escreveu durante o Concílio, chama especialmente a atenção seu profundo amor à Santa Igreja. Por suas palavras, notamos como ela acompanhava com sumo interesse as notícias estampadas na imprensa sobre os trabalhos da magna assembléia reunida em Roma.
Após receber a primeira carta de seu filho, escreve ela estas belas linhas:
São Paulo, 18-10-1962
Filhão querido de meu coração! Quando tiveres outra vez a necessidade de te ausentar por tantos dias e para tão longe, avisa-me com antecedência para me habituar um pouco a esta idéia, antes de te ver partir, e “por mais que o sinta!”. Se nesta ocasião podias prestar qualquer auxílio aos bispos e arcebispos, etc., do bom clero, e não o fizesses, faltarias com o teu dever!
Estou guardando o jornal “Estado de S. Paulo”, que poderás gostar de ler. (...)
Você foi convidado para o jantar oferecido aos arcebispos e bispos brasileiros pela embaixada brasileira junto a Santa Sé? Deve ser hoje! Tencionava escrever-te anteontem, mas tive tanta gente que veio visitar-me para me distrair de tua ausência, que não me foi possível fazê-lo!
Quero te pedir um favor... toma muito cuidado no que comes por aí, pois quando o cardápio é bom, você fica bem guloso, e se abusas, pode te fazer mal! Cuidado, hein?
Tenho rezado muito por você.
Com mil abraços e beijos e muitas bênçãos da mamãe, que tanto, tanto te quer,
Lucilia
No dia seguinte Dona Rosée escreveu uma carta a Dr. Plinio, dando-lhe conta do andamento de alguns assuntos em São Paulo. Referindo-se a Dª Lucilia, dizia haver suportado “relativamente bem o choque de sua partida e, como tem tido muita visita, a coisa vai bem. Devora todas as notícias sobre o Concílio”.
Notícias de Roma
No dia 20, chegaram às mãos de Dª Lucilia, vindas de Roma, as primeiras novas de seu filho.
Roma, 13-X-1962
Mãezinha, amor querido do meu coração!
Escrevo-lhe com tinta vermelha, pois se quebrou minha caneta de tinta azul, e no momento não disponho senão desta.
São 1h30 da noite. E é este o primeiro momento que encontro disponível para lhe escrever. Começo por minhas notícias.
A viagem foi excelente. Avião confortável, boa comida, pontualidade satisfatória, boa companhia, nada faltou. Ou por outra faltou tudo, pois não estava a meu lado a minha Manguinha querida...
[Na escala em Paris fomos] ver os Invalides, os dois prédios da Place de la Concorde, e a Madeleine, que foram raspados da pátina que tinham. Lucraram enormemente. Como é natural, fomos também a Notre Dame, maravilhosíssima como sempre. Depois de um lauto lanche no Café de la Paix (Place de l’Opera), voltamos para Orly, e de lá para Roma.
Orly é horrendo. Como é óbvio, Fiumicino, o Orly italiano, é ainda mais feio.
Roma, pelo contrário, está lindíssima. A cidade transborda de riqueza, a população está forte, alegre, nutrida e bem vestida. O número de automóveis cresceu prodigiosamente. As vitrines estão lindas, inclusive as que expõem comestíveis.
Quanto a mim, sinto-me bem, e com um apetite muito vivo.
A parte final desta tão interessante missiva era reservada à expansão de seu filial afeto:
Agora, passemos à Senhora. Como vai, meu Bem? E a preciosíssima saúde? E o que disse o [Dr.] Brickmann? Os remédios dele adiantaram? E o fígado? Diga-me tudo, porque a Senhora bem sabe quanto me interessa tudo quanto lhe diz respeito. Mande-me pois todos os pormenores.
Meu Amorzinho, a Senhora nem calcula quantas vezes por dia me lembro da Senhora, e como conto os dias para revê-la. Cuide com o maior esmero, da sua saúde.
Receba milhões de beijos, cada qual mais carinhoso que o outro, do filho que tanto e tanto a quer e respeita, e que lhe pede as orações e a bênção,

Plinio.
Continua

sábado, 22 de março de 2014

Preciosa influência materna

É essa missiva mais um eloquente testemunho, por suas inflamadas palavras de amor de Deus, de como a educação dada por Dª Lucilia produzira na alma de Dr. Plinio abundantes e benéficos efeitos:
Manguinha querida, de meu coração!
Então, no momento em que a Sra. ler esta carta, seu Filhão estará em Roma!
Esta viagem é fruto de longas reflexões. Não a faço para me divertir. Pelo contrário, no estado de cansaço em que estou, eu de boa mente preferiria ficar-me por aqui, sem me sobrecarregar com todas as ocupações e preocupações que em Roma terei. Mas (...), colocando o dever acima de tudo — máxime o dever para com a Santa Igreja — resolvi partir.
A Sra. bem compreenderá, meu Amor, quanto me pesa deixá-la, ainda que seja só por uns 15 ou 20 dias. Esteja certa de que eu jamais faria esta viagem por prazer. Mas, ainda uma vez, a Religião está acima de tudo. Por isto, meu bem, por mais dolorosa que lhe seja esta separação de umas tantas semanas, a Sra. deve alegrar-se. Com efeito, deve enchê-la de júbilo que Nossa Senhora se sirva de seu Filhão para algo. E, se a isto estou apto, é em grande medida pela influência que a Sra. exerceu sobre mim, a educação que a Sra. me deu, e o espírito religioso que me incutiu desde tão cedo. Ofereça, pois, a Nossa Senhora o sacrifício dessa separação, para que seja bem sucedido o esforço.
Algumas semanas passam logo, Luzinha. Pense, pois, na alegria da volta, e cuide bem de sua saúde, para que eu possa encontrar minha Lú fortezinha, alegrinha, pimpona, a me esperar. A Sra. bem sabe, pelo imenso bem que lhe quero, que valor dou à sua saúde, e toda a alegria que terei em encontrá-la forte e lindinha.
Reze muito por mim, e aceite mil e mil beijos do filho que com todo o afeto e respeito lhe pede a bênção
Plinio
PS: escreva-me logo, dizendo-me como vai, etc., etc., naquela letra tão bonita, que gosto tanto de ler. Quero saber tudo a respeito de minha Luzinha do coração.
Terminada a leitura, Dª Lucilia dobra com cuidado a tão carinhosa carta e num primeiro momento a coloca aos pés da imagem do Divino Redentor, iniciando pela viagem de seu filho piedosas e empenhadas orações. Oferece novamente com generosidade ao Sagrado Coração de Jesus o sacrifício da longa separação, mais difícil de suportar agora pela ausência de seu esposo, e pela já tão avançada idade.
A vista um tanto diminuída e o reumatismo nas mãos exigiam dela não pequeno esforço e bastante tempo para, com “aquela letra tão bonita” que tanto agradava a seu filho, redigir uma resposta. Entretanto, esse incômodo era compensado pelo gosto de manter, através daquelas linhas, o convívio com ele.

Continua no próximo post

domingo, 16 de março de 2014

“Não, meu filho, eu não queria incomodar ninguém...”

Atos de abnegação, pequenos sofrimentos placidamente aceitos, inúmeros gestos de bondade e de paciência, foram alguns marcos de luz que continuaram a pontilhar a existência quotidiana de Dª Lucilia em seu apartamento da Rua Alagoas.
Certa noite, caiu do leito ao mudar de posição, pois seus movimentos estavam já bastante dificultados. Apoiando-se na cama, procurou em vão pôr-se de pé, e o ruído natural daquele esforço acordou a empregada, que dormia no quarto vizinho. Esta logo acorreu e, não sendo suficientemente forte para erguer Dª Lucilia, foi solicitar o auxílio de Dr. Plinio.
Ao entrar no quarto de sua mãe, ele a encontrou tentando ainda, com pertinácia, levantar-se sozinha, sem demonstrar qualquer aflição ou nervosismo por não o conseguir. Com todo o cuidado, ele a reergueu, acomodando-a no leito. Depois, num tom impregnado de afeto, perguntou-lhe:
— Mas, meu bem, por que a senhora não me chamou imediatamente?
Com toda a mansidão e naturalidade, ela respondeu:

— Não, meu filho, eu não queria incomodar ninguém...