sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Adaptando-se à vontade dos outros

Pequenas discrepâncias sobre decoração
Até o avant- guerre, o progresso da cultura, o gosto do ornato, o requinte alcançado nos mais variados aspectos da existência, davam à vida uma elevação e um atrativo que os avanços técnicos e materiais da humanidade, nos períodos seguintes, não puderam substituir nem superar.
Tendo Dª Lucilia assimilado o que havia de bom nos usos e costumes daqueles remotos tempos, conservou-os durante toda a vida. Ao considerar, por exemplo, qual deveria ser a decoração ideal de sua própria casa, seguia os critérios de bom gosto dos idos anos de sua mocidade. Por isso, embora seu apartamento estivesse tão apropriado a seu modo de ser, em alguns detalhes ela certamente o teria ordenado de modo um pouco diverso.
Dr. Plinio, sempre desejoso de conhecer as preferências de sua mãe para melhor discernir e amar sua bela alma, estando certo dia a conversar com ela no “Salão Azul”, amenamente perguntou:
— Mamãe, tomando em consideração o gosto de seu tempo, a senhora não estranha nada nesta sala?
— Sim, estranho!
— Mas, o que estranha a senhora?
— Filhão, este arco (que abre o “Salão Azul” para a “Saleta Cor-deRosa”), ficaria mais bonito se tivesse, pendentes de cada lado, uns lindos tecidos antigos, franzidos, à maneira de cortinas.
Para o modo de ver de Dª Lucilia, não era compreensível que aquele arco estivesse desprovido de algum elemento decorativo. As cortinas, além de criar uma divisão psicológica entre as duas salas, dariam mais aconchego ao ambiente e quebrariam a frieza do arco.
Seu filho então afetuosamente lhe disse:
— Meu bem, a senhora não nota que isto tornaria muito fechadinha esta sala?
De fato, Dª Rosée e Dr. Plinio, cujo modo de ser era mais inclinado a ressaltar as grandes perspectivas visuais, haviam preferido sacrificar o imaginado adorno a fim de dar maior amplitude ao salão. Porém, não era assim que Dª Lucilia via o assunto. Suavemente, mas com determinação, ela concluiu:
— De qualquer maneira é uma coisa que não se poderia dispensar!...
Se de um lado Dª Lucilia mostrava essa preferência pelo ornato, por outro sabia encontrar o equilíbrio no gosto pela simplicidade. Viajando pela Europa, Dr. Plinio decidiu comprar uma bela gravura que representa a Duquesa de Nemours. Ao retornar, mandou colocá-la no “Salão Azul”. Para Dª Lucilia, porém, esse quadro, apesar de muito bonito, não fazia falta, pois ali mesmo já havia um fino busto de mármore. Quando apareceu uma oportunidade, durante uma de suas tão apreciadas prosinhas, externou serenamente a Dr. Plinio o seu modo de pensar. Ele respondeu:
— Meu bem, indispensável o quadro não é, mas melhora o arranjo da sala.
— Mas, para quê? Nós vivemos tão bem sem ele...
Manifestando assim, de modo suave, sua opinião, insinuava discretamente sua perplexidade. No entanto, deixava Dr. Plinio à vontade para tudo dispor como achasse mais conveniente. Em todo o caso, por sua grande consonância de alma com seu filho, ainda que não compreendesse as razões de algumas atitudes dele, considerava-as sempre boas. Como de costume, ela estava pronta a renunciar às suas próprias preferências em favor das alheias.
Equilíbrio entre a placidez e a presteza
A facilidade com que Dª Lucilia se adaptava à vontade dos outros tinha como causa sua grandeza de alma. Nada havia que lhe pudesse abalar o ordenado equilíbrio interior.
Aqueles que mais proximamente conviveram com Dª Lucilia nunca a viram ter um só movimento de impaciência, por menor que fosse. Se a vida lhe trazia algum grave revés, como foi o caso do incêndio de um de seus imóveis, ou da doença que a atingira com dores agudas, a confiança na Providência lhe dava o consolo para manter a paz interior sem se afligir com o futuro. E, até no governo da casa, jamais permitia que os diminutos — mas não raro absorventes — problemas domésticos lhe turbassem o espírito, mantendo-se sempre calma como a superfície cristalina de um lago de montanha.
Seu filho, que a acompanhou de perto até o fim de seus dias, pôde afirmar sem receio: “Em 60 anos de convívio com mamãe, nunca a vi ter um capricho”.

Quanta renúncia de si mesma, quanto domínio da vontade não lhe foi necessário, durante sua longa existência, para que alguém pudesse fazer dela esse comentário tão simples, mas testemunho de tão grande equilíbrio de alma!

sábado, 25 de janeiro de 2014

Amor alicerçado na Fé

O oceano de benquerença de Dª Lucilia por seu catolicíssimo filho tinha suas mais profundas raízes firmadas na Fé. Era por ver em sua mãe um amor tão desinteressado e sublime à Igreja Católica que, instantes após a morte dela, Dr. Plinio, na câmara mortuária, fez esta impressionante afirmação:
“Eu a admirava muito mais por ela ser como era e pela virtude que nela discernia, do que por ser minha mãe. De tal modo que, se ela fosse mãe de outrem, e não minha, eu faria de tudo para ir morar junto a ela.”
Tais disposições de alma de Dr. Plinio, para as quais tanto contribuiu a formação dada por sua mãe, levaram-no, na longínqua década de 40, a fazer no Legionário a magnífica descrição de uma mãe católica. A cada passo desse artigo julgamos ver a figura nobre e serena de Dª Lucilia. Curiosamente, nessas comoventes linhas, nas quais transparece a admiração por insignes virtudes, refere-se Dr. Plinio à mãe de um outro...
A dama de cabeleira branca
Eu tinha diante de mim uma figura genuína de grande dama cristã. Em todo o seu ser, o tempo deixara a marca indefinível de fundas dores, sofridas com grande nobreza, com imensa suavidade de alma. Olhos calmos, belos e tristonhos, penetrantes mas doces, inteligentes mas serenos. O porte, o jeito, o traje tinha a elegância singela, nobre e despreocupada que a verdadeira educação comunica ao vestuário humano. O timbre de voz afável, reservado, cheio de matizes, revelava um coração a um tempo forte e delicado.
Pela janela entrava a jorros a claridade, que iluminava em certos momentos a cabeleira branca.
Um reflexo prateado, confundindo-se com a suavidade do olhar, se difundia então por sua fisionomia. Toda a luz faz pensar em felicidade. A luz destes cabelos brancos fazia pensar na felicidade extra-terrena. Era a grandeza da ancianidade cristã, santificada pelo mérito da maternidade, glorificada pela auréola discreta que os sofrimentos padecidos em união com Cristo deixam em toda alma e em todo semblante justo. Muita dignidade, certa majestade diríamos mesmo. Não a majestade árdua, esforçada e duvidosa do dinheiro, mas a majestade única e suprema que decorre da dignidade de mãe, sentida e vivida até as últimas fibras de um coração nascido de nobre estirpe.
Preciso dizer que a contemplação do que essa dama sofria, de quanto ela sofria, de como ela sofria, edificou-me, enlevou-me, encheu-me de veneração? Nunca vi mãe que oferecesse seu filho [a Deus] com espírito mais sobrenatural, embora com tão sentida dor. Fora, a grande metrópole vivia, suava e muitos pecavam. De mim para mim, pensei no valor expiatório deste sereno sacrifício. Os instantes que passei naquele apartamento foram inesquecíveis para mim.
Quantas vezes pensei depois disto, nesta genuína e grande dama cristã. E que especial inflexão de alegria teve o meu “Magnificat”, quando me lembrei do júbilo que naquele momento lhe deveria inundar o coração.
Perdoe-me ela se levantei indiscretamente o véu de seu recolhimento2.
De uma mesma ogiva, dois arcos que se completam
Tal como a dama cristã descrita por Dr. Plinio, Dª Lucilia, antes mesmo de seus filhos nascerem, generosamente os consagrara a Deus. Talvez tenha renovado seu oferecimento ao apresentá-los à fonte batismal, a fim de introduzi-los no seio da Igreja. Depois os levara a dar os primeiros passos nos caminhos da Fé e lhes ensinara a pronunciar, antes de qualquer outra palavra, os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria. Com seu exemplo, incentivara-os a praticar as virtudes que ela mesma lhes fizera conhecer através de narrações da História Sagrada.
Tendo Dr. Plinio, ao entrar para o Colégio São Luís, de enfrentar pela primeira vez o rijo embate da vida, Dª Lucilia o sustentara na fidelidade. A firmeza dela lhe servira de estandarte no decurso de incontáveis pugnas na Faculdade de Direito.
Já no Movimento Católico, Dr. Plinio fora penetrando ainda mais a fundo no conhecimento da doutrina e da História da Igreja. Chegara então para ele a vez de tomar respeitosamente pela mão a sua mãe e comunicar-lhe muito do que ele ia aprendendo de maravilhoso na Santa Igreja. Assim, um e outro, cada qual a seu turno, foram-se impregnando a fundo do espírito católico.
Essa catolicidade se refletia naturalmente na vida de oração de ambos, marcando de forma notável aquele recolhido e elevado ambiente do apartamento da Rua Alagoas. As preces do indômito batalhador, principal arma de todas as pugnas que travava, apoiadas pelas serenas mas intensas súplicas de sua mãe, subiam ao trono do Altíssimo a implorar graças especiais pela causa da Santa Igreja.
Nesses atos de piedade, enquanto Dª Lucilia se inclinava mais aos acordes da misericórdia, Dr. Plinio fixava suas intenções nas lides apostólicas. Esse convívio, ungido pelo silencioso fervor da mãe e do filho, constituía assim uma harmoniosa ogiva, em que um braço completava e apoiava o outro.

Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons.João S. Clá Dias

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Carinhos de mãe

Desde a mais tenra infância, Dr. Plinio foi dotado de um lúcido e invulgar discernimento dos espíritos — um dom do Espírito Santo — que, logo aos primeiros lampejos da razão, aplicou sobre sua própria mãe. Por esse meio pôde bem conhecer as elevadas qualidades com que a Providência havia adornado a alma dela. Os fatos concretos vieram, depois, comprovar a autenticidade do que ele discernira.
Ao sair de casa certo dia para seu escritório de advocacia, foi ele, como de costume, acompanhado por sua mãe até a porta do elevador. Depois de se despedirem, ela se dirigiu ao living, pensando já em lhe preparar um bom jantar. Para a elaboração do menu, não encontrou melhor interlocutor do que seu esposo.
Não suspeitava, porém, que seu filho teria ocasião de presenciar, com verdadeiro encanto, a curiosa cena que então se passou. Sem tê-la visto, jamais ele a conseguiria imaginar. Precisando retornar para apanhar um papel que havia esquecido, entrou ele silenciosamente no apartamento a fim de não incomodar seus pais. Ao passar perto do living, ouviu através da porta entreaberta a voz de Dª Lucilia:
— João Paulo, estive pensando em preparar tal prato assim para o Plinio. Você acha que estaria bem?
— Sim, está muito bom...
— Mas, você acha que Plinio teria vontade de comer mesmo tal prato e não tal outro?
Sentado comodamente numa poltrona, Dr. João Paulo respondeu:
— Certamente! Está com vontade de comer isso, sim!
Dona Lucilia, não inteiramente convencida, com sua natural afabilidade insistiu:
— Mas, João Paulo, não sei se isso será o melhor. Não preferirá ele outro prato?
Já um pouco perplexo, pois não via razão para tantos cuidados, ele respondeu:
— Bem se vê que mãe não é pai. Se dependesse de mim, eu diria a ele: “Rapaz, o que há para jantar é isto, aquilo e aquilo outro. Se não é o que você quer, vá a um restaurante”.
Ora, se havia algo que Dª Lucilia não desejava era renunciar ao convívio com seu filho durante a refeição. Assim, limitou-se a manifestar serenamente sua inconformidade com aquela resposta:
— Não, não!...
Enlevado com mais essa prova de solicitude materna, Dr. Plinio saiu de casa sem ser notado e, pela rua, ia pensando consigo mesmo: “Um pai, ainda que muito bom, não é capaz desta forma de carinho. É só do coração de uma extremosa mãe — com as delicadezas, as intuições finas e o desejo de agradar — que surgiriam essas perguntas. E por isso é tão saboroso o menu de casa...”
Apreciada por suas artes culinárias
O constante “querer-se bem” norteava até os menores atos dessa inigualável mãe, inclusive sua culinária.
Procurava ela — ao elaborar os menus — que os manjares fossem “temperados” muito mais com afeto e bondade do que, propriamente, com simples condimentos naturais. Supérfluo é dizer o quanto esta “receita” agradava a Dr. Plinio, sempre bom gastrônomo e ainda melhor filho.
Os que se aproximavam de Dª Lucilia podiam, assim, não apenas experimentar sua benevolência, mas também apreciar as iguarias executadas segundo suas instruções. Foi o caso, por exemplo, do esposo de Dª Zili, o Sr. Nestor. Este, anos após o falecimento de sua cunhada, ainda se comprazia em recordar os jantares por ela oferecidos aos domingos.
Dizia não conhecer quem fosse capaz de orientar a preparação de tão bons pratos como Dª Lucilia, especialmente os apetitosos doces caseiros, entre os quais ocupava lugar de destaque o bolo de aniversário de Dr. Plinio, o único que ela fazia pessoalmente, pondo nisso particular esmero.
Com efeito, Dª Lucilia, mesmo quando em avançada idade já não podia locomover-se a não ser em cadeira de rodas, ainda se empenhava em preparar esse bolo — um excelente pavê de chocolate, artisticamente enfeitado — no aniversário de seu filho. O cuidado dela era tal, que o desenhava antes em todos os seus detalhes, imaginando as dimensões, o colorido, os enfeites, e depois seguia minuciosamente o plano...

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Formando seus filhos no seio da Igreja

Em relação a seus filhos, Dona Lucilia exercera de modo exemplar seu papel de educadora, dando à religião uma importância primordial. 
Quando ainda muito novos, Plinio e sua irmã foram instruídos no Catecismo por DonaLucilia. A fim de os preparar para a primeira comunhão, ela contava-lhes a História Sagrada.
Doçura penetrante de carinho
Certa vez, durante esta preparação, Dona Lucilia falava especialmente da doçura de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Ela lhes apresentava esta doçura penetrante de carinho,  de afabilidade, de bondade. 
Sem dizer explicitamente, quando ela falava da bondade d’Ele, dava-lhes a ideia de uma bondade majestosa, a qual supera qualquer majestade terrena.
Em suas  narrações,  tudo  quanto  Nosso Senhor fazia era de modo sereno, cheio  de significado, medido com uma sabedoria  que transcendia, de longe, qualquer sabedoria criada. Ora ela acentuava a bondade, ora a superioridade absoluta d’Ele. Porém sempre com uma nota — a qual, aliás, corresponde ao Evangelho — de tristeza. A Paixão nunca estava ausente de suas narrações.
Uma Terra Santa lendária
Ela imaginava a Terra Santa um pouco lendariamente. Para ela, deserto da Palestina, por exemplo, era como o Saara, quando, na verdade, os desertos da Terra Santa, senão raras vezes, tem a poesia deste outro. Quando ela dizia “Mar de Tiberíades” tinha-se a impressão de estar vendo as ondas se formando naquele mar. Os personagens do Antigo Testamento eram apresentados por ela como profetas grandiosos, menos doces do que categóricos, como os profetas de Aleijadinho.
As aulas de catecismo
Além das aulas que ela dava a seus filhos em casa, providenciou  que o Monsenhor Marcondes Pedrosa, pároco da igreja de  Santa Cecília, paróquia à qual pertenciam, ministrasse aulas de catecismo. Estas aulas eram particulares. De maneira que duas ou três vezes por  semana iam à paróquia, onde Monsenhor ensinava-lhes o catecismo especialmente. Ela teve sempre muito cuidado nisso. Entretanto estas não foram as principais contribuições dela para a boa formação de seus filhos. Inscrevê-los no curso de catecismo, dar ela mesmo algumas aulas, isto toda boa  mãe fazia. O principal era, entretanto, o que transparecia no contato com ela. Nesse convívio sentia-se todas as excelências morais que ela possuía: amor, calma, dignidade, afeto, seriedade, etc. Isto atraía muito seus filhos.
“Eu prefiro mamãe”
Um fato que transparece o quanto seu filho a admirava e era por ela atraído. Certa vez, ele adoeceu e foi obrigado a acamar-se. Estava muito aborrecido por ter de ficar de cama, o que para uma criança não é nada agradável... Dona Lucilia foi visitá-lo juntamente com uma irmã dela, Dona Zili. As duas se aproximaram de sua cama e a mãe lhe disse: 
— Olha, Zili está com o tempo livre e pode cuidar de você. Eu também tenho tempo livre, de maneira que você veja qual das duas você prefere. 
A sua tia era muito mais nova do que ela, muito viva, engraçada, contava coisas interessantes. Plinio olhou para as duas e pensou: “vai ser  muito menos pesado recuperar-se ao lado de uma tia que  canta, faz brincadeiras, diz coisas engraçadas, com ela eu  vou ter muita ocasião de rir e isto vai tornar a minha doença mais leve.” Depois olhou para a mãe, e os olhos dela o olhavam com uma calma muito plácida. Disse então:
— Tia Zili, a senhora é uma “vice-mãe” para mim,  mas mãe mesmo é mamãe. Eu prefiro mamãe.
Aos domingos, iam à missa na igreja do Coração de Jesus. Ela ensinou seus filhos pelo convívio e exemplo à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, à devoção a Nossa Senhora, a amar a Santa Igreja Católica. 

Plinio Correa de Oliveira -Extraído e adaptado de Conferências de 21/9/82 e 25/7/94