domingo, 31 de agosto de 2014

Semelhança com a misericórdia de Nossa Senhora

Continuação do post anterior
Em sentido análogo, lembro-me igualmente de quando recebi a graça que me marcou inteiramente a alma (e queira Nossa Senhora, para todo o sempre), da devoção à Santíssima Virgem, diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na própria igreja do Coração de Jesus.
Naquele episódio, estando eu ajoelhado, fitando de longe a imagem e para ela rezando, na miséria e na aflição em que me encontrava, conheci a misericórdia de Maria. Então me veio logo o pensamento: “É compreensível, porque mamãe também é assim. Em Nossa Senhora, é claro, num grau indizivelmente maior; porém, há uma semelhança”. E minha alma estava toda modelada, pelo convívio com Dona Lucilia, para receber uma coisa e outra. As últimas lágrimas que eu verti por mamãe, ainda foram marcadas por essas duas impressões.
“Tudo começou com o batismo de mamãe”
Assim sendo, não posso deixar de considerar apropriada a lembrança da data do batismo de mamãe, pois se tudo o que acima dissemos é verdade, esse tudo começou no momento em que sobre ela caíram as santas águas batismais.
Ela teve como madrinha — quanto isso é expressivo! — Nossa Senhora da Penha, invocada no bairro paulistano de mesmo nome, imagem à qual ela tinha, como todos os paulistas naquele tempo, uma profunda devoção. A igreja da Penha era uma espécie de miniatura de Aparecida do Norte, para onde se faziam romarias, peregrinações, etc.
É interessante observar como, iniciando-se tão cedo essa vinculação de mamãe com Nossa Senhora, essa primeira graça era ordenada para, desenvolvendo-se e frutificando-se nela, pousasse um dia em mim. Ela tinha, portanto, uma longa caminhada diante de si.
Na eternidade, sorrindo...
Indubitavelmente, a recordação dessa data foi um gesto grato a mim e, certo estou, também a Dona Lucilia. Se, pela infinita bondade divina, ela, como espero, se acha na bemaventurança eterna, nesta hora estará nos sorrindo...
Agradecendo a Deus, por meio de Maria Santíssima, o favor inapreciável do dom da Fé concedido a mamãe por ocasião de seu batismo, peçamos ao Sagrado Coração de Jesus permita que essa graça da Fé e da esperança, do amor a Deus, ao sublime, ao absoluto, o amor a todos os valores morais e sobrenaturais tão negligenciados no mundo hodierno, se torne sobre nós ainda mais intensa e nos conforte nas provações e lutas que havemos de enfrentar em nossa trajetória rumo ao Céu.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência em 29/6/1982

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

“Mamãe também é assim...”

Dr Plinio discorre sobre o nexo íntimo de causalidade entre o que possa haver de bom nele e a influência católica recebida de sua mãe, Dona Lucilia.
Senso católico
Com efeito, sempre que as solicitações de meus ouvintes me levam a recordar situações de minha infância e dos meus tempos de moço, mais a figura de Dona Lucilia me aparece com uma confirmação ainda mais vincada, mais acentuada do imenso papel dela para a formação do senso católico em mim.
Neste sentido, não me esqueço um episódio — diversas vezes narrado por mim — que se deu comigo na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Aliás, não foi um fato isolado, mas repetido incontáveis vezes, talvez anos a fio, o qual entretanto ficou-me marcado de modo particular quando se produziu pela primeira vez. Na minha memória, aquele foi o momento arquetípico, gravado indelevelmente no meu interior, em que eu formei certa idéia de conjunto da igreja do Sagrado Coração de Jesus, enquanto assistia à Missa.
Formou-se pelo agrado sucessivo, espontâneo, das figuras, da cor interna do templo, dos vitrais, da atmosfera, do que pairava de sobrenatural, do rito, da liturgia, etc. Ainda que eu não entendesse com toda a profundidade o significado do santo sacrifício da Missa, tinha a idéia — concebível e proporcionada ao intelecto de uma criança — de se tratar da renovação incruenta do holocausto de Nosso Senhor no Calvário. Ora, eu acompanhava aquela celebração e, de repente, constituiu-se no meu espírito a noção de conjunto, envolvendo as belezas artísticas da igreja, sua atmosfera sobrenatural, o esplendor do culto e a renovação do sacrifício de Jesus. O intercâmbio, as reversibilidades de todas aquelas coisas se patentearam à minha alma, sem que eu conhecesse a palavra “reversibilidade”.
Conferindo com a alma de Dona Lucilia
Percebi esta inter-comunicação e compreendi haver por detrás de tudo um espírito, uma alma, uma causa superior que era Deus Nosso Senhor e o Divino Espírito Santo, agindo acima de tudo e a tudo sustentando. Essa reversibilidade fazia com que aquele conjunto brilhasse como um reflexo muito fiel, preciso, exato e rico da fisionomia do próprio Deus. E meu ato de Fé se manifestou inteiro: era a Santa Igreja Católica Apostólica Romana! E, ao mesmo tempo, um ato de amor: “Ela vale tudo e é tudo!”
Vinha-me, então, a esperança do Céu e a idéia dos esforços e da luta que eu deveria travar para alcançálo. E, com naturalidade assombrosa, para explicar-me essas noções todas, eu pensava em Dona Lucilia, que talvez estivesse junto a mim: “Isso é assim mesmo, pois a alma, o espírito de mamãe é assim. Logo, devo interpretar tal coisa e tal outra dessa maneira. É mesmo, confere com ela...”
E assim como aquele primeiro ato de Fé e de amor, pela graça de Nossa Senhora se estendeu pela vida inteira, também durante o longuíssimo convívio que a Providência determinou tivéssemos mamãe e eu, cada vez mais me fazia notório esse paralelo — “É claro, mamãe é assim” —, vendo nela um reflexo da Igreja, através dela contemplando melhor a Igreja e, conhecendo mais a Igreja, compreendendo melhor a ela.

Continua no próximo post

sábado, 16 de agosto de 2014

Emulação na virtude para formar os filhos

Seria oportuno ponderar que uma das atitudes que mais aflige o homem é a  inveja.  E  esta  nasce  das  comparações. A experiência na vida espiritual nos mostra que o costume de nos  compararmos  com  os  outros  é  um  dos erros mais funestos que se pode  cometer. Fazendo-o, logo nascem a  inveja, as feridas do orgulho, as más  ambições, e uma cascata de desejos  perniciosos que, não raro, darão entrada às tentações contra a virtude  da pureza.
Ora, essa forma de comparação  é algo que nunca vi em DªLucilia,  fosse em relação a ela, fosse em relação  aos  filhos.  A única ocasião em que ela se permitia de nos comparar com outros era quando nos passava alguma  repreensão.  Se havia uma criança que procedia melhor do que nós em determinado ponto, ela então a apontava como exemplo e  dizia: “Veja tal pessoa!”
Tratava-se, porém,  de uma  boa  e  compreensível  emulação  na  virtude, própria a nos educar. A não  ser  essa  atitude  formativa,  ela  jamais se comparava, nem a nós, com  ninguém. Era  uma  disposição  de  espírito em tudo coerente com a serena  e invariável retidão de sua alma.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência em 13/6/1982


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Estimular a inocência

Dona Lucilia ensinava como prolongar a inocência dentro da maturidade, fazendo seus filhos compreenderem como a inocência não é apenas um estado de espírito de uma  criança, mas um programa de vida que, em  última análise, leva o homem a cumprir o primeiro mandamento da Lei  de Deus.
Fantasias de Carnaval que estimulavam a inocência
É interessante notar que os dias de Carnaval  ofereciam  a  mamãe  uma  oportunidade especial de estimular em  nós a inocência. Todas as crianças da família se fantasiavam, vestidas pelos  pais. E eu me deixava trajar como Dª  Lucilia quisesse, pois a vontade dela  era indiscutível para mim. Agora, um  detalhe: as fantasias que ela arranjava  sempre tendiam ao sério, ao contrário  de outras que exploravam o burlesco,  impelindo a criança a tomar atitudes  descompostas e apalhaçadas.
Lembro-me de certo ano em que  ela, nas suas delicadas concepções,  planejou para mim uma fantasia de  marajá.  Ignorando  as  características do personagem que eu iria adotar, logo quis saber do que se tratava,  e mamãe então me descreveu as belezas da Índia, com seus lindos palácios, suas riquezas e mistérios.
— Você, portanto, vai se fantasiar  de marajá! — disse-me ela, num tom que era um convite longínquo para a criança encarnar e viver o papel de  soberano hindu por alguns dias. Recordo que minha fantasia comportava um turbante feito de várias  sedas, ornado de uma bonita aigrette que acompanhava os meneios da  cabeça  e  me  dava  a  impressão  de  uma  espécie  de  sismógrafo  muito  nobre da alma humana. Além disso,  era presa ao turbante por uma grande pedra “preciosa”, e esse pormenor de uma “jóia” incrustada na testa, da qual se desprendia uma elegante pluma, parecia mais ou menos a profundidade do pensamento  da qual se destacava uma construção alígera...
O  resto  da  roupa  era  igualmente de seda, guarnecida de jóias falsas,  anéis,  colares,  etc.  Os  sapatos,  com as pontas voltadas para cima e  revestidos de cetim lilás, pareceram-me  particularmente  graciosos,  pois  achei muito feliz a ideia de calçados  que  se  erguiam  da  vulgaridade  do  chão, como se o seu usuário dissesse: “Eu toco no solo, mas o melhor  de mim mesmo se faz alheio à poeira. Por isso viro a ponta para cima.”
Assim como com as fantasias de  outros Carnavais, essa do marajá era  preparada  no  clima  criado  por  Dª  Lucilia,  falando-me  com  seriedade  acerca do personagem que eu iria representar, e imaginando uma vestimenta que, conforme os padrões e as  posses dela, deveria ficar seriamente bonita. Quer dizer, com inocência  e seriedade, ela tinha empenho em que eu me apresentasse bem.  

(Plinio Correa de Oliveira –  Extraído de conferência em 12/6/1982)