segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Os nobres deveres da viuvez

A partir de 27 de janeiro de 1961, o trato feito por Dª Lucilia com o esposo, de rezar uma Ave-Maria diante do pôr-do-sol, entraria em vigor. Alguns dias após um derrame cerebral, Dr. João Paulo, então com 87 anos de idade, rendeu sua alma a Deus.
Embora Dª Lucilia estivesse de há muito com seu espírito preparado para a eventualidade da morte do esposo, a rapidez do desfecho a abalou. Mas era tal a sua paz de espírito, e tão grande sua confiança na Providência que, sem deixar de demonstrar natural tristeza e dor, não perdeu a serenidade em nenhum momento, guardando um aplomb admirável.
Aplomb, isto é, o estar de pé com aprumo, seguindo o excelso exemplo de Nossa Senhora aos pés da Cruz, era sua constante atitude diante da dor.
Uma vez falecido seu esposo, Dª Lucilia mudou alguns hábitos de acordo com sua nova situação. Guardou luto até o fim de seus dias, inclusive deixando de usar jóias pelo espaço de um ano, tempo acostumado.
De início, Dr. Plinio achou tudo isso natural, mas, passado certo tempo, perguntou-lhe:
— Mãezinha, a senhora deixou de usar seu colar de pérolas? (Tratava-se de uma jóia que ela usava diariamente.)
— Meu filho, eu não o usarei mais. Uma senhora só se adorna para seu esposo.
De fato nunca mais usou o colar, tão de seu gosto, por onde se vê com que despretensão e desapego, ao longo de toda sua vida, utilizara suas belas jóias.
Poucos meses depois, Dr. Plinio convidou sua mãe a sair com ele para uma visita, certo de que ela ficaria agradada e se distrairia um pouco. A resposta dela não deixou de surpreendê-lo, pela seriedade demonstrada no cumprimento dos deveres para com o falecido esposo.
— Eu vou — respondeu com sua firme mansidão — mas depois de ter visitado, uma vez pelo menos, a sepultura de seu pai. Antes disso, não farei visita alguma.

De fato, ela nunca mais saiu para visitas, pois não lhe foi possível ir ao jazigo de seu esposo. Naquela época não se permitia a entrada de automóveis no Cemitério da Consolação. Já tendo muita dificuldade de locomoção, não era podia Dª Lucilia percorrer considerável distância a pé, o que tornou impraticável a realização de seu desejo.

sábado, 8 de outubro de 2016

Um trato para a eternidade

Certo dia estavam Dª Lucilia e seu esposo na sala de jantar, contemplando as belezas do entardecer, que na cidade de São Paulo se reveste com frequência de esplêndidos coloridos. Mas ela não se limitava a apreciar do ponto de vista natural a vivacidade cambiante das cores ígneas com as quais o sol, em seu declínio lento e majestoso, ia pintando os tufos de nuvens, na aparência espalhados no céu por mãos invisíveis. Seu espírito logo se elevava a considerações de ordem sobrenatural. E essa cena lhe trouxe à mente quão próximos estavam, ela e seu esposo, do ocaso da vida terrena e da aurora da eternidade. Fez-lhe então a seguinte proposta:
— João Paulo, vamos fazer um trato?... Já estamos idosos e não sabemos quem de nós vai ficar só. Aquele que restar reza pelo outro uma Ave-Maria, todas as tardes, diante do pôr-do-sol.

Dr. João Paulo aquiesceu. Seria ele o grande beneficiado desse acordo, pois em breve terminariam seus dias, e ela cumpriria fielmente a promessa até o fim de sua vida.