sábado, 22 de junho de 2013

Benquerença no convívio entre mãe e filho

Era impossível passar despercebido o especial afeto recíproco entre Dona Lucilia e seu filho. Apesar de o espírito de Hollywood ter invadido largamente a sociedade, disseminando pouco a pouco uma mentalidade egoísta e pragmática, não faltaria quem se encantasse ao comprovar os oceanos de ternura e benquerença que transbordavam desse convívio entre mãe e filho. Um pequeno episódio, não desprovido de seu lado pitoresco, pode nos dar ideia disso.
“Não me esquecerei dos seus telefonemas para mamãe...”
Durante o período que passou no Rio, Dr. Plinio tinha por hábito hospedar-se no Hotel Regina, de onde amiúde telefonava para sua querida mãe. Terminados os trabalhos da Constituinte, com a sua promulgação em 16 de julho de 1934, quando se aprestava a deixar definitivamente a Capital Federal, uma confidência veio lhe revelar que essas conversas tinham sido acompanhadas por alguém.
Antes de partir, ele se despediu dos empregados do hotel, que o haviam servido durante um ano inteiro. Sendo o estabelecimento gerenciado por uma senhora portuguesa, categórica e autoritária, mas muito amável, Dona Maria da Glória, ele lhe dirigiu algumas palavras mais atenciosas, para lhe dizer que guardaria gratas recordações da estada ali, onde havia sido tão bem servido.
Ela, com uma candura toda lusitana, respondeu:
— Vá com Deus. Eu nunca me esquecerei de seus telefonemas para a mamãe em São Paulo.
— Mas a senhora os acompanhou? — perguntou ele surpreso.
Ao que Dona Maria da Glória, sorrindo, retrucou:
— Vá com Deus, doutor. Eram tão bonitos que os ouvi todos!
O normal seria Dr. Plinio reclamar, pois era inadmissível que uma gerente de hotel ficasse ouvindo as conversas telefônicas dos hóspedes. Mas Dona Maria da Glória confessou a sua falta com tal sinceridade, deixando transparecer tanta bondade de alma e admiração, que ele se sentiu desarmado, e retribuiu com proporcionada gentileza essa inocente prova de amizade.

Chegando a São Paulo, contou o fato a sua mãe, que o achou muito pitoresco. A partir de então, Dona Lucilia numa atitude bem característica dela, sempre que Dr. Plinio ia ao Rio, e se hospedava no Hotel Regina, mandava afetuosas lembranças à indiscreta e amável gerente, que ainda possuía suficiente quilate de alma para encantar-se com a elevação daquele convívio.
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons João S. Clá Dias

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