terça-feira, 15 de outubro de 2013

Inocência e maturidade

Dona Lucilia sabia, como poucos, entreter uma criança. Formada segundo padrões dos antigos tempos, ela conhecia o meio de preservar a candura na alma dos pequenos, não porém mantendo-os na infantilidade, mas educando-os numa inocência amadurecedora.
A vida dos adultos apresentada com elevação de vistas
Como ela procedia?
Falava às crianças sobre a maneira de os adultos conduzirem sua existência, suas inclinações, as lutas, os dramas que enfrentavam, etc., apresentando tudo com uma tão alta elevação de horizontes, com tanto ideal e tanta seriedade, que incutia no espírito da criança os necessários elementos para que ela maturasse.
Eu mesmo, filho dela, sentia bem como esse modo de proceder era o que deveria ser adotado, e desfrutava um entretenimento único nos fatos e histórias descritos por mamãe, porque tudo — até os contos de fada que nos narrava — era orientado na direção do nosso amadurecimento. Acontecia-me de vez ou outra escapar dos brinquedos com minha irmã e meus primos e ir procurá-la pela casa, a fim de pedir que me desfiasse um de seus contos. Ela ficava muito comprazida com minha solicitação, e eu, super-comprazido com seu acolhimento.
Cumpre dizer que essa forma de nos educar me preparou para o choque inevitável que um menino, saído de seu ambiente familiar — sobretudo se católico e semeado de valores morais como era o meu —, teria com o mundo. Eu caminhava para esse confronto com os olhos postos naqueles ideais que mamãe soubera nutrir em minha alma, e para os quais eu deveria tender.
Uma inocência unida à seriedade
É preciso dizer, também, que a seriedade fazia parte dessa inocência, ao mesmo tempo manifestada e amparada por mamãe. Essa atitude decorria de uma escola de alma que ensinava como prolongar a inocência dentro da maturidade, fazendo-nos compreender como a inocência não é apenas um estado de espírito de uma criança, mas um programa de vida que, em última análise, leva o homem a cumprir o primeiro mandamento da Lei de Deus.
Fantasias de Carnaval que estimulavam a inocência
É interessante notar que os dias de Carnaval ofereciam a mamãe uma oportunidade especial de estimular em nós a inocência. Todas as crianças da família se fantasiavam, vestidas pelos pais. E eu me deixava trajar como Dª Lucilia quisesse, pois a vontade dela era indiscutível para mim. Agora, um detalhe: as fantasias que ela arranjava sempre tendiam ao sério, ao contrário de outras que exploravam o burlesco, impelindo a criança a tomar atitudes descompostas e apalhaçadas.
Lembro-me de certo ano em que ela, nas suas delicadas concepções, planejou para mim uma fantasia de marajá. Ignorando as características do personagem que eu iria adotar, logo quis saber do que se tratava, e mamãe então me descreveu as belezas da Índia, com seus lindos palácios, suas riquezas e mistérios.
Você, portanto, vai se fantasiar de marajá! — disse-me ela, num tom que era um convite longínquo para a criança encarnar e viver o papel de soberano hindu por alguns dias.
Recordo que minha fantasia comportava um turbante feito de várias sedas, ornado de uma bonita aigrette que acompanhava os meneios da cabeça e me dava a impressão de uma espécie de sismógrafo muito nobre da alma humana. Além disso, era presa ao turbante por uma grande pedra “preciosa”, e esse pormenor de uma “jóia” incrustada na testa, da qual se desprendia uma elegante pluma, parecia mais ou menos a profundidade do pensamento da qual se destacava uma construção alígera...
O resto da roupa era igualmente de seda, guarnecida de joias falsas, anéis, colares, etc. Os sapatos, com as pontas voltadas para cima e revestidos de cetim lilás, pareceramme particularmente graciosos, pois achei muito feliz a ideia de calçados que se erguiam da vulgaridade do chão, como se o seu usuário dissesse: “Eu toco no solo, mas o melhor de mim mesmo se faz alheio à poeira. Por isso viro a ponta para cima.” Assim como com as fantasias de outros Carnavais, essa do marajá era preparada no clima criado por Dª Lucilia, falando-me com seriedade acerca do personagem que eu iria representar, e imaginando uma vestimenta que, conforme os padrões e as posses dela, deveria ficar seriamente bonita. Quer dizer, com inocência e seriedade, ela tinha empenho em que eu me apresentasse bem.
(Plinio Correa de Oliveira - Adaptado e Extraído de conferência em 12/6/1982)

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