domingo, 16 de fevereiro de 2014

Filhão, mamãe comprou isto para você

Embora a felicidade eterna dos seus fosse a principal preocupação de Dª Lucilia, continuava ela a observar, até o último instante, as pequenas obrigações decorrentes do relacionamento familiar, nas quais o afeto era a regra primeira. Por isso, ao aproximar-se o fim do ano, ou o aniversário de alguém, Dª Lucilia já ia pensando nos presentes a dar. A escolha era feita segundo a medida do afeto, e jamais em função do valor das lembranças anteriormente recebidas. Ela nunca condescenderia em rebaixar uma amizade a uma relação quase comercial.
Para Dª Lucilia, as festividades de fim-de-ano começavam sempre uns dias antes, ou seja, a partir do aniversário de Dr. Plinio, a 13 de dezembro. Com muita antecedência ia separando as quantias necessárias para os gastos e — daquele seu modo peculiar — as guardava num papel no qual escrevia a finalidade, formando pequenos rolinhos. O que era muito concorde à meticulosidade e perfeição com que fazia as menores coisas.
A seu filho oferecia sempre gravatas. Havia muito que ela já não fazia pessoalmente a compra, deixando-a a cargo de Dr. João Paulo, pois este desde moço vestia-se com muito bom gosto. E Dª Lucilia sempre achava que ele acertava na escolha. Por quê? Porque “João Paulo se veste bem”. Era o paradigma dela.
 Para Dr. Plinio, o que dava real valor ao presente eram as palavras — envoltas em tanta benquerença que enchiam a alma de doçura — escritas por sua mãe, não num cartão, mas sim no papel de seda da própria caixa da gravata. Tal pormenor, um tanto inusitado, dava especial sabor ao gesto dela, por deixar transparecer um traço de sua personalidade.
Dona Lucilia, ao entregar a seu filho o presente, com afeto dizia:
— Filhão, mamãe comprou isto para você.
Numa ocasião, estando próximo o “grande dia” do aniversário de seu filho, Dª Lucilia entrou no escritório dele, no apartamento, a fim de preparar o presente. Dr. João Paulo se encontrava ali, no sofá. Ela sentouse diante da escrivaninha, abriu a caixa de gravatas, retirou com cuidado o papel de seda e o estendeu sobre a mesa a fim de escrever a dedicatória. A tarefa, devido às suas condições, apresentava certas dificuldades, que o anseio de perfeição a levava a vencer pacientemente, uma por uma. O papel de seda não se firmava bem sobre o vidro da mesa, e sua vista, um tanto enfraquecida, lhe dificultava o traçado de sua bonita letra.
Enquanto escrevia os primeiros caracteres, ia conversando com Dr. João Paulo. Ao passar no corredor, Dr. Plinio observou a cena pelo vão da porta, ouvindo encantado o diálogo que entre eles se travava:
— João Paulo — perguntou Dª Lucilia — como é que o Plinio gostará mais que eu diga? Assim deste jeito ou de tal outro?
Com sua atenção voltada para assuntos diversos, Dr. João Paulo respondeu com uma evasiva:
— Senhora, qualquer das duas fórmulas serve.
Essas palavras não satisfizeram Dª Lucilia, que voltou a insistir:
— Não, João Paulo, pense um pouco, ajude-me aqui...

Por fim, tendo eles escolhido uns dizeres de preferência a outros, Dª Lucilia terminou de escrever, repôs as gravatas no papel de seda e fechou a caixa, levando-a em seguida para seu quarto, onde a guardou até o dia do aniversário do filho. 

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