sábado, 22 de dezembro de 2012

Anelos de elevação, gentileza e bom trato

Sempre solícita e diligente em tudo que dizia respeito à educação de seus filhos, Dª Lucilia aproveitava-se de todas as circunstâncias favoráveis para fazê-los progredir na formação de suas personalidades, bem como na aquisição de valores morais que os tornassem aptos a enfrentar as vicissitudes desta vida. Nessa preparação tinha lugar de destaque a arte de conversar, na qual Dª Lucilia era exímia.
As crianças introduzidas no mundo dos adultos
Em sua residência da Alameda Barão de Limeira, costumava-se congregar grande número de parentes, sendo habitual transformar-se a ampla sala de jantar em palco de prolongados entretenimentos e debates, que se estendiam após as refeições, já de si demoradas.
Concluída a sobremesa, as pessoas se sentavam confortavelmente nos sofás e poltronas dispostos nos cantos da sala e, enquanto sorviam a pequenos goles um aromático cafezinho, prosseguiam a conversa. Esta, sempre animada, comportava com frequência o trato de temas elevados, feita ao mesmo tempo com naturalidade e distinção. Naquela época, as conversas desse tipo, apesar de espontâneas, obedeciam a regras não escritas em nenhum manual e constituíam uma verdadeira arte, que o aparecimento do cinema e, mais tarde, do rádio e da televisão, extinguiu por completo.
Saber manter presa a atenção dos interlocutores, conseguir interessá-los por um tema, fazê-los participar sem constrangimento do animado diálogo, eram habilidades de espírito que tinham seus campeões, cujo mérito era vivamente apreciado pelas pessoas cultas. A tal ponto que a história sempre registrou os grandes causeurs de cada época. Um deles foi um bisavô de Dª Lucilia, o Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos, notável parlamentar do Segundo Reinado, não lhe tendo ficado atrás alguns de seus descendentes, que cultivaram e transmitiram o elevado dom da conversação.
A partir de certa idade, as crianças eram admitidas à mesa dos adultos, mas sem tomar parte na troca de ideias, a não ser quando alguma pergunta era dirigida a elas ou se lhes pedia uma opinião. Eram introduzidas desse modo ordenado no mundo das pessoas de mais idade, o que lhes ajudava a desde cedo tomar posição definida sobre as grandes questões do momento.
Aprendendo a julgar os fatos com Dª Lucilia
Naqueles pós-jantares, se alguém, folheando o jornal, encontrasse uma notícia interessante, lia-a em voz alta aos demais, contribuindo para alimentar a prosa. Dª Lucilia, porém, para melhor formar seus filhos, não se contentava em ouvi-la de modo passivo. Pelo contrário, procurava explicar-lhes a importância dos diversos fatos estampados nos diários. Quando ela reputava que algo tinha especial interesse, dizia em voz baixa:
— Meus filhos, prestem atenção no que foi comentado agora.
Habitualmente, as matérias tratadas pelos mais velhos iam variando e, ao discorrerem sobre acontecimentos relacionados com os assuntos pouco antes assinalados por Dª Lucilia, ela voltava a chamar a atenção dos pequenos, sempre em voz baixa:
— Meus filhos, isto também é muito importante.
E assim Dª Lucilia os educava, proporcionando-lhes de forma paulatina mais experiência e conhecimento, a fim de poderem relacionar os temas entre si e hierarquizá-los. Não tardou Plinio em perceber que os assuntos que Dª Lucilia mais comentava nem sempre eram os que saíam em manchete. Pelo contrário, não raras eram as notícias à primeira vista secundárias às quais ela dava mais importância. Isto despertou-lhe a curiosidade e o desejo de conhecer as razões desse modo de proceder. Sem muita dificuldade, concluiria ele: “Mamãe dá mais importância aos fatos que se relacionam com a Religião...”
Personagens históricos, modelos a imitar
Ao lado da arte de conversar, do interesse por narrações de histórias e de acontecimentos grandiosos do passado, bem como do senso do maravilhoso que Dª Lucilia procurava despertar nas crianças, ela se preocupava igualmente em lhes apresentar modelos que lhes pudessem orientar os passos. Foi assim que, em 1920, quando estiveram em visita a São Paulo o rei Alberto da Bélgica e sua consorte, a rainha Elizabeth, Dª Lucilia não perdeu a oportunidade de mostrá-los aos pequenos. Na ocasião, quando a comitiva dos soberanos passava pela Alameda Barão de Limeira, ela ressaltou aos olhos dos filhos a categoria, a distinção e o heroísmo daquele rei que, na Primeira Guerra Mundial, soubera defender com intrépida coragem seu país contra o invasor alemão. Fez notar também a postura correta da dama de honra da Soberana e comentou: “É assim que se deve ser!”
Era, portanto, explícita a intenção de apresentar aos filhos tais personagens históricos como modelos a imitar.
Última fantasia
Nesses seus preciosos desígnios de formação, Dª Lucilia idealizava para seus filhos (por ocasião dos inocentes festejos de carnaval daqueles tempos) fantasias que correspondiam aos modelos a eles propostos por ela.
Plinio e Rosée, entretanto, no início da década de 20, já iam abandonando a meninice. As tragédias e desilusões da vida estavam cada vez mais presentes aos olhos dos jovenzinhos, não lhes cabendo mais algo que não condissesse com a realidade, como eram tais disfarces.
Todavia, estando a família em Águas da Prata na época do carnaval, houve uma festa no hotel em que se hospedavam, e se tornava um tanto pesado e desgracioso, ante parentes e conhecidos, não participarem da alegria geral. Dª Lucilia então, habilidosamente, improvisou para seus filhos trajes típicos espanhóis. Seria a última vez que Plinio vestiria uma fantasia. Como nas ocasiões anteriores, ela soube dar-lhes um caráter muito mais real que ilusório.
Em consonância com aquela formação que lhes proporcionava, em ordem a admirar a tradição, ela procurava sempre, nessas circunstâncias, exprimir em trajes os valores de uma nação ou de um tipo humano determinado. No caso concreto, o que ela procurava incutir nos filhos de forma bem autêntica era a Espanha católica, das épicas touradas, dos grandes santuários e dos guerreiros cristãos.
“Ah! Agora o mundo entrou em seu verdadeiro eixo...”
É por essa época, em que os trens se mostravam ainda vagarosos e pouco estáveis, que um susto, seguido de aflição, não só marcará a pré-adolescência de Plinio, como deixará novamente transparecer o entranhado amor dele por sua querida mãe.
Dª Lucilia se encontrava em Águas da Prata. Iam ter com ela Dr. João Paulo, o filho e a governante deste. Ora, durante o percurso de trem, como acontecia por vezes, Plinio sentiu enjoo. Assim, quando de uma parada na estação de Campo Limpo, antes de Campinas, pediu licença ao pai para sair e tomar ar. Desceu à plataforma e pôs-se a percorrê-la tranquilamente de uma ponta a outra.
De repente ouviu um apito e notou que o trem se punha em movimento. Correu e, quando ia saltar, sentiu que decididas mãos o seguravam vigorosamente por trás, impedindo-o de realizar seu intento. Tratava-se da Fräulein que, muito perspicaz, também descera para não perdê-lo de vista.
— E agora, o que vamos fazer? — perguntou ele.
— Não tem nada. Vamos nos encontrar com seu pai em Campinas.
— Mas, como papai vai tomar contato conosco?
— Isto é muito simples. Vou falar com o chefe da estação. Ele passará um telegrama para a estação de Campinas, pedindo que avisem “o senhor que procura um filho, que o menino está em Campo Limpo e partirá para lá no próximo trem de tantas horas”.
Plinio pensou: “Há o risco de papai adormecer e não perceber o trem passar por Campinas”. Mas isto não se deu. Ao chegarem a Campinas, encontraram Dr. João Paulo tão satisfeito por ver resolvido o problema, que não continha seu afável e generoso riso pernambucano.
Passaram a noite num hotel daquela cidade e no dia seguinte Plinio se encontrava entre os braços de sua mãe. De forma instantânea configurou-se em seu interior a ideia: “Ah! Agora o mundo entrou em seu verdadeiro eixo...”
Pêsames pela morte da Princesa Isabel
Ao longo dos anos, desde 1912, quando se conheceram em Paris, a mãe de Dª Lucilia manteve assíduo contato epistolar com a Princesa Isabel e com a dama de honra desta, a baronesa de Muritiba. Evocativas de outras eras, algumas dessas missivas foram cuidadosamente conservadas pela filha, possibilitando-nos degustar agora um pouco daquele elevado relacionamento.
As cartas endereçadas à matriarca dos Ribeiro dos Santos, em geral lhe chegavam às mãos no final do almoço. Era a hora em que Luís, o copeiro, como de estilo, as apresentava a Dona Gabriela numa salva de prata.
Nessas ocasiões era comum estarem à mesa vários membros da família, que com indisfarçável interesse ouviam, por exemplo, Dona Gabriela anunciar: “Acaba de chegar uma carta da Princesa Isabel...”, e ler em voz alta as palavras da imperial signatária. Por vezes, como no caso a seguir, tratava-se de um simples postal:
Minha querida Dª Gabriela
Muitíssimo lhe agradeço seu telegrama por ocasião de nosso grande dia 13 de Maio. A baronesa de Muritiba lhe dará noticias de nós todos.
Sua muito afeiçoada
Isabel Condessa d’Eu Boulogne-sur-Seine, 4 de junho de 1917
Nesses momentos todos prestavam atenção, e era patente que seus espíritos ficavam tomados de um passageiro enlevo, do qual brotavam comentários elogiosos.
Próximo ao fim daquele ano, chegou a notícia do falecimento da Princesa Isabel, que encheu de tristeza os corações, em especial o de Dª Lucilia. Sua mãe redigiu um telegrama de pêsames para o Conde d’Eu e demais membros da Família Imperial: Queira Vossa Alteza aceitar...
Plinio, que fazia sozinho, havia já algum tempo, suas incursões ao centro da cidade, foi incumbido de passar esse telegrama. Décadas depois, ele ainda se lembraria da reação da funcionária ao ler as primeiras palavras da mensagem. Ela se voltou para uma colega e disse:
— Fulana, venha aqui depressa ver que beleza!... Veja que coisa linda!
Tratava-se presumivelmente de uma pessoa em dia com as modas e costumes mais avançados, e que, naquele instante, fora tocada por uma brisa de tradição. Aquelas simples palavras de pêsames dirigidas a um Príncipe constituíam um símbolo dos tempos passados, que naqueles já tão modificados anos ainda exerciam sua benéfica influência.
Não nos é difícil imaginar o apreço com que Dª Lucilia deve ter acompanhado tal correspondência, tão adequada a seus anelos de um mundo onde só reinassem benquerença, gentileza, elevação e bom trato...
(Transcrito e adaptado da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

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