segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nos cuidados da própria saúde, preocupação com os filhos

O precário estado de saúde de Dª Lucilia causava constante apreensão a seus filhos, e os levava a não pouparem esforços nem recursos a fim de aliviá-la — o quanto estava ao alcance deles — da penosa enfermidade de fígado que a acometia. Por tal motivo nunca deixaram de lhe proporcionar longas permanências em Águas da Prata, que resultavam em sensíveis melhoras para ela.
Porém, na sinceridade de seu desprendimento, mais preocupada com os outros do que consigo mesma, Dª Lucilia não queria pesar no orçamento deles. Receava fazerem excessivos gastos com ela e, como se pode comprovar por uma afetuosa resposta de Dr. Plinio, chegou a externar isso numa de suas cartas, infelizmente perdida:
 Santos, 27 de março [de 1942]
Mãezinha,
Recebi sua ultima carta, da qual lhe devo dizer francamente que, se uma parte me agradou muito, a outra não me desagradou menos.
Agradou-me muito, é claro, saber que a Sra. está, graças a Deus, passando melhor.
No entanto, a forma pela qual a Sra. se refere ao interesse que Rosée e eu tomamos por sua saúde, me desagradou categoricamente. Em tudo, meu bem querido, é preciso ser lógico. Em primeiro lugar, o que Rosée e eu estamos fazendo não passa de trivialidades, certamente feitas com grande afeto, mas que nem por isto deixam de estar na órbita das trivialidades. O que de mais natural do que ela levar a Sra. para a casa, e lá lhe dispensar todo o carinho? Pois não é sua filha? O que é ser filha? De minha parte, o que de mais vulgar do que empregar algum dinheiro para o bem-estar de minha Mãe? Se o dinheiro que, com o auxílio de Nossa Senhora, tenho podido ganhar, não se empregasse com suma satisfação neste assunto, mereceria eu o castigo de que ele me fugisse inteiramente das mãos, pois que, gastando-o assim, outra coisa não faço senão dar cumprimento a uma obrigação grave, cuja observância de minha parte é destes “minimuns” que se exigem de qualquer pessoa de sentimentos vulgarmente bem formados.
Por outro lado, ainda que o sacrifício fosse de monta, sendo feito para a Sra. estaria idealmente bem, e não poderia estar melhor. Se eu precisasse da Sra. um sacrifício pesado, pedi-lo-ia e aceitá-lo-ia com tão absoluta naturalidade, com tal certeza da inteira dedicação com que a Sra. o prestaria, que nem me ocorreria fazer lamentações sobre o caso. Não sei por que a Sra. ha de imaginar que a recíproca não deve ser a mesma......
Assim, meu bem, nada de lamúrias, de lamentações, de agradecimentos. Agradeça simplesmente a Deus e a Nossa Senhora que tenhamos com que fazer face às necessidades, e lhes peça que continue a ser sempre assim. Quanto ao mais, o assunto está definitivamente encerrado, ouviu meu bem?
A seguir, a carta nos coloca uma vez mais ante a perspectiva da Segunda Guerra Mundial, na qual o Brasil acabara de se envolver. De fato, após ter mantido, junto com o bloco maciçamente católico de nações latino-americanas, uma tal ou qual neutralidade, nosso País entrou na guerra quando a opinião pública de modo definido se decidiu contra o nazismo. Solidário com os Estados Unidos, que acabavam de sofrer o ataque de Pearl Harbour (7 de dezembro de 1941), o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo.
A propósito dos novos panoramas, Dr. Plinio comentava na mesma carta:
[Imagino que contaram] à Sra. o excelente passeio que fizemos ao forte Munduba. Estava muito impressionante a sensação de, em pleno território nacional, nos encontrarmos em uma autêntica “maginot” escavada dentro da própria rocha, e conversar-se sobre descida possível de paraquedistas, a eventual chegada de esquadras estrangeiras, a ação da quinta coluna em Santos, etc., etc. É um novo capítulo que se abre, uma nova era em que se entra, na História nacional. Em outros termos, começamos a ser “gente”, a correr riscos, a tratar de coisas sérias, e a impuberdade política em que nossa situação geográfica e nossa debilidade nos colocavam, parece ter cessado de vez. Assim se abre o capítulo: como se encerrará? Qual será o mapa do mundo, quando isto tudo amainar? É o que só Deus sabe.
Devo chegar terça-feira, não sei bem a que horas, mas certamente depois do almoço. Aí mataremos, se Deus quiser, as saudades que estão até rendendo juros, de tão grandes.
Papai já deve ter chegado. Mande-lhe um apertado abraço. Para a Sra., meu bem querido, muitos e muitos beijos e abraços do filho saudosíssimo, que lhe pede respeitosamente a bênção.
Plinio
Na solidão de seu quarto, Dª Lucilia deve ter lido e relido inúmeras vezes essas linhas, consolada por lhe haver dado Deus um filho tão dedicado e generoso...

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

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