terça-feira, 8 de julho de 2014

A hora de conversar com o “filhão”

Constituía maior distração para Dª Lucilia receber pessoas amigas. Já muito antes de as visitas chegarem, mandava a empregada abrir as venezianas do salão nobre e verificar se a disposição dos móveis e dos objetos estava de acordo com suas orientações. Pouco faltando para a hora aprazada, perguntava duas ou três vezes se haviam chegado as pessoas esperadas. Quem tinha a graça de estar próximo dela nessas circunstâncias, podia uma vez mais comprovar seu interesse e desvelo pelos outros. Costumava acontecer que, pela solicitude dela com os visitantes, estes se esqueciam até da hora de se retirar...
Entretanto, nunca deixava de ocupar o lugar central de suas atenções seu próprio filho.
Durante quase toda a sua convalescença, Dr. Plinio passava o dia no escritório de seu apartamento. Ali, em certas horas atendia os membros do seu movimento, e fora dessas ocasiões guardava repouso, seguindo orientação médica.
Escritório Plinio Correa de Oliveira
Não era raro que, ao passar pelo corredor, Dª Lucilia manifestasse desejo de se encontrar com seu filho. Era tocante observar a cena. Com a fronte voltada para a porta do escritório, ela dizia à empregada que movimentava a cadeira de rodas:
— Vamos aqui, Mirene.
Muitas vezes era a hora do descanso de Dr. Plinio, ou o momento de suas orações, e a porta estava fechada. A empregada respondia:
— Mas, Dª Lucilia, agora ele está dormindo.
— Você tem certeza disso?
A respeito desses episódios, conta Dr. Plinio: “De vez em quando, estando já deitado no sofá, eu a ouvia dizer:
“— Mirene, agora é hora de eu falar com Dr. Plinio.
“A empregada simulava não ouvir, mas mamãe insistia e às vezes ordenava:
“— Entre! Eu quero falar com Dr. Plinio!
“De dentro do escritório, eu poderia dizer:
“— Mirene, entre! — mas deixava correr o marfim, pois queria ver em que daria aquela batalhinha. Às vezes mamãe impunha sua vontade, com autoridade. A empregada não tinha ânimo de enfrentar e cedia.”
Dona Lucilia entrava num contentamento único! Uma “batalhinha” semelhante também se verificava quando Dr. Plinio estava no quarto de dormir. Acontecia que Dª Lucilia, ao se aproximar da porta, dizia à empregada:
— Mirene, eu quero ver Dr. Plinio, hem! O quarto dele está chegando.
Quarto Plinio Correa de Oliveira
A cadeira de rodas continuava impassível seu caminho e Dª Lucilia insistia:
— Mirene, agora chegou a hora de eu falar com Dr. Plinio.
A empregada retrucava:
— Não, senhora, já passou a hora.
— Não, é hora, sim!
Dr. Plinio então dizia:
— Deixe-a entrar — e fingia que era a hora de estar com sua mãe.
— Então meu bem, chegou o momento de nos vermos...
“Quando chegava ao meu quarto, ela estava sossegadinha”, lembra Dr. Plinio. “Eu gracejava um pouco com ela, conversava, mandava pô-la bem perto de mim, para que ela me ouvisse melhor. Ela ficava prestando uma atenção enorme nas minhas palavras. E não duvido que, à noite, enquanto estivesse se preparando para dormir, ainda pensasse nesse encontro”.
Fora dessas esporádicas ocasiões, havia um horário preestabelecido — antes da sesta e da noa 1 de Dr. Plinio — em que Dª Lucilia tinha a tão esperada oportunidade de conversar com ele. Essa hora ela nunca perdia!
Aproveitando o almoço e o jantar para cuidar dos assuntos de sua obra, Dr. Plinio recebia sempre alguns amigos. Dona Lucilia entrava a partir do final do segundo prato, já próximo à sobremesa. Cessavam então os temas de trabalho e começava uma conversa variada. Terminada a refeição, os amigos de Dr. Plinio se retiravam, deixando-o a sós com Dª Lucilia. A prosinha era habitualmente mais curta do que ela gostaria. Com efeito, Dr. Plinio determinara que a empregada a deixasse com ele, no escritório, durante um tempo limitado, devido às exigências de sua convalescença. Esgotado o tempo, ela entrava e dizia:
— Dª Lucilia, vamos, Dr. Plinio precisa descansar.
— Não, não — respondia por vezes Dª Lucilia — você pode deixar que eu vou ficar.
Mas a Mirene, seguindo as instruções de Dr. Plinio, ia puxando a cadeira devagarzinho.
— Mirene, o que é isso? Eu vou ficar.
Dr. Plinio intervinha então.
— Benzinho, preciso descansar um pouco. Diante do pedido do “filhão”, Dª Lucilia não dizia mais nada, submetendo-se pacientemente à privação da companhia de quem lhe era tão caro. A empregada ia puxando a cadeira, de costas, e Dª Lucilia ia-se despedindo à distância, com um leve gesto de mão, enquanto fitava seu filho ainda um instantezinho...

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

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