terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Exemplo de perfeição (cont)

Continuação do post anterior
Ajudando no governo da casa
Vivíamos em casa de minha avó — que era a matriarca da família — ela, meu pai, minha irmã e eu. Era uma residência muito grande, e morávamos num apartamento reservado especialmente para nós.
Mamãe se dedicava a ajudar minha avó a tomar conta da residência. Esta era enorme, e por isso era preciso sempre dirigir os criados e fiscalizar as contas.
Naquele tempo, quase tudo se fazia em casa, não só refeições, mas também costura, por exemplo. Havia em nossa residência uma máquina de costura muito boa, marca Singer, com pedais; não era elétrica. Mamãe pedalava e costurava. A Fräulein também ajudava na confecção de certas peças de roupa. Embora não precisasse trabalhar nessas coisas, mamãe as realizava por afeto, gostando que usássemos roupas feitas por ela. Para um rapaz, por exemplo, uma coisa é usar uma gravata comprada na loja, outra é vestir aquela que sua mãe fez para ele.
À procura dos ovos de páscoa
Quando chegava a Páscoa, realizava-se piquenique, ou seja, uma excursão a uma distância pequena, no meio do mato ou junto da praia, levando-se algumas cestas com comida. A criançada brincava e mamãe ficava observando. Essas cestas iam bem preparadas, tudo bem arranjado. Era agradável vê-la retirar os alimentos e mandar distribuir aqui, lá e acolá. Tudo feito com perfeição. Ela sabia depois adaptar a refeição a cada pessoa.
Muitas vezes íamos ao Parque Antártica, situado em frente às Indústrias Matarazzo1 de hoje. Era um local enorme, muito bonito, que a Companhia Antártica — fabricante de uma excelente cerveja — mantinha para o público a fim de fazerem piqueniques e, penso eu, escoar seus produtos.
O parque possuía tufos de vegetação, árvores, enfim tudo que pudesse distrair crianças. Em certo momento, mamãe fazia um sinal para a Fräulein — mas eu nunca percebia; somente quando adulto entendi tudo — e esta jeitosamente levava os ovos de páscoa, colocando-os em diversos lugares. As crianças ficavam prestando atenção para ver onde ela os havia escondido, para depois irem buscar.
Eu era um menino bastante distraído e muito pensativo. Como resultado, uma série de coisas concretas me escapava.
Mamãe já sabia que eu não iria notar; então ela me dizia:
— Filhão, vá agora pegar seus ovos. Eu pensava: “Agora chegou essa história.”
E perguntava:
— Que direção devo tomar?
— Vá procurar. Todos os seus companheirinhos estão procurando, busque você também.
— Ah! sei, vou.
Após dar alguns passos e nada encontrar, eu de longe olhava para ela, assim como quem diz: “Ajude-me porque naufraguei , não encontro os ovos.”
Mamãe sorria para mim. Que sorriso luminoso, afável! Um tanto se divertindo com o meu apuro, mas alegre por me tirar dele. Chegava até mim e me dizia:
— Dê a mão para mamãe que vou ajudá-lo a encontrar os ovos. Vamos andar um pouco.
Segurando minha mão, ela fingia que estava procurando e afinal me falava:
— Olha, está naquele tufo, mas você tem que procurar dentro dele.
Mexendo um pouco naquela vegetação, aparecia o presente. Eu era tão ingênuo que acreditava ter sido achado por mim e ficava alegre:
— Olhe, mamãe, eu encontrei!
E ela fingia surpresa:
— Ah! Encontrou? Que coisa excelente!
E eu ia comer o ovo de páscoa que achara, pois todos os presentes eram comestíveis. Ela sabia que eu não preferia ovo de chocolate, e sim o feito de açúcar, pois causava a impressão de cristal muito bonito. Dessa forma, mamãe sempre me fazia encontrar o ovo de cristal que comprara para mim.
Nada havia nesse caso que ela não tivesse feito com perfeição
Eu saía de lá com a seguinte sensação: “Nada havia nesse caso que ela não tivesse feito com perfeição.”
De vez em quando, para brincar, eu lhe dava um ou outro apelido, sempre muito respeitoso e afetuoso. Durante algum tempo, eu a chamava Lady Perfection, quer dizer, Senhora Perfeição, e ela ficava muito contente. Meu pai, que era um homem muito tratável, de um gênio muito bom, olhava o jeito dela e dizia, imitando a pronúncia do português de Portugal:
— Não te derretas!
Ela ficava séria, eu lhe falava outras coisas para exprimir minha admiração e assim terminavam nossos contatos.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 10/9/94

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