domingo, 22 de junho de 2014

Apesar de indisposta, um trato impregnado de bondade

Até onde lhe chegaram as forças, Dª Lucilia exerceu na perfeição as funções sociais de dona-de-casa. Pudemos observar isso de modo especial quando ela fazia suas orações vespertinas. Aquela sua preocupação, quando notava ter sido o telefone atendido por vozes não familiares, em saber de sua empregada quem estaria esperando seu filho, repetia-se incansavelmente.
— Mirene! Quem está aí? — perguntava, já inteiramente disposta a receber o inesperado visitante.
Um belo fato relacionado com esse seu exímio modo de ser, foi presenciado por certo jovem, que até hoje dá testemunho a esse respeito, e é prova da elevada virtude dessa insigne dama paulista:
“Dona Lucilia me fez entrar na sala de jantar, assim que terminou a piedosa recitação do Rosário, e depois de dar-me as explicações costumeiras do porquê da demora de Dr. Plinio em me atender, fez-me sentar para tomar o chá da tarde em sua companhia.”
Quase três horas de conversa se passaram como se fossem minutos. Vinte e sete anos depois, esse jovem ainda se lembrava com emoção da extrema gentileza e do afeto envolvente de Dª Lucilia para com ele na ocasião: “O tempo inteiro ela procurou me entreter, discorrendo sobre os temas que mais me agradavam, sempre num clima de serenidade e benquerença. Recordo-me ter saído tão alegre e feliz daquela conversa que me parecia ter estado mais com um anjo do que propriamente com uma criatura humana. Recebi uma tal comunicação de bem-estar, que cheguei a pensar ser Dª Lucilia uma senhora que nunca sofrera o menor incômodo na vida, pois em nenhum momento deixou transparecer uma só fímbria de enfado ou de cansaço, disposta a fazer bem à minha alma, até os limites permitidos pelo relógio”.
E continuava sua narração, descrevendo os jogos de fisionomia de Dª Lucilia, os pequenos e elegantes gestos, a voz, o olhar, as mãos.
Naquele mesmo dia, após essa conversa, Dr. Plinio o chamou a seu escritório a fim de providenciar uma ligação telefônica para o médico de Dª Lucilia. Eram 21h 30min de um sábado.
O jovem ficou abismado ao ouvir Dr. Plinio dizer ao médico que Dª Lucilia passara o dia todo muito indisposta, e com tal mal-estar que isto certamente a impediria de conciliar o sono. Após relatar ao clínico todos os sintomas, em pormenor, Dr. Plinio pediu a seu auxiliar que anotasse o nome da injeção receitada. Tendo o referido jovem um certo conhecimento do remédio em questão, deu-se conta de qual deveria ser o real estado físico de Dª Lucilia, que com tanta normalidade o entretivera por tão longo tempo.
“Em Dª Lucilia — recorda ele — a bondade era uma segunda natureza. Tornava-se ainda mais patente para mim, por este fato, que ela passara a vida fazendo bem aos outros.”
Não havendo quem fosse comprar a injeção, o mesmo jovem se ofereceu para fazê-lo. Depois, devido à ausência do enfermeiro de plantão, foi ele próprio convidado por Dr. Plinio a aplicá-la em Dª Lucilia, uma vez que tinha prática nisso. Ocorreu então outro episódio que marcou a história desse feliz jovem. Ao ser introduzido no quarto de Dª Lucilia, tomou-se de encanto e de emoção ao vê-la tão dignamente recostada no leito.
— Dona Lucilia, estou aqui para lhe aplicar uma injeção receitada por seu médico — disse ao cumprimentá-la.
Segundo narra essa testemunha, “era extraordinária a instintiva preocupação de Dª Lucilia com os outros, ainda que estivesse se sentindo indisposta, como naquela circunstância. Além do momentâneo distúrbio pelo qual passava, ela estava a bem poucos meses da morte e, não obstante, sua atenção se voltava para os demais.
“Naquele ambiente de compostura e recato, à luz de um abat-jour, sua primeira atitude foi olhar-me atentamente e dizer:
“— Ora, mas justamente nesta noite de sábado, eu estou dando esta amolação ao senhor! Perdão por estar atrapalhando seu programa.
“Sem demonstrar o menor desagrado ao lhe ser aplicada a injeção, que provocou certa dor, Dª Lucilia disse logo a seguir:
“— Entristeceu-me muito ter causado esse transtorno ao programa do senhor.
“— Em nada, Dª Lucilia. Pelo contrário, eu é que me entristeço por vê-la sofrer com essa injeção.
“— Ora essa. Então eu lhe agradeço muito — concluiu Dª Lucilia, com sua insuperável doçura de trato...”

Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias

Nenhum comentário:

Postar um comentário