domingo, 1 de junho de 2014

Trato ameno e todo feito de bondade

Continuação do post anterior
Quem teve a felicidade de frequentar aquele apartamento, convivendo com Dª Lucilia nos últimos meses de sua existência terrena, bem pôde avaliar o alto grau de consideração, gentileza e estima inerentes a seu nobre trato, mesmo em suas mais simples expressões. De índole respeitosa e afetiva, era ela mestra na difícil arte de se dirigir aos outros com afável dignidade, de modo a deixá-los sempre à vontade.
Por um muito apreciável dom de causerie, que ela herdara e requintara, ao qual se acrescia um suave savoir-faire1, se tornava muito agradável àqueles que a ouviam. Entretanto, por trás destas excelentes qualidades estava uma virtude mais alta: a disposição de ouvir, com incansável paciência, tudo o que os outros lhe quisessem expor, procurando sempre os lados bons dos fatos narrados e, mais especialmente, os de seus interlocutores.
Por um sobrenatural senso de compaixão, causava-lhe profundo sofrimento ver alguém entristecido ou magoado, ainda que se tratasse de um desconhecido. E era admirável o esmero com que logo procurava aplicar o lenitivo da palavra justa, da fórmula adequada, do bom conselho para a difícil situação, do afago para a dor, da esmola para a necessidade. Para Dª Lucilia, a felicidade do próximo era a dela... Sua alma se movia pelo desejo de causar contentamento a cada um, e daí seu grande pesar quando não podia fazê-lo. Era o afeto de um coração total e essencialmente católico. Sua alegria de alma consistia em querer bem aos outros por amor de Deus, e ser por eles querida. Porém, quando sua benquerença não era correspondida, jamais cedia ao menor sentimento de rancor, pois não visava qualquer benefício pessoal ou vantagem própria nesse relacionamento.

Destas belas características de trato, são testemunhas várias pessoas que estiveram com Dª Lucilia naquelas tardes de seus últimos cinco meses de vida. Foram elas objeto de uma afabilidade que vinha invariavelmente acompanhada de simpatia benévola e obsequiosa. A todos encantava sua propensão contínua de agradar a seu interlocutor e fazer-lhe bem de todos os modos. 
Novos hábitos rompem a antiga rotina da casa de Dª Lucilia
Habituada de há muito a um isolamento diário e prolongado, em que nada vinha romper sua rotina, Dª Lucilia passou, de repente, a ouvir em sua casa sons, vozes, passos que não lhe eram familiares. Seu telefone, antes mais bem silencioso, começou a soar repetidas vezes ao longo do dia. Igualmente a campainha da porta de entrada daí em diante se fez ouvir com maior freqüência...
As circunstâncias da longa convalescença de Dr. Plinio tornaram indispensável estabelecer um plantão que, com certa diplomacia, cuidasse dos eventuais problemas que fossem surgindo. Era um verdadeiro sistema de relações públicas, o que Dª Lucilia em sua avançada idade jamais poderia imaginar. Por isso, sentiu-se na obrigação de se interessar diretamente pelo que se passava.
— Quem tocou a campainha? — perguntava à empregada.
— É um amigo de Dr. Plinio.
— Faça-o entrar. Aquele invariável “faça-o entrar” se evolava de seus lábios tão impregnado de serenidade e gravidade, doçura e dignidade, que o visitante se sentia irresistivelmente atraído.
Em outras ocasiões, ao ser avisada por Mirene, que então a servia, de que mais um senhor acabava de chegar a fim de visitar seu filho, Dª Lucilia dizia:
— Você lhe explicou que Dr. Plinio está repousando?
— Não, porque outra pessoa o atendeu à porta, e ele entrou diretamente no escritório. Parece que Dr. Plinio já o estava esperando.
— Mas você não sabe o nome dele?
— Não, mas já o vi outras vezes.
— Seria bom você ir preparando um lanche para lhe servir.
— Acho que a visita é rápida — dizia a empregada, visivelmente desejosa de escapar das obrigações impostas pelas antigas maneiras vividas por Dª Lucilia.
As épocas haviam mudado, e com elas as normas da boa acolhida. Porém, não seria a suposição de uma simples servente que, de maneira fácil, convenceria Dª Lucilia, demovendo-a de seus tradicionais e entranhados hábitos. 

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