sábado, 22 de setembro de 2012

Celebrando a Paixão e o Domingo de Páscoa

Entre os vários, edificantes e encantadores aspectos da personalidade de Dª Lucilia, enquanto mãe e formadora, encontramos seu modo de celebrar os dias da Paixão, assim como o de preparar e conduzir as comemorações do Domingo de Páscoa. Tudo visando ao maior bem das almas (e também dos corpos...) de seus filhos e demais crianças da família, como conta Mons João Clá Dias,EP.
A conformidade de Dª Lucilia com o espírito da Igreja a tornara exímia cumpridora das praxes religiosas. Naqueles anos de 1915-16, ainda impregnados pelo benéfico aroma do pontificado de São Pio X, a liturgia enriquecia com todo o seu sacral esplendor as solenidades católicas comemorativas dos principais mistérios da Fé. Os fiéis associavam-se a tais celebrações, quer pelo exercício das práticas e devoções recomendadas pela Igreja, quer pela assistência aos ofícios divinos. Dª Lucilia, sempre que lhe permitia sua frágil saúde, a estes piedosamente comparecia.
Porém, não se limitava a isso. Em casa, procurava criar o ambiente próprio às diversas festas do calendário litúrgico. Tal era o caso, sobretudo, do Natal, da Sexta-Feira Santa e da Páscoa.
“Vejam como Ele está chorando por vocês”
Durante a Semana Santa, não só nas igrejas mas também nos lares — como era tradição em todas as famílias católicas — cobriam-se com tecidos roxos as imagens e os crucifixos, suspendiam-se as brincadeiras das crianças, os mais velhos se abstinham de jogar, a maioria das pessoas vestia traje de luto, e todos falavam a meia voz em sinal de dor pela Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Dª Lucilia congregava as crianças em torno de si e explicava, em tom de muita gravidade, todos os Passos da Paixão, fazendo-lhes ver as funestas consequências do pecado. A fim de mover seus pequenos ouvintes à compaixão para com Nosso Senhor, mostrava-lhes piedosas gravuras e, em palavras acessíveis à compreensão infantil, dizia:
— Vejam como Ele está chorando por vocês. Está também chorando pelos outros, porque sofreu por todos...
Crucifixo que pertenceu à Senhora Dona Lucilia
Na Sexta-Feira Santa reunia os parentes que moravam em casa e, às três da tarde, organizava uma vigília de orações diante de um crucifixo herdado de seu saudoso pai.
Com antecedência e esmero, preparava a singela cerimônia. Mandava comprar a vela para pôr num bonito castiçal que ganhara de presente de casamento. A fim de fixá-la bem, ela mesma revestia o orifício com papel de seda, cujas bordas recortava em forma de flor.
Dª Lucilia dava início ao ato com uma ladainha ao Sagrado Coração de Jesus; seguia- se uma ladainha de Nossa Senhora. Depois pedia pela alma desse, daquele — não havia parente falecido por cuja alma se esquecesse de orar. Entremeava as orações vocais com intervalos nos quais rezava em silêncio, e todos permaneciam em atitude de recolhimento. Ninguém ousava sair do salão.
Tudo terminado, Dª Lucilia deixava a vela acesa diante do crucifixo exposto, até quase se extinguir. No dia seguinte, após alguma breve oração, tomava a santa imagem de nosso Redentor e a envolvia num papel de seda, guardando-a numa gaveta até o próximo ano.
Após as graves tristezas da Semana Santa vinham, a partir do meio-dia do Sábado de Aleluia, as triunfais alegrias da Ressurreição, que ela se empenhava também em transmitir às crianças. Via-se, em várias esquinas da cidade, a tradicional malhação do Judas, pela qual os meninos vingavam a traição mil vezes infame cometida contra Nosso Senhor Jesus Cristo. Já no sábado, Dª Lucilia organizava o passeio do dia seguinte, onde não faltavam as iguarias e guloseimas, tão do agrado dos pequenos, e cuja preparação ela sempre orientava.
Crucifixo diante do qual Dª Lucilia reunia-se com a família, na Sexta-Feira Santa
Domingo de Páscoa no Parque Antárctica
Parque Antárctica
Desde o nascer do sol, o dia se anunciava como um inocente e feliz domingo de Ressurreição dos idos de 1915 ou 1916. Na véspera, como era habitual todos os anos, Dª Lucilia enchia uma cesta de vime com ovos de Páscoa, bebidas e sanduíches, dado ser costume na família levar nesse dia as crianças para um piquenique.
Em determinado momento, abria-se a porta do palacete Ribeiro dos Santos e, sob o vigilante olhar das governantes, saía uma chusma de meninos que, apinhados em vários táxis, seguiam em alegre algazarra pelas ruas então tranqüilas dos Campos Elíseos. Junto, amparando com sua diligente e calma presença, ia Dª Lucilia. Em geral escolhia o Parque Antárctica para a festa ao ar livre.
Chegadas ao local, dava liberdade às crianças para irem brincar pelas diversas alamedas ajardinadas, cobertas pela sombra de imponentes árvores. Enquanto os pimpolhos se dispersavam, as governantes, sob a orientação de Dª Lucilia, escondiam em meio à vegetação apetitosos sanduíches de sardinhas portuguesas, lombo de porco, presunto e queijo, entremeados de fatias de ovos duros, além de ovos de Páscoa de chocolate ou de açúcar candy, envoltos em papéis prateados. Estes últimos ofereciam a agradável surpresa de conterem bombons. Quando tudo estava pronto, as crianças acorriam alegres à voz de Dª Lucilia, chamando-as para virem descobrir aquelas delícias.
Achegavam-se lépidas. Plinio, nada entusiasta de corridas, ficava para trás, pensando consigo mesmo: “Mamãe dará um jeito”. Enquanto os outros, com avidez, iam à busca dos tesouros culinários ocultos, e as manifestações de alegria denunciavam terem sido encontrados os primeiros petiscos, ele se voltava para Dª Lucilia (que comprazida observava toda aquela vivacidade infantil) e perguntava:
 — Como é meu bem? Onde estão as coisas?
Carinhosamente ela respondia:
— Filhão, você precisa procurar!
Pouco depois ele insistia:
— Mas, meu bem, não vejo onde estão...
Então, olhando na direção onde havia algo escondido, ela sorria dizendo:
— Filhão, veja se você encontra lá.
Confiante em que o conselho materno sempre indicava o caminho certo, ele seguia o rumo apontado pelo olhar de Dª Lucilia. Ela permanecia sentada a observá-lo. Vendo que demorava a encontrar as desejadas iguarias, levantava-se e ia para junto dele que, sempre muito enfático, novamente lhe dizia:
— Meu bem! não estou achando esses ovos! Diga-me por favor onde estão, porque não os encontro...
Ela, por sua vez, o estimulava:
— Procure, procure! Olhe um pouco ali.
Por fim, Plinio descobria algumas guloseimas, que, por sinal, eram seus manjares prediletos, escondidos especialmente para ele... Logo abraçava e beijava Dª Lucilia como expressão de filial reconhecimento. A seguir, ela lhe ordenava com afeto:
— Vá brincar, meu filho.
* * *
Por sua placidez e serenidade em meio àquela inocente alegria, Dª Lucilia ensinava às crianças a buscar a verdadeira felicidade apenas nas formas de prazer que conservam e desenvolvem o bem-estar sólido, tranquilo, ameno, sorridente. Não valia a pena sacrificá-la por nada que trouxesse perturbação, ainda quando isto pudesse oferecer alguma pseudo-alegria. Ela era incompatível com modos de ser febricitados e agitados. Concorria para isso o equilíbrio de seu temperamento, sempre reto na fruição e verdadeiro símbolo da ordem.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

Nenhum comentário:

Postar um comentário